As notícias sobre os desaparecidos no Mediterrâneo são cada vez mais alarmantes. Não só por causa de uma das últimas e piores tragédias, a que ocorreu em junho, perto de Pylos, na Grécia, em que uma barcaça afundou e pelo menos 600 imigrantes morreram. Agora, o Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância - informou números terríveis sobre o desaparecimento de crianças no mar. Pelo menos 11 meninos e meninas morrem, a cada semana, ao tentar atravessar o mar que separa a África da Europa.
A reportagem é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 15-07-2023. A tradução é do Cepat.
Em 2023, calcula-se que ao menos 289 crianças morreram afogadas, de um total aproximado de 11.600 que tentaram escapar de situações dramáticas em seus países. Contudo, os números são aproximados porque nem sempre é possível recuperar os restos mortais de todos os que se afogaram no mar. Boa parte dessas crianças viajava sozinha ou separada dos pais, disse um comunicado do Unicef.
Isto tendo presente que, entre janeiro e 9 de julho de 2023, 90.605 pessoas chegaram à Europa via mar, a maioria (69.599) pela rota do Mediterrâneo Central, ou seja, da Líbia ou da Tunísia para a Itália, segundo dados do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados).
O Mediterrâneo é um cemitério
Outro dado divulgado pelo Unicef é que se estima que, desde 2018, cerca de 1.500 meninos e meninas morreram ou desapareceram ao tentar atravessar o Mediterrâneo Central. Mas, agora, também existem outras rotas que os traficantes utilizam, como demonstraram as recentes tragédias de migrantes afogados em Pylos e nas Ilhas Canárias espanholas que estão no Atlântico, perto de Marrocos.
Trata-se de crianças e adultos que fogem de seus países por causa de perseguições, guerras e pobreza, pagando valores que às vezes ultrapassam 1.500 euros aos traficantes de pessoas que os amontoam em barcaças inseguras e os abandonam em um determinado ponto do mar. Muitas vezes, as barcaças afundam por motivos climáticos ou simplesmente porque estavam muito cheias e em péssimas condições.
Navios de organizações internacionais como Open Arms, Geo Barents e Humanity 1 salvaram milhares de migrantes no mar. Também a Guarda Costeira Italiana, embora com limites impostos pelo governo. No entanto, isso não é suficiente para acabar com o problema.
A segurança a ser garantida
“Em uma tentativa de encontrar segurança, reunir-se com a família e buscar um futuro mais esperançoso, um grande número de meninos e meninas embarca nas margens do Mediterrâneo só para perder a vida ou desaparecer no caminho”, declarou Catherine Russell, diretora executiva do Unicef. E acrescentou que “este é um sinal claro de que mais medidas devem ser tomadas para estabelecer vias seguras e legais para o acesso de meninos e meninas aos serviços de asilo, ao mesmo tempo em que sejam reforçadas as operações para resgatar vidas no mar. Em última instância, é preciso fazer muito mais para abordar as causas profundas que forçam as crianças a arriscarem suas vidas em primeiro lugar”.
O Unicef calcula que, desde janeiro de 2023, 11.600 meninos e meninas (uma média de 428 por semana) chegaram à costa da Itália. Isso é mais que o dobro dos números de 2022. A maioria parte da Líbia e da Tunísia, onde está grande parte dos traficantes. Contudo, para chegar lá, muitos tiveram que pagar a outros traficantes para trazê-los em caminhões dos países subsaarianos onde viviam.
O Unicef também especificou que, nos três primeiros meses de 2023, cerca de 3.300 crianças foram registradas na chegada à Europa. E não estavam acompanhadas de nenhum familiar, o que complica ainda mais a situação das crianças durante as viagens. Especialmente, as meninas podem sofrer violências de todos os tipos. E a isso se soma “a escassez de meios que possuem para se deslocarem com segurança, a falta de acesso à proteção nos países por onde transitam e a insuficiência e lentidão das operações de busca e resgate”, apontou o Unicef.
O que é possível fazer
O Unicef pede aos governos, em relação às obrigações derivadas do direito internacional e da Convenção sobre os Direitos da Criança, que protejam as crianças que chegam como migrantes fugindo de perigos e em busca de uma vida melhor.
O organismo propõe que os governos ofereçam “vias seguras e legais para que os meninos e as meninas emigrem e solicitem asilo, incluindo a ampliação dos casos de reunificação familiar”. E que “se reforce a coordenação das operações de salvamento no mar, gerindo um rápido desembarque em locais seguros”.
O desembarque dos migrantes em “lugares seguros” tem sido um assunto muito discutido na Itália, que há alguns anos bloqueou alguns navios de organizações humanitárias que tentavam ajudar e pagou certas quantias à Guarda Costeira da Líbia para devolver os migrantes detectados no mar à terra.
No entanto, algumas organizações internacionais puderam verificar que as pessoas que eram devolvidas à Líbia, depois, eram fechadas em espécies de prisões ou campos de concentração, onde eram submetidas a todos os tipos de violência e trabalhos forçados, e seus familiares nos países de origem eram chamados para que pagassem mais dinheiro aos traficantes, caso quisessem salvá-las.
Um pacto europeu de imigração
O Unicef também pede aos governos que reforcem os sistemas nacionais de proteção à infância para evitar explorações e violências contra as crianças, que tenham a possibilidade de serem informadas sobre os perigos da travessia marítima e que aquelas que chegarem a outros países tenham acesso à saúde e aprendizagem, sejam elas refugiadas ou migrantes.
Por último, o Unicef destacou um tema que está provocando um longo debate no Parlamento Europeu e que ainda não foi aprovado: o Pacto da União Europeia sobre Migração e Asilo. O Unicef solicita que tudo o que for necessário para as crianças migrantes também seja incluído nesse Pacto. E sobre isso teremos que esperar, pois existe uma duríssima oposição dos governos de extrema direita da Polônia e da Hungria.
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