segunda-feira, 1 de abril de 2019

Os migrantes são motivo de orgulho







  • Durante visita a Washington, o presidente Jair Bolsonaro declarou que a maioria dos imigrantes nos EUA não são bem intencionados. Seu filho chamou brasileiros que vivem ilegalmente no exterior de “vergonha”. Apesar do pedido de desculpas, o presidente já havia criticado migrantes em diversas ocasiões, tendo chamado haitianos e outros imigrantes da América Latina e do continente africano de “escória do mundo”.
    Tais afirmações pressupõem que migrantes são “um fardo”, ignorando o fato de que tais indivíduos possuem direitos e contribuem significativamente para as comunidades de destino. 
    Os próprios antepassados do presidente eram imigrantes da Itália que chegaram ao Brasil para trabalhar e fugir da pobreza que assolava o sul da Europa no século XIX e que persiste ainda hoje.
    O discurso promovido pela Presidência durante a visita à Casa Branca não está alinhado com pesquisas empíricas sobre as motivações e os impactos dos fluxos migratórios.  
    A migração é um fenômeno complexo. Atualmente, há mais de 250 milhões de migrantespor todo o mundo. Grande parte migra em busca de novas oportunidades econômicas, ou se vê forçada a fugir de seus lugares de origem devido a pobreza, fome, conflitos ou mudança climática. Em muitos casos, uma combinação de fatores impulsiona a decisão de deixar o lar para tentar a sorte em um novo lugar.  
    Grandes fluxos migratórios (inclusive aqueles provocados por crises humanitárias como a enfrentada pela Venezuela) podem exacerbar tensões locais. Isso ocorre sobretudo quando as estruturas voltadas ao acolhimento dos migrantes são inadequadas, e quando lideranças populistas pregam a xenofobia.  
    O efeito da migração transnacional sobre o mercado de trabalho, por exemplo, varia bastante de acordo com o contexto. A médio e longo prazo, os benefícios sociais mais do que compensam potenciais dores iniciais. No caso dos refugiados, pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), da qual o Brasil almeja fazer parte, aponta que refugiados pagam mais impostos do que recebem de benefícios.
    Os ganhos da migração para comunidades de acolhimento não se restringem ao campo econômico. Além de transferir habilidades, conhecimento e inovação, ampliam a diversidade e enriquecem a cultura dos locais de destino. O físico Albert Einstein, o criador da psicanálise Sigmund Freud e o cantor Gilberto Gil foram refugiados. A escritora Clarice Lispector migrou da Ucrânia para o Brasil.
    A ideia de que migrantes cometem crimes ou até mesmo atos terroristas com maior frequência que os “locais” também não tem embasamento empírico.  Nos Estados Unidos, o índice de crimes cometidos por imigrantes é significativamente inferior aos delitos praticados pelos americanos.  A maioria dos atentados terroristas na Europa é cometida por cidadãos dos próprios países do continente.
    As lideranças brasileiras precisam estar melhor informadas sobre as oportunidades econômicas, sociais e culturais geradas pela migração. Só assim serão capazes de implementar políticas eficazes de acolhimento. 
    Essa abordagem não seria exceção, mesmo em um mundo marcado pelo crescimento do nacionalismo. O Canadá, a Alemanha e Portugal, por exemplo, encontram na migração uma solução para o seu declínio demográfico e um respaldo para o crescimento econômico.
    As lideranças brasileiras precisam estar melhor informadas sobre as oportunidades econômicas, sociais e culturais geradas pela migração. Só assim serão capazes de implementar políticas eficazes de acolhimento.
    Condenar e denegrir a imagem dos migrantes nega a trajetória das Américas—não apenas a história dos EUA, mas a formação do Estado brasileiro, construído através de ondas migratórias ao longo de mais de meio milênio.
    Todos os brasileiros, com a exceção dos indígenas, são imigrantes ou descendentes destes. O discurso anti-imigração também negligencia a realidade dos brasileiros no exterior, muitos dos quais vivem de maneira irregular e são vulneráveis a uma série de abusos e explorações.
    É principalmente os migrantes em situação irregular que o Pacto Global para a Migração, rejeitado pelo Brasil, busca proteger. O acordo aprovado por mais de 160 Estados-membros da ONU reafirma o tratamento digno a migrantes, independentemente do seu status migratório.
    Ao invés de se afastar de discussões globais sobre o tema e contribuir para a criminalização da migração, o governo deveria fortalecer a atuação de seus consulados e embaixadas na garantia de assistência e proteção aos brasileiros no exterior.
    Ao mesmo tempo, o Brasil deve desenvolver um modelo de acolhimento que reflita o tratamento que se deseja a imigrantes brasileiros e que esteja de acordo com a história de um povo forjado na diversidade. Como a própria legislação migratória brasileira estabelece, migrantes não são vergonha, mas motivo de orgulho e sujeitos de direito.
    *Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.
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  • By Adriana Erthal AbdenurCoordenadora da Divisão de Paz e Segurança do Instituto Igarapé
  • Maiara FollyPesquisadora de Paz e Segurança Internacional, participa do Líderes Estuda
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