Dos mais de
600 deputados federais alemães, 37 têm ascendência estrangeira, assim como um
em cada dez eleitores. Entenda qual a importância desse grupo nas legislativas
do país.Quem possui cidadania alemã e tem no mínimo 18 anos, pode ajudar a
decidir, neste domingo (24/09), o próximo chanceler federal da Alemanha - não
importa se a família da pessoa é de Colônia, Cazaquistão, Turquia ou Polônia.
Uma em cada
dez pessoas com direito ao voto na Alemanha - e que também pode se candidatar a
eleições no país - tem origem estrangeira. Isso quer dizer que ela ou ele, ou
pelo menos um dos pais, nasceu sem direito ao passaporte alemão.
Desde que o
partido populista de direita AfD (Alternativa para a Alemanha) passou a se
concentrar intensamente no tema, os partidos e a imprensa alemã estão voltando
suas atenções para o maior grupo de pessoas de raízes estrangeiras com direito
ao voto no país: o dos descendentes de alemães nascidos no Leste Europeu,
conhecidos na Alemanha como Aussiedler.
Segundo
a pesquisa Mikrozensus 2016, realizada pelo Departamento Federal de
Estatísticas da Alemanha (Destatis), esse grupo soma 3,1 milhões de pessoas e
também inclui alemães e seus descendentes que viviam no Leste Europeu e nos
territórios da antiga União Soviética.
O
segundo maior grupo de eleitores com raízes estrangeiras é o dos alemães com
ascendência turca. O Destatis estima que sejam cerca de 730 mil pessoas aptas a
votar.
Participação
eleitoral reduzida
"Afinal,
como se vota?" Aydan Özoguz (SPD), comissária do governo federal alemão de
Migração, Refugiados e Integração, ouviu essa pergunta de forma recorrente. A
participação eleitoral de alemães com origem migratória estaria "até 20
pontos percentuais abaixo" da taxa da população de eleitores como um todo,
disse a política à DW. Özoguz incentiva o projeto "Vote D", que visa
a levar às urnas cidadãos que acabaram de obter a cidadania alemã, assim como
filhos maiores de idade de imigrantes.
Os pais de Özoguz são turcos, ela nasceu em Hamburgo.
Atualmente, a própria vice-presidente do Partido Social-Democrata faz campanha,
assim como Cemile Giousouf, comissária de Integração da bancada da CDU/CSU no
Parlamento alemão. Elas são duas entre 37 deputados federais com ascendência
estrangeira, de um total de 631 parlamentares.
No âmbito
do projeto Pathways, que compara oito países europeus, pesquisadores da cidade
de Bamberg situam a representação política de migrantes na Alemanha numa
posição mediana: "Os primeiros lugares são ocupados pelo Reino Unido e
pela Holanda; Itália e Espanha se situam nos últimos lugares", explica o
cientista político Lucas Geese.
Para o
pesquisador, apesar de a Alemanha não ser a última colocada, é um problema que
a metade dos cidadãos com origem migratória que vivem no país não possuam a
cidadania alemã. Ele acredita que haja uma "exclusão sistemática do
processo político de formação de opinião pública" dessa população. A
culpa, segundo Geese, é de um "modelo de cidadania extremamente rígido, se
comparado com outros países".
Ódio
racista
A
comissária de Integração do governo federal, Aydan Özoguz, acredita que o
debate sobre migração na Alemanha avançou, mas que ainda há muito a fazer.
"Como migrante, sou alvo fácil para representantes da direita e para
radicais de direita".
Özoguz
defende que haja mais parlamentares de origens diferentes e de mais orientações
religiosas na Alemanha: "Quando existem pessoas [no Parlamento] que são
afetadas, isso modifica o teor da discussão" - e talvez também a
percepção: a caixa da cantina do Parlamento alemão não queria acreditar que
Karamba Diaby (SPD), nascido no Senegal, é deputado federal.
Cemile
Giousouf deseja "que, em algum momento, a origem migratória não desempenhe
papel tão importante". "Na Alemanha, um país de imigrantes, este é um
tema fundamental." Em 2013, Giousouf se tornou a primeira deputada federal
da CDU com origem turca. Já o SPD, o Partido Verde e A Esquerda já tem mais
legisladores com ascendência estrangeira há mais tempo.
Preferência
pela esquerda
Com base
em pesquisas internacionais, o cientista político Andreas Wüst diz que
eleitores com origem migratória tem preferência por partidos da chamada
"esquerda política". As legendas seriam especialmente abertas a
membros com ascendência estrangeira e suas agendas políticas.
Já o
pesquisador Dennis Spies, de Colônia, afirma que migrantes sabem exatamente
quem de sua comunidade está representado no Bundestag. Para a eleição federal
alemã deste ano, Spies estuda para quem os eleitores migrantes dão seu voto e
por quê. Ele se dedica aos dois maiores grupos de eleitores com origem
migratória: os teuto-russos e os alemães de ascendência turca.
AfD e o
Leste Europeu
Dennis
Spies aponta que os teuto-russos - migrantes alemães e seus descendentes
originários dos países criados após o fim da União Soviética - são uma peculiaridade
alemã. Desde seu primeiro dia na Alemanha, explica o pesquisador, eles são
considerados alemães e podem votar.
O
ex-chanceler alemão Helmut Kohl, morto em junho deste ano e conhecido por sua
atuação na reunificação alemã, se empenhou para que os teuto-russos fossem
reconhecidos após o fim da União Soviética. O grupo ficou agradecido à CDU de
Kohl e, durante muito tempo, foram considerados eleitores fieis. Porém, desde a
acolhida de estrangeiros durante a crise de refugiados em 2015-2016, muitos desses
eleitores se distanciaram do partido. "Os ciúmes têm influência aí",
constatou Spies, em entrevista à DW.
Nas
eleições dos parlamentos regionais, a AfD marcou pontos em circunscrições onde
vivem muitos teuto-russos. Dennis Spies explica que "a AfD tem um programa
eleitoral em russo, um grupo de teuto-russos, placas em russo e fala
diretamente aos teuto-russos". Nenhum outro partido se dedicaria tanto aos
teuto-russos, diz Spies.
O estudo
do Conselho de Especialistas de Fundações Alemãs para Integração e Migração
(SVR) contou uma preferência de 45,2% dos teuto-russos pela dobradinha CDU/CSU
- uma taxa bem menor que a registrada em pesquisas anteriores.
Alemães
de origem turca
Em 1994,
quando Cem Özdemir entrou para o Parlamento alemão, um cidadão se queixou junto
ao governo: "Desde quando um turco pode sentar aí em cima?", indagou,
durante discurso do então chanceler conservador Helmut Kohl.
Uma
política do SPD e o "suábio da Anatólia", Özdemir, foram os primeiros
alemães de ascendência turca no Parlamento alemão. Hoje, 11 parlamentares são
de origem turca - nenhum grupo de migrantes tem representação maior no
Bundestag.
Segundo
o estudo do SVR, os alemães de origem turca costumam se identificar com o
Partido Social-Democrata. Quase 70% são eleitores do SPD, segundo os números da
pesquisa, que seriam consequência da época dos chamados "trabalhadores
convidados".
Para
Aydan Özoguz, no âmbito do acordo de trazer para a Alemanha mão de obra turca
nos anos 1960, trabalhador significava sindicato e, por consequência, SPD. O
partido defendia a introdução da dupla cidadania e os direitos dos migrantes,
linha mais tarde também seguida pelo Partido Verde e pela legenda A Esquerda.
Diferentes
imigrantes
O
cientista político Dennis Spies afirma que "o poder político dos migrantes
[na Alemanha] é reduzido. O grupo cresce, mas é fortemente dividido".
Cerca de um terço dos eleitores com origem russa vem da Ucrânia, um grupo menor
do Cazaquistão e a maioria da própria Rússia. "Se você perguntar a eles o
que eles acham de Putin, metade vai dizer que o ama e a outra metade, que o
odeia. Isso também vale para [o presidente turco] Erdogan e eleitores com
raízes turcas", explica Spies.
"Não
existe 'O' eleitor migrante. Por que alguém que vem da Ucrânia e que vive na
Alemanha há 20 anos teria a mesma preferência política que alguém que mudou
para cá vindo do sudeste da Turquia? Por que essas pessoas devem ser
comparáveis a migrantes que vieram para a Alemanha da Itália nos anos
1950?", indaga o estudioso.
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