terça-feira, 18 de setembro de 2018

Sem dinheiro, imigrantes brasileiros estão a voltar para o Brasil com ajuda de um programa



Desde janeiro, 269 brasileiros que residiam em Portugal regressaram ao Brasil através do programa Árvore, da Organização Internacional de Migração. Procuravam uma vida melhor, mas não foi aqui que a encontraram e decidiram voltar 
Helder Sandro Lins, 46 anos, chegou a Portugal em março deste ano vindo de São Paulo. Não veio sozinho: trouxe consigo a mulher, Sueli, de 36 anos, e os dois filhos, de dois e 14 anos.
“Viemos na esperança de as coisas darem certo para nós aqui. Viemos com a intenção de ficar, mas as coisas não andaram do jeito que a gente imaginava no nosso planejamento”, conta Helder ao i. A história deste imigrante brasileiro assemelha-se à de tantos outros: ainda no Brasil, fez “contacto com uma pessoa em Portugal” que lhe prometeu trabalho e condições aliciantes. Mas quando chegou a Setúbal, a realidade pouco correspondia ao que lhe fora prometido. “Fui enganado. A pessoa não cumpriu com o combinado e não consegui contrato. No final, acabei sendo meio escravizado aqui. Vim para trabalhar como barbeiro numa barbearia, mas tenho três profissões: sou também eletricista e técnico eletrónico”, diz ao i.
Não foi só nesse capítulo, contudo, que a família encontrou obstáculos. Não conseguiram vaga para a filha no infantário, o que obrigou a mãe, Sueli, a ficar em casa, impedindo-a de trabalhar. Helder procurou trabalho noutras localidades, tendo mesmo ido “até Mafra”, mas não conseguiu nada que lhe garantisse estabilidade e suprisse as necessidades da família.
Perante as dificuldades, e com um ordenado que não chegava para pagar a renda, “muito alta”, “nem para pôr comida dentro de casa”, Helder e a mulher tomaram a decisão de regressar ao Brasil. Mas sem dinheiro nem mesmo para o básico, a família não tinha qualquer possibilidade de regressar pagando as viagens do seu bolso. Por isso, procurou a ajuda do Projeto Árvore - Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da Organização Internacional de Migração (OIM) para voltar para o Brasil.
Quando falou com o i, na última terça-feira, Helder estava a preparar-se para a viagem de regresso a São Paulo, marcada para o dia seguinte. E tal como quando chegou a Portugal, estava prestes a começar um novo capítulo. “Vou ter de correr atrás, começar do zero de novo. Mas a vida continua, não é?”

Ajuda para regressar a casa 
Há muito que Portugal é um destino predileto de brasileiros que emigram à procura de uma vida melhor. O mais recente “Relatório de Imigração, Fronteira e Asilo”, publicado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e relativo a 2017, mostra que residem no país 85 426 cidadãos brasileiros - “a principal comunidade estrangeira residente”, lê-se. De acordo com o mesmo documento, em 2017, a comunidade de brasileiros a viver em Portugal “aumentou 5,1% em relação a 2016”, tendo invertido a tendência de diminuição que vinha a verificar-se desde 2011.
Contudo, quando aqui chegam e se estabelecem, muitos brasileiros enfrentam dificuldades que acabam por não conseguir contornar e que os levam a querer regressar ao Brasil, onde pelo menos têm a rede familiar. “O desemprego ou uma situação laboral muito precária, dificuldades em regularizar a situação documental em Portugal e dificuldades económicas” são os principais motivos na base dessa vontade, como explica ao i Luís Carrasquinho, e são o ponto focal do Projeto Árvore - Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da OIM.
Helder e a sua família são apenas um dos casos de cidadãos brasileiros que recorreram ao Projeto Árvore da OIM para poderem regressar. Segundo dados avançados ao i pela entidade, desde janeiro de 2018, 269 cidadãos brasileiros já regressaram ao Brasil com o apoio do programa. Em 2017 regressaram 232, mais do que em 2016, quando regressaram 52 cidadãos brasileiros, e do que em 2015, ano em que 195 pessoas quiseram voltar.
De momento, cerca de 100 cidadãos brasileiros estão a aguardar resposta no âmbito do Programa, mas este é um número que “está em constante atualização” até porque, como explica o responsável ao i, “temos sempre pessoas a regressar, pessoas que desistem, etc.”. A maioria - 23% - são oriundos do estado de Minas Gerais, seguindo-se São Paulo (22%), Goiás (12%), Espírito Santo (9%) e Rio de Janeiro (8%).

Um programa para todos
Mas o programa não se destina apenas a ajudar os cidadãos brasileiros em situação vulnerável a voltarem ao seu país. Luís Carrasquinho esclarece que “o programa está aberto à participação de todos os nacionais de países terceiros”, à exceção de “cidadãos que sejam nacionais de países da EU e/ou que sejam familiares diretos de cidadãos da EU”, bem como de cidadãos que tenham “beneficiado do programa anteriormente”. Nos casos em que existam “processos legais pendentes referentes a essa pessoa”, podem colocar-se “limitações”. Fora isso, os cidadãos que procuram a ajuda do programa têm apenas de “aceitar as [suas] condições”.
Neste momento, além dos 100 cidadãos brasileiros, existem perto de 30 pessoas à espera de resposta do programa. Atrás da nacionalidade brasileira, os cidadãos que mais procuram este apoio são de origem cabo-verdiana, angolana, guineense, santomense, ucraniana e moldava.
Mas como funciona o processo? Luís Carrasquinho esclarece: “Depois de um primeiro contacto em que apresentamos (nós diretamente ou parceiros da rede de informação e aconselhamento) a opção de retorno voluntário assistido, o programa e as condições do mesmo, é agendada uma entrevista para registar o migrante no programa. São recolhidos dados biográficos - sobre o perfil migratório, necessidades após o regresso, etc. - e o processo é analisado por nós e pelo SEF.” Cumprindo o imigrante os critérios do programa, é depois agendada a viagem “sempre de comum acordo com a pessoa”. E, no dia da viagem, a OIM está presente para “assistir todos os beneficiários no aeroporto”.
Mas o programa pode também ajudar à reintegração da pessoa no país de origem. Como o responsável refere, “nesses casos, a situação é analisada também em função do que a pessoa pretende fazer, da sua capacidade de empreender o que se propõe fazer e se é ou não exequível dentro das condições que podemos oferecer. Os casos elegíveis podem receber um apoio até 2 mil euros e há um período de acompanhamento por parte da OIM e parceiros até seis meses”.
Sapo

www.miguelimigrante.blogspot.com

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