Afegãos fazem trilha por 11 países para chegar aos EUA
A jornada começa com um visto humanitário para o Brasil: uma das poucas rotas de saída restantes para os afegãos que fogem do domínio do Talibã. E termina, após uma longa e perigosa trilha que passa por pelo menos 11 países, escalando um muro na fronteira e pulando em solo norte-americano.
Mais de um ano após a caótica retirada dos Estados Unidos do Afeganistão, o número de afegãos que chegam à fronteira dos EUA com o México em busca de asilo disparou, com centenas de pessoas todos os meses arriscando uma rota de contrabando humano conhecida por sequestros, roubo e assalto. Mesmo assim, as pessoas enfrentam incertezas sobre se conseguirão encontrar refúgio permanente no território norte-americano.
Em resposta às perguntas da Reuters sobre o número crescente de afegãos que viajam por terra pela América Latina, o Departamento de Estado dos EUA disse que tentou acelerar o processamento de vistos e ofereceu apoio aos governos para evitar a “imigração irregular”.
Nahida Nabizada, graduada em ciência da computação, decidiu tentar chegar aos Estados Unidos pelo Brasil. Uma vez no Brasil, Nahida descobriu que estava grávida depois de sofrer um aborto espontâneo anterior. Ficar para trás enquanto seu marido, Jamshid, tentava chegar aos EUA sozinho poderia significar anos de separação.
Então, ela decidiu fazer a perigosa jornada pelo Estreito de Darién, uma densa selva entre a Colômbia e o Panamá que só pode ser atravessada a pé.
“Nossos maiores problemas foram nas selvas do Panamá”, disse Jamshid Nabizada à Reuters. “Quando chegamos lá, no primeiro dia, estávamos cheios de energia, não havia muitos problemas. No segundo dia enfrentamos a fome, não havia água."
O guia local que eles contrataram por US$ 150 (R$ 770) os deixou no primeiro dia no meio de uma caminhada de 12 horas, disse Jamshid. Na terceira noite, um rio transbordou e levou consigo comida, lanterna, colchões e outros pertences. Em seguida, ladrões armados com facas roubaram US$ 200 (R$ 1030) em dinheiro do afegão.
Quando emergiram da selva, foram recebidos por soldados panamenhos que rotineiramente levam os migrantes para os acampamentos e lhes fornecem comida, água e roupas. O governo do Panamá afirma que é “o único país que oferece atendimento a todos os migrantes que entram no país por Darién, para que continuem seu caminho para a América do Norte”.
A caminho do norte pela América Central, o casal pegou um ônibus para a Costa Rica em direção ao México.
Fazal Khalili, 25, gravou um vídeo de sua jornada, que forneceu à Reuters, mas não quis ser entrevistado diante das câmeras. Ele também fez a viagem terrestre começando no Brasil.
Em dezembro, Khalili e sua família estavam amontoados sob a parede de ripas de aço de 5,5 metros que separava Tijuana de San Diego. Um a um, os imigrantes subiram em uma escada fornecida por contrabandistas e pularam para os Estados Unidos.
Agentes de fronteira levaram o grupo para um centro de detenção, disse Khalili, e cerca de 36 horas depois, ele foi liberado para os Estados Unidos com uma notificação para comparecer ao tribunal de imigração. O governo dos EUA disse que não poderia comentar casos individuais.
Ilyas Osmani, 25, também disse à Reuters que escalou a cerca da fronteira depois de sua longa jornada do Afeganistão.
“Subimos a escada e chegamos à terra dos Estados Unidos entre as duas paredes”, disse ele. “Passamos uma noite lá e a polícia dos EUA veio e a patrulha da fronteira, eles vieram e nos deram um pouco de água e cobertores para passarmos a noite lá e amanhã conversarão conosco.”
Osmani desembarcou em São Paulo, em 2 de outubro de 2022, após mais de 30 horas em trânsito vindo do Irã. Um ativista que falou sobre os direitos das mulheres várias vezes na televisão afegã, Osmani disse temer estar em risco sob o Talibã por causa de sua defesa e seu trabalho como gerente geral de uma empresa de logística que era subcontratada pelas forças armadas dos EUA.
O governo do Talibã não respondeu aos pedidos de comentários sobre o êxodo crescente pela América do Sul, mas disse que o Afeganistão é o “lar de todos os afegãos” e que aqueles que partiram podem voltar. Eles também disseram que respeitam os direitos das mulheres de acordo com sua interpretação da lei islâmica e da cultura afegã.
Osmani ganhou uma loteria de imigração dos EUA em 2020, permitindo que ele solicitasse vistos de “diversidade”, projetados para cidadãos de países com baixas taxas de imigração para os Estados Unidos. Mas as precauções durante a pandemia de covid-19 atrasaram o processamento do visto e a embaixada norte-americana no Afeganistão fechou quando a cidade caiu nas mãos do Talibã.
Depois de passar um curto período no Brasil, Osmani disse que decidiu rumar para o norte, para os Estados Unidos.
Atualmente, ele mora em um apartamento compartilhado em San Diego. Em meados de janeiro, ele viajou para São Francisco para uma audiência no tribunal de imigração. Quando ele chegou ao tribunal, foi informado de que seu caso não estava no sistema.
"É bom para mim quando penso que agora estou nos Estados Unidos. Mas espero obter os documentos o mais rápido possível, isso me deixará com a mente segura e uma vida feliz", disse Osmani .
Vários defensores dos refugiados e ex-funcionários norte-americanos disseram que o número crescente de afegãos tentando a rota pela América Latina reflete uma falha tanto em lidar com a crise humanitária dentro do Afeganistão quanto em fornecer apoio adequado para aqueles que partem.
Cerca de 88.500 afegãos foram reassentados nos Estados Unidos, com a maioria chegando na época da retirada militar norte-americana em agosto de 2021, de acordo com o Departamento de Segurança Interna (DHS) dos EUA. Mas milhares mais querem sair do país.
Alguns afegãos, incluindo aqueles que não têm pedidos de visto pendentes, tentaram se inscrever do exterior para entrar nos Estados Unidos em caráter de emergência. Dos cerca de 51.000 pedidos de afegãos desde a tomada do Talibã, cerca de 600 foram aprovados, disse o DHS.
g1.globo.com
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