segunda-feira, 31 de julho de 2023

ONG faz de central telefônica pilar na ajuda a refugiados em perigo no Mediterrâneo

 

Memorial em praia perto da comuna italiana de Cutro, com o mar Mediterrâneo ao fundo, em homenagem a pelo menos 72 migrantes mortos em naufrágio – Tiziana Fabi – 9.mar.23/AFP

Foi depois de naufrágios no final de 2013 que surgiu o Alarm Phone, central de atendimentos que ajuda, por telefone, refugiados e imigrantes durante travessias clandestinas pelo Mediterrâneo rumo à Europa. Em outubro daquele ano, duas embarcações saídas do norte da África afundaram perto da ilha italiana de Lampedusa, deixando cerca de 400 mortos, muitos dos quais da Eritreia e da Síria. Governos e instituições prometeram soluções, mas, como se sabe, a crise migratória permanece, assim como as tragédias.

Um ano mais tarde, o Alarm Phone entrava em atividade, inspirado pelo padre eritreu Mussie Zerai, cujo número de telefone havia virado uma referência a imigrantes que fugiam de conflitos e da pobreza em seus países. Após receber ligações de grupos em risco em alto-mar, alertava guardas costeiras e ONGs.

“A operação começou para formalizar esse arranjo, com uma central telefônica para pessoas em perigo e para documentar o que está acontecendo no Mediterrâneo. É uma tentativa de garantir que as pessoas não sejam abandonadas à morte”, diz à Folha Jacob Berkson, um dos voluntários que recebe ligações.

O registro dos pedidos de socorro, publicados quase em tempo real nas redes sociais, e o aviso a órgãos oficiais da União Europeia (UE) e de países membros atraíram atenção nas últimas semanas, devido à atuação do Alarm Phone no naufrágio mais trágico dos últimos anos, em junho, em águas gregas.

A ONG recebeu pedidos de ajuda horas antes de o barco afundar e os enviou por email, com a localização, às autoridades gregas e à agência da UE para fronteiras externas. A embarcação, porém, não foi socorrida a tempo: 82 corpos foram encontrados, e 104 pessoas, resgatadas. Cerca de 500 desapareceram no mar.

A entidade expôs a cronologia das ligações recebidas e das mensagens enviadas e, em nota, cobrou as autoridades. “Eles falharam porque o desejo de impedir chegadas era mais forte do que a necessidade de resgatar centenas de vidas.” Inicialmente, a Guarda Costeira grega alegou que o barco não aceitou ser resgatado porque pretendia chegar à Itália, mas o jornal The Guardian revelou que houve tentativa do órgão grego de rebocar o barco para fora de suas águas. Para Berkson, o desfecho do episódio é fruto do endurecimento das políticas de fronteira do bloco. “Se a Europa quer impedir pessoas de exercerem seus direitos de movimento em busca de mais segurança, veremos esse tipo de tragédia.”

Em 2014, quando o Alarm Phone foi lançado, os desembarques irregulares na UE pelo Mediterrâneo somaram 228,7 mil, segundo o Conselho Europeu. Naquela época, as travessias estavam em alta devido a múltiplas crises na África e no Oriente Médio, consequência da Primavera Árabe e da guerra civil na Síria.

A onda migratória rumo à Europa atingiria o ápice no ano seguinte, com mais de 1 milhão de chegadas pelo Mediterrâneo, a maioria vinda pela rota oriental, utilizada para chegar à Grécia, ao Chipre e à Bulgária. Os casos de barcos em risco acompanhados pelo Alarm Phone saltaram, em um ano, de 10 para 1.239.

Berkson, que mora no Reino Unido, é um dos 300 voluntários ativos que se revezam em funções de organização e atendimento. Os integrantes da ONG, criada por ativistas de entidades que já atuavam nas fronteiras externas da Europa, como a Watch The Med, espalham-se por países europeus, pelo norte e oeste africano e pela Turquia. O telefone de atendimento é francês, e as equipes se organizam em quatro turnos, com duas a quatro pessoas em cada período, numa operação sustentada por doações.

“Ligações feitas diretamente dos barcos chegam, na maioria das vezes, pela manhã. As pessoas costumam partir durante a noite e entrar em perigo durante a madrugada. Já as chamadas de parentes que perderam contato com os barcos acontecem mais no fim do dia”, conta o voluntário.

Em geral, diz Berkson, os imigrantes ligam quando ficam sem combustível e à deriva ou quando as ondas sobem muito e o barco começa a encher de água. Também é comum pedirem ajuda quando viajantes apresentam problemas de saúde. “Na verdade, todos os barcos estão em risco pois partem superlotados.”

Quem atende uma ligação tenta estabelecer confiança para entender a situação a bordo, pontos de partida e destino, número de pessoas e a informação mais importante –a localização. Aí os serviços de resgate de países próximos são comunicados, e o caso é relatado no perfil do Alarm Phone no Twitter.

O fluxo atual continua a subir, após queda contínua de 2016 a 2020. No ano passado, o Alarm Phone acompanhou 1.324 casos, o recorde desde sua criação. Agora, até a metade deste mês, já foram cerca de mil barcos —neste ano, a entidade recebeu quase o mesmo número de casos do que o total de 2022.

jornaldebrasilia.com.br

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