segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Jornalista português lembra da importância do rádio durante crise em Timor-Leste

 Português Miguel Caldeira, que esteve à frente das transmissões de rádio no Timor-Leste

ONU News
 
Português Miguel Caldeira, que esteve à frente das transmissões de rádio no Timor-Leste
13 Fevereiro 2023Paz e segurança

Miguel Caldeira trabalhou na programação da emissora durante anos de instabilidade no país de língua portuguesa; profissional lembra que a rádio ajudava famílias deslocadas a decidir o momento de voltar para casa e ainda popularizou a língua portuguesa.

As Nações Unidas marcam neste 13 de fevereiro o Dia Mundial do Rádio. Este ano, a data celebra a importância do veículo em situações de conflito, comemorando também os 75 anos das Missões de Paz da ONU.

A ONU News conversou com o português Miguel Caldeira, que esteve à frente das transmissões de rádio no Timor-Leste durante anos de instabilidade política na nação do sudeste asiático.

Em 2002, Timor-Leste tornou-se o último território não autónomo a concluir o seu processo de descolonização.
ONU
 
Em 2002, Timor-Leste tornou-se o último território não autónomo a concluir o seu processo de descolonização.

Rádio como único meio de comunicação

Ele relata que o noticiário era uma das únicas formas de levar informações à população e lembra que, com a falta de recursos, os programas dependiam de voluntários e “muita coragem” para irem ao ar.

“A rádio era sem dúvida o principal informador. As pessoas, sobretudo que viviam longe da capital ou das duas principais cidades, só recebiam notícias através da rádio. As notícias chegavam a conta gotas, porque embora houvesse uma rádio de comunidade, em cada um dos distritos de Timor, não havia muitas vezes eletricidade e os voluntários que trabalhavam nas diferentes rádios não tinham total disponibilidade para informar. Muitas vezes, eles próprios também não tinham acesso a essa informação, mas quando tinham, era com muita coragem e muita dedicação que se deslocavam até estas casas. Eu lembro que num dos distritos, a rádio parava na casa de banho, tinham uma mesa de mistura por cima da retrete e era lá que se fazia, sem qualquer vergonha.”

As Nações Unidas atuaram no Timor-Leste de 1996 até 2012. Até 2002, a organização apoiou a transição para independência e eleições no país. No entanto, o país ainda sofreu com instabilidade política e crises humanitárias, estendendo o mandato da missão por mais uma década.

Secretário-geral Kofi Annan (à esquerda) a chegar a Dili, Timor-Leste, é saudado pelo líder da independência Kay Rala Xanana Gusmão. À direita está Sergio Vieira De Mello, que foi o líder da transição. Encontro aconteceu em 17 de fevereiro de 2000
UN Photo/Eskinder Debebe
 
Secretário-geral Kofi Annan (à esquerda) a chegar a Dili, Timor-Leste, é saudado pelo líder da independência Kay Rala Xanana Gusmão. À direita está Sergio Vieira De Mello, que foi o líder da transição. Encontro aconteceu em 17 de fevereiro de 2000

Crise social e política

Miguel Caldeira contou à ONU News suas memórias de quando esteve no país em 2006, em meio a uma crise política e social pela qual o Timor-Leste passava.

Em visita a um campo de deslocados, onde viviam cerca de 100 mil pessoas, ele pode observar a importância do rádio não só para levar notícias, mas também para que as pessoas pudessem saber quando era seguro voltar para casa.

“O rádio acabava por ser, mais uma vez, essa única fonte de informação. O governo usava e nós fazíamos programas de rádio para mostrar às populações como é que estava a situação em casa, se era ou não seguro regressar e para dar opções. Muitas destas pessoas e famílias não tinham nada, tinham a roupa que tinha no corpo e pouco mais. O governo disponibilizava material de construção, por exemplo, e de transporte, para as famílias regressarem a casa. Muitas destas pessoas tinham esses pequenos rádios nas tendas para ouvir e aqueles que não tinham rádio, nós pusemos altifalantes nos carros e íamos até aos campos e as pessoas sentavam se à volta, e mais uma vez, através do áudio, conseguia perceber quais eram as opções e muitas dessas famílias acabaram por regressar a casa. Enfim, graças à rádio”.

Língua portuguesa em Timor-Leste

Segundo o jornalista, o rádio também foi um importante meio para a popularização da língua portuguesa em Timor-Leste.

“Timor-Leste é um país com duas línguas oficiais. Também o indonésio é muito falado, mas o tétum e o português acabam por ser as línguas oficiais do país. E o programa, um dos programas que criamos, significava ‘reconciliação’. Esse programa e esses programas de rádio que começaram em tétum, percebemos que era importante também começar a promover conteúdo em português e criamos uma relação tanto para a televisão como para a rádio, de falantes de português, jovens que não eram jornalistas, mas que conheciam e tinham muito interesse na língua. Foram eles que começaram a desenvolver conteúdos em português para que as populações pudessem, muitas delas, reconciliar-se umas com as outras depois destes, destas convulsões que sociais e políticas que aconteceram no país”.

O Timor-Leste tem o tétum e o português como línguas oficiais. Durante a última Assembleia Geral, o presidente do país asiático, José Ramos Horta, afirmou à ONU News que até 2030, metade da população deve falar português.

Segundo ele, no começo dos anos 2000, apenas 1% da população era lusófona. Atualmente, o governo acredita esse número já chegue a 40%.

Caldeira explica que o tétum é uma língua majoritariamente falada e com algumas variantes. Embora ele domine o idioma, o jornalista revelou que quando não sabia alguma palavra, trocava pelo português e todos eram capazes de entender.

Informação para população em deslocamento

Sobre a data, a chefe de comunicações estratégicas do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas, Francesca Mold, afirmou que as redes de rádio operadas nas missões são vitais para atingir comunidades diversificadas e de grande escala, especialmente em locais onde a penetração da Internet é fraca e a população é muito móvel devido a conflitos e deslocamentos.

Em mensagem, ela deixou seu agradecimento aos que trabalham em estações de rádio de manutenção da paz, em situações difíceis e às vezes perigosas, pelo imenso esforço para ajudar a proteger as comunidades e construir a paz.

Francesca Mold também reconheceu o trabalho das demais emissoras, especialmente às redes independentes que ajudam a compartilhar informações baseadas em fatos e a dissipar a desinformação.

Ela afirma que essas plataformas promovem o diálogo inclusivo, abordam questões de interesse para as populações locais e espalham mensagens de paz.


Onunews

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