terça-feira, 4 de setembro de 2018

Políticas migratórias nas propostas de presidenciáveis

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Na disparada das campanhas eleitorais para a Presidência da República, além da necessária formulação de programas de governo claros e realistas para o Brasil, os candidatos deveriam tomar seriamente em consideração o tema das políticas migratórias. Depois dos horrores presenciados em Paracaima, Roraima, contra venezuelanos ali refugiados, não seria de se esperar uma posição diferente por parte dos presidenciáveis, mesmo entre aqueles nada bem preparados ou assessorados.
Digo dessa forma, porque entre os moralmente obrigados a observar valores mínimos de convivência, desde humanidade, solidariedade e as conquistas constitucionais dos últimos 30 anos, e os que desavisadamente pedem o retorno da ditadura, o republicanismo e o respeito aos direitos humanos devem imperar em uma retomada brasileira. Nem seria pela lógica batida de que o país se construiu por imigrantes. Essa lição, tecnicamente, aprendemos nas escolas. Ao contrário, seria muito mais pela pergunta a ser feita: o que qualquer Estado, receptivo às migrações, poderia ganhar em termos históricos, políticos, sociais, económicos e culturais? Quais compromissos poderiam ser estabelecidos em benefício de uma nação plural e ambiciosa por contínuas transformações?Talvez a resposta não seja tão simples. O mundo hoje testemunha o descaso e formas de violência praticadas contra migrantes e, particularmente, contra aqueles que ganham o status de refugiados em certos Estados. Para se ter uma ideia, depois do fechamento das fronteiras de muitos países da Europa, nacionais e residentes na Síria, por exemplo, que sofrem internamente com uma das piores guerras civis do globo, não hesitam em implorar por alternativas de acolhimento na vizinha Turquia. O governo de Recep Erdogan, contudo, não dá sinais de entusiasmo por uma solução, particularmente por recrudescer suas ações politicas e relutar em negociar com a União Europeia.
No continente europeu, por sua vez, a ausência de políticas migratórias ou aquelas que deixam migrantes à sua própria sorte, a receber auxílio social mínimo do Estado, sem possibilidade de real integração, a exemplo de aulas de idiomas e aspectos culturais do país anfitrião e permissão de trabalho, levam à emergência de facções políticas anti-imigração e hostilidades contra os estrangeiros. O caso recente mais absurdo é o da Suécia. Reconhecidamente aberta aos migrantes, a sociedade sueca é confrontada com ataques ideológicos promovidos pelo Partido dos Democratas, de raízes neonazistas, cuja mensagem principal vocifera a sumária expulsão dos estrangeiros do território nacional. Para as próximas eleições de setembro, além das agendas ambiental e laboral, a disputa se volta para um escrutínio sobre a adoção ou não de drásticas medidas restritivas à admissão e manutenção de migrantes no país.
Em outros cantos da Europa, como Áustria, Itália, Eslovênia, Hungria e República Tcheca, essa assustadora forma de lidar com a migração já é realidade. A ascensão de partidos e coalizões de extrema direita nada liberal, mas absolutamente xenófoba, marca as transferências de agendas políticas em um bloco multinacional. No Reino Unido, após o vergonhoso referendo sobre o Brexit, nem mesmo os estrangeiros empregados e altamente qualificados ficaram imunes às mudanças comportamentais e institucionais dos órgãos migratórios, em linha com os espasmos patrióticos da primeira-ministra Theresa May. Todos já estavam a correr para procedimentos de obtenção de nacionalidade britânica enquanto uma solução de transição não fosse alcançada ou, na melhor hipótese, que decisão sobre o Brexit retornasse para a vontade do povo, na escudeira tradição parlamentarista. Escritórios de advocacia especializados já ofertam serviços de assessoria para os estrangeiros residentes e atingidos pelo Brexit.
Na Alemanha, passa Angela Merkel por todo tipo de constrangimento e pressões, vindas justamente de partidos de coalizão do próprio governo, e que postulam uma solução de recusa dos migrantes já registrados como refugiados em outros estados membros da União Europeia. Em outra via, os recentes protestos em Chemnitz, que alcançaram audiência de participantes neonazistas contra a presença de estrangeiros em virtude de suposto crime de assassinato cometido por dois jovens, um sírio e outro iraquiano, escancaram não apenas o radicalismo, mas também a negação de uma política humanitária pré-existente que havia resultado em fortalecimento da posição de Merkel entre os líderes europeus. Em 2015, a Alemanha havia decidido abrir suas fronteiras para solicitantes de refúgio, respondendo aos principais picos de influxos em curso para as fronteiras da União Europeia, particularmente envolvendo sírios, iraquianos, afegãos, líbios e os que emigram de países da África subsaariana, tais como somalis, nigerianos, eritreus, sudaneses e ganeses.
Segundo estatísticas recentes da União Europeia, dos 650 mil pedidos de ingresso registrados em 2017, a Alemanha contabilizava 31% relativos à primeira entrada no bloco (equivalentes a 198 mil), seguidos da Itália (20% ou 127 mil), França (14% ou 91 mil), Grécia (9% ou 57 mil), o Reino Unido (5% ou 33 mil) e Espanha (5% ou 30 mil). Ainda que houvesse diminuição de pedidos de refúgio em 8%, para o ano de 2017, comparado aos picos observados nos anos anteriores, entre 2015 e 2016, a tendência de recepção dos migrantes é considerável na Europa. Em dados globais, a Organização Mundial das Migrações relata que 67.122 migrantes e refugiados entraram no continente por via marítima neste ano (dados de 28 de agosto de 2018) com 27.994 para a Espanha, que se tornou o principal destino. Esse cenário se compara com 123.205 (172.362 para o ano todo) de ingresso em toda a região no mesmo período do ano de 2017 e 272.612 em 2016.
Nos Estados Unidos, retrocessos em política migratória deliberadamente estabelecidos por Donald Trump, a partir de iniciativas do Executivo, desde cedo não pouparam o mundo de doses de sensacionalismo e manifesta violação aos direitos humanos. As cenas chocantes de crianças separadas de seus pais e confinadas em gaiolas, em junho de 2018, simplesmente demonstram o que tem sido um denominador comum às comunidades de migrantes, refugiados e aqueles considerados “ilegais” ou sem residência regular em determinado Estado: a incidência de medidas forçadas de dispersão familiar e de violência psicológica, outros graves problemas a serem enfrentado por políticas migratórias. Os Estados Unidos, contudo, não representam qualquer bom exemplo de comparação com que o que vivencia a Europa. Aliás, é o pior deles. Desde há muito tempo, sobretudo com a formalização de contratação de mão de obra barata de trabalhadores estrangeiros considerados ilegais, impulsionada pela promulgação da ‘Immigration Reform and Control Act’ de 1986, sob a presidência de Ronald Reagan, o país veio adotando uma série de ações modulares nessa área. Em sucessivos governos posteriores, elas variaram entre a concessão de anistias, vistos de permanência temporária, ‘green cards’ e nacionalidade plena. Forjaram um considerável grupo de estadunidenses que hoje hostilizam os próprios conacionais estrangeiros e que constituem, inclusive, a base eleitoral de Donald Trump.
A lista de dificuldades postas, portanto, para esse campo tão crucial do direito e política internacionais, e mesmo das relações diplomáticas, parece ser extensa. No Brasil, apesar da vigência da nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), é enorme o descompasso entre as garantias ali previstas e a prática observada, ainda que a nova Lei pretenda afastar as sombras do Estatuto do Estrangeiro de 1980, promulgado na época da ditadura. O Estatuto encarava o estrangeiro como ameaça à segurança nacional, tratando-o como objeto (não sujeito) submetido a regime de autorização de entrada, permanência e saída do território nacional. A visão distinta de uma base constitucional para os direitos de estrangeiros no Brasil, todavia e para o bem, rivaliza com essa ideia tacanha, típica de bastidores palacianos, cartoriais e almoxarifados no país. A Constituição, em seu Art.5º, caput, prevê expressamente a assimilação ou igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil para a fruição e o exercício de direitos e garantias individuais, estendendo-a para diversos domínios das esferas pública e privada. Dessa forma, tão iguais são esses migrantes já em solo brasileiro quanto são os nacionais que podem se reunir, manifestar suas opiniões, (re)constituir famílias, encontrar moradia e condições dignas de trabalho, receber atendimento pelo Sistema Único de Saúde e acessar todas as instância da Justiça.
Como o ocorrido nas agressões em Paracaima, o grupo de brasileiros hostilizando e atacando as famílias de refugiados venezuelanos reforça estigmas de um país declaradamente desigual. Esqueceram-se da existência de princípios constitucionais e valores de humanidade, generalizando acusações aos venezuelanos: prática de alegados crimes, disseminação de doenças, saturação de serviços públicos e desabastecimento na região. O Brasil profundo que conhecemos não é diferente dessa realidade. Ele é de todo dia para boa parte da população excluída e marginalizada, acometida pelas chagas da desigualdade, do racismo e da violência contra minorias, e nada tem a ver com a simples presença aparentemente irritante de estrangeiros que aqui chegam para buscar condições mais dignas de sobrevivência. Na via reversa, por que então tão-somente admitir os qualificados profissionalmente, diretores de empresas, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, para os quais, na sutil condição de “expatriados”, a aclimatação cultural ao cordial brasileiro seria mais dócil ou palatável? Ou, no extremo, por que apenas festejar a horda de brasileiros com alto poder aquisitivo, que migram para países que lhe concedem nacionalidade por investimentos e sacramentam candidatos declaradamente apolíticos para reger nosso país?
O entusiástico caso de Portugal tem sido emblemático bem recentemente, mas o que os brasileiros emigrados “expatriados” se esquecem, contudo, é o fato de que a Europa embarcou há tempos em uma política duradoura de acolhimento, hoje sob assalto. Ela edificou-se por diferentes pilares, que foram desde a onda de reconstrução dos países europeus ocidentais no Pós Segunda Guerra, até as demandas de trabalho proporcionadas pela esteira da globalização econômica, financeira e tecnológica, ainda hoje em marcha e absolutamente irreversível. Esse sentido é justamente o das oportunidades e das transformações pelas quais um estado, região ou localidade podem sofrer rumo aos percursos do desenvolvimento e que se beneficiam daqueles grupos de pessoas que emigram por condições melhores de vida ou de sobrevivência, acima de tudo. Entre as razões dos ataques instilados às políticas migratórias não se encontram os descontentes e órfãos da globalização, como o senso comum poderia supor. Além de reações irracionais proporcionadas pela especulação, desconfiança e pelo ódio, podem ser enumeradas a crise na condução da democracia, a emergência de grupos de extrema-direita com bandeiras de autoverdade e a midiatização da política por plataformas que espetacularizam a violência e criam aparência de nacionalismo.
A hostilidade aparentemente instalada e exacerbada no Brasil, como negação de hospitalidade, é retrato duplo da completa ignorância e da ausência de politicas do Estado. Essa ausência, talvez deliberada, praticamente transmite sensações de total insegurança para moradores dos locais de recepção de migrantes forçados, como é o caso de venezuelanos em Roraima, e como foi em relação aos haitianos no Estado do Acre há alguns anos. Devendo conhecer a realidade do país, os presidenciáveis devem se comprometer com a implementação de políticas favoráveis à recepção e presença do migrante, não somente por acolhimento, humanidade ou solidariedade, mas por ser também o Brasil um país continental, de enormes oportunidades e rotas de transformação. E tantos são os caminhos possíveis.
De todos eles, a integração permanece como uma resposta apropriada e que pode ser testada por experiências comparadas, números e resultados. O fluxo de migrantes deve ser caracterizado pelo sentimento de organização, de tratamento humanitário e de alternativas para desenvolvimento regional, incluindo o crescimento econômico, redução da pobreza e geração de postos de trabalho formal. Os sentimentos de desordem e de abandono, como se evidenciam nas farpas trocadas entre governos federal e estadual, no caso Roraima, e mesmo na demanda submetida ao STF, certeiramente solucionada na Ação Civil Originária 3.121-RR, tendem a intensificar uma reação anti-imigração, totalmente indesejada, e, em grau simbólico, a xenofobia pelos rincões esquecidos e negligenciados. É bom relembrar que a própria Constituição, celebrando seus 30 anos, não tolera essa forma de agir ou de ver o mundo.



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