quarta-feira, 17 de abril de 2019

Conclusões da Conferência Internacional Sobre Tráfico de Seres Humanos


Apresentamos algumas considerações sobre a Conferência Internacional sobre tráfico de seres humanos, ocorrida em Roma, entre os dias 08 a 11 de abril de 2019, da qual tivemos a honra de participar. Neste artigo, trazemos algumas das conclusões da referida conferência encerada com uma audiência com o Papa Francisco que recebeu os/as participantes com um discurso profundo sobre a temática do tráfico humano em nível mundial.
O discurso do Papa Francisco aponta para o documento Orientações Pastorais sobre o Tráfico de Pessoas, publicado recentemente pelo Vaticano, que versa sobre os pactos migratórios celebrados entre os diversos países que lidam com as migrações na perspectiva de maiores entendimentos e práticas comuns de enfrentamento ao contrabando de migrantes e tráfico de pessoas. Infelizmente o Brasil está fora do Pacto Mundial das Migrações, mas, o debate sobre essa estratégia continua intenso e importante também para nós brasileiros/as uma vez que as migrações fazem parte do nosso contexto territorial e continuam desafiando nossas políticas migratórias.
Em seu discurso, o Papa Francisco agradeceu a todas as pessoas e instituições que atuam nas frentes de enfrentamento ao tráfico de seres humanos estreitamente vinculado ao acirramento às políticas anti-migratórias que restringem a circulação de migrantes regulares e abrem precedentes para a atuação das máfias especializadas no contrabando de migrantes e, por conseguinte, no tráfico de pessoas voltado para o aquecimento da Indústria Internacional do Sexo especializada na exploração sexual comercial, no tráfico de órgãos, nas adoções irregulares e no trabalho escravo, dentre outras modalidades de tráfico.
Destacamos alguns trechos do discurso do Papa Francisco que enfatizou, dentre outras questões, que o “tráfico, de fato, deturpa a humanidade da vítima, ofendendo a sua liberdade e dignidade, mas, ao mesmo tempo, desumaniza quem a pratica, negando-lhe o acesso à ‘vida em abundância’. O tráfico, por fim, fere gravemente a humanidade no seu conjunto, dilacerando a família humana e o Corpo de Cristo”. 
Considerado uma das formas mais perversas de violação aos direitos humanos, o tráfico humano no entendimento do Papa Francisco representa um grave “crime contra a humanidade” e uma “injustificável violação da liberdade e da dignidade das vítimas”, por isso deve ser corajosamente enfrentado em todas as sociedades. Nessa perspectiva, reconhece o trabalho anônimo de milhares de pessoas no mundo inteiro que se dedicam a identificar, prevenir e combater o tráfico humano desde as suas origens.
Para Francisco, são “dignas de admiração as iniciativas criadas para prevenir o tráfico, proteger os sobreviventes e perseguir os culpados. Um trabalho feito de forma arriscada e anônima”. Entretanto, o Papa alerta que “muito tem sido feito, mas muito ainda resta por fazer”, especialmente no que se refere às políticas públicas ou planos nacionais e internacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Enquanto crime organizado de forma transnacional, as rotas de tráfico humano têm aumentado no mundo inteiro e preocupam o pontífice que argumenta em seu discurso que “quem se mancha deste crime prejudica não somente os outros, mas também a si mesmo. Na relação que instauramos com os outros, está em jogo a nossa humanidade, aproximando-nos ou afastando-nos do modelo de ser humano desejado por Deus e revelado no Filho encarnado. Portanto, toda escolha contrária à realização do projeto de Deus é uma traição da nossa humanidade e renúncia à ‘vida em abundância’ oferecida por Jesus Cristo”.
As conclusões da conferência apontam para a necessidade de ampliar o trabalho em redes de prevenção e enfrentamento ao tráfico que precisa ser conhecido e debatido em toda sociedade e, de maneira especial, com os jovens nas nossas comunidades, grupos e movimentos sociais, escolas e em todos os espaços possíveis de reflexão.
As conclusões apontam ainda que a intensificação do tráfico humano em nível planetário revela uma grave denúncia de que caminhamos para um processo contínuo de coisificação dos seres humanos transformados em mera mercadoria que oferece lucro aos seus manuseadores. Ao mesmo tempo, escancara as desigualdades sociais que se acirram cada vez mais, transformando uma camada significativa da humanidade em lixo humano.  A esse respeito, o Papa Francisco afirma em seu discurso que “não podemos adorar um Pai e tratar o outro como lixo”.
Permanece o desafio de entender que o tráfico humano afeta toda a sociedade e por isso precisa ser enfrentado em todas as sociedades.

*Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.

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