Toda vez que uma grande manifestação contra o impeachment de Dilma
Rousseff é convocada, circulam na internet avisos atribuídos à Polícia Federal
segundo os quais todo estrangeiro que participar de protestos políticos no
Brasil pode ser deportado.
Além dos memes, a própria Fenapef (Federação Nacional dos Policias
Federais) chegou a advertir, por meio de nota oficial publicada
no dia 16 de abril, que “estrangeiros que participarem de atos políticos podem
ser detidos e expulsos do país”. A Federação representa os trabalhadores do
setor, mas não é um órgão de Estado.
Como a informação circula fora de contexto, acaba levantando dúvidas
sobre sua veracidade e contribuindo para um clima de criminalização dos
direitos políticos dos estrangeiros. A proibição existe, de fato, mas o
procurador regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República
em Minas Gerais, Edmundo Antônio Dias Netto Jr., disse ao Nexo que
ela se choca com a própria Constituição Federal.
Qual lei é ‘mais
forte’#
A norma que veda o direito de exercer atividade política aos cidadãos
que não sejam brasileiros está contida explicitamente no Estatuto do
Estrangeiro. Ela diz o seguinte:
“O estrangeiro
admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza
política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do
Brasil, sendo-lhe especialmente vedado: (...) organizar desfiles,
passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar”
Artigo 107 da Lei 6.815/1980, conhecida como Estatuto do Estrangeiro
Embora a norma exista, ela é “incompatível” com a Constituição, segundo o
procurador. O texto constitucional - lei máxima do país - diz, em seu artigo 5º
que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País (...)” uma
série de direitos, entre eles “a manifestação do pensamento” e a
“liberdade de associação”, além da liberdade sindical e o direito de reunião.
Estes são os argumentos do procurador de Minas:
“O Estatuto do
Estrangeiro foi editado no regime militar e guarda incompatibilidade com o
estado democrático de direito instituído pela Constituição Federal de 1988”
Edmundo Antônio Dias Netto Jr
Procurador regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da
República em Minas Gerais
O caso da
professora italiana#
A partir de uma denúncia anônima, a Polícia Federal abriu inquérito no
dia 3 de março contra a italiana Maria Rosario Barbato, residente no Brasil há
oito anos e professora na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais. Ela foi denunciada por participar de “atividades partidárias e
sindicais” e intimada a depôr.
Edmundo, como procurador da República, entrou com um pedido na Justiça para
impedir o prosseguimento do inquérito da Polícia Federal, o que ainda não foi
decidido pelo juiz responsável pelo caso.
Ao Nexo o procurador explicou que as disposições que
vedam ao estrangeiro o direito de participar de manifestações se chocam não
apenas com dispositivos constitucionais, mas também com documentos internacionais,
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa
Rica.
Isso acontece, segundo ele, porque a lei que trata de estrangeiros no
Brasil foi feita durante a ditadura militar. “Quando falamos numa legislação
anterior à Constituição, falamos que esses artigos não foram recepcionados pela
Constituição. Não dizemos que eles sejam inconstitucionais”, explica.
A Constituição trata com igualdade os direitos de brasileiros e de
estrangeiros residentes no Brasil, em relação à liberdade de manifestação,
liberdade sindical e direito de reunião pacífica, embora o Estatuto do
Estrangeiro proíba o exercício de atividades políticas.
Parlamentares
propõem mudanças#
Para acabar com essas incompatibilidades, o PL 5293/2016, de autoria
do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), propõe criar o Conselho Nacional de
Imigração e atualizar o atual estatuto.
Na justificativa do PL, o deputado diz que os estrangeiros “participam,
sim, de sindicatos, organizações não governamentais, partidos políticos,
grêmios estudantis e outros movimentos sociais, e não há nada de ruim, perigoso
ou condenável nisso”.
Ele considera que “não há motivos, em tempos de paz e sem qualquer
ameaça à segurança nacional que assim o justifique, para estabelecer punições
ou proibições para que qualquer estrangeiro de visita no país participe de
qualquer manifestação, reunião, passeata, conferência, ato ou atividade
política ou social pacífica e expresse livremente suas ideias”.
Além dele, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) também apresentou
o PL 2516/2015, que
institui uma nova lei de imigração no Brasil. O texto diz que “ao imigrante é
garantida, em condição de igualdade com os nacionais (...) direito de reunião
para fins pacíficos; direito de associação, inclusive sindical, para fins
lícitos”.
Nexo
www.miguelimigrante.blogspot.com
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