quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Pobreza e violência provocam aumento da imigração irregular para a União Europeia


Crianças migrantes na fronteira entre a Bielorrússia e a Polônia Foto: MAXIM GUCHEK / AFP

Depois de um incomum período de diminuição, o afluxo de imigrantes que entram na União Europeia em situação irregular se reaqueceu, aproximando-se dos níveis registrados após a crise de 2015, que virou o continente de cabeça para baixo. De acordo com as estatísticas da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) divulgadas na semana passada, em 2021, 196 mil migrantes irregulares entraram em território europeu, perto dos 204 mil de 2017. É cedo para saber se este aumento anuncia uma nova onda de chegadas, e, ainda mais, se as ondas migratórias podem se aproximar dos níveis de 2015, quando 1,8 milhão de pessoas ingressaram em terras europeias segundo a Frontex.

O que os especialistas concordam é que a pressão migratória vai aumentar nos próximos anos, em uma tendência que decorre do aumento da desigualdade após a pandemia, da eclosão de novos conflitos e do recrudescimento de outros e do aquecimento global. A vinda de imigrantes irregulares apresenta um desafio de grandes dimensões, e a falta de uma resposta comum da UE torna a gestão da situação ainda mais difícil.

As entradas para a Europa aumentaram 57% em 2021 em comparação com o ano anterior, segundo dados publicados na última quarta-feira pela Frontex. A análise indica que o fim gradual das restrições de mobilidade estabelecidas no início da pandemia — que durou grande parte de 2020 e fez com que abril daquele ano fosse o mês com o menor número de travessias desde que começaram os registros, somente 900— não explica por si próprio o aumento. Há "outros fatores" que causam o fluxo migratório, destaca a Frontex em seu relatório.

Entrada irregular de imigrantes na Europa em 2021

Em 2020, “a pandemia criava incertezas”, avalia Patrycja Sasnal, professora da Academia de Migração do Colégio Natolin da Europa, com sede em Varsóvia.

— As pessoas estavam em uma espécie de espera. Mesmo assim, o número de pessoas que queriam ou precisavam emigrar não parava de crescer. O aumento é resultado da liberação dessa pressão acumulada — disse Sasnal.

A escalada da desigualdade causada pelo coronavírus — enquanto os bilionários ficaram mais ricos, mais 800 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza extrema — é outro fator-chave por trás desse fenômeno.

— A piora de suas condições de vida os levou a emigrar — disse Mira Milosevich-Juaristi, pesquisadora principal do think tank Real Instituto Elcano, na Espanha.

Além dos efeitos da pandemia, os números da Frontex indicam também um aumento em relação aos anos anteriores à Covid, com 2021 registrando quase 50 mil chegadas a mais do que em 2018 e 2019.

Para a agência de fronteiras, um dos fatores “cruciais” tem sido a crise no Bielorrússia. Os países europeus que fazem fronteira com a ex-república soviética — Polônia, Lituânia e Letônia — registraram um enorme crescimento no ano passado: de 677 entradas irregulares em 2020, aumentaram para quase 8 mil. No entanto, o afluxo de pessoas que vêm da Bielorrússia — em uma ação que países da UE acusam de ser orquestrada pelo regime de Aleksandr Lukashenko — representa apenas 4% do total de chegadas ao território da UE em 2021.

 

— Esse percentual não explica o aumento — disse Milosevic-Juaristi, do Real Instituto Elcano, por telefone.

A agência de fronteira destaca ainda que as levas de migrantes que chegaram pela Bielorrússia foram utilizadas pelo governo de Minsk como parte de uma “operação híbrida” — uma definição quase idêntica à acusação de “ataque híbrido”feita pela Comissão Europeia (o Executivo da UE) contra Lukashenko. Bruxelas refere-se a essa, em suas palavras, “instrumentalização dos imigrantes” por um governo rival para justificar a sua proposta de endurecimento das normas internacionais de proteção de imigrantes, que, se aprovada, permitirá a permanência dos requerentes de asilo na fronteira, a prorrogação do processamento dos pedidos para até quatro meses e o pronto regresso dos que tiverem seus pedidos rejeitados.

A medida, segundo defensores de direitos humanos, viola as convenções internacionais sobre o direito de asilo.

— Os fluxos migratórios serão uma constante no futuro da UE, o que é mais uma razão para chegarem a um acordo e terem uma lei comum de migração e asilo. Até que a UE tenha uma visão comum, podemos falar sobre os números e percentagens da Frontex, mas não muito mais do que isso — critica a pesquisadora do Instituto Elcano.

O aumento dos conflitos em todo o mundo no primeiro semestre de 2021, segundo a Agência da ONU para Refugiados, também contribuiu para o aumento. Na África, por exemplo, a Etiópia fez com que 1,2 milhão de pessoas precisassem deixar suas casas. A guerra aberta entre o Exército Etíope e o grupo rebelde Frente de Libertação do Povo de Tigray, do norte do país, constitui uma bomba-relógio para alguns analistas, que preveem uma emigração em massa. Segundo dados da Frontex, os sírios lideraram as travessias para o território europeu em 2021, seguidos por tunisianos, marroquinos, argelinos e afegãos – estes últimos fugindo do retorno do Talibã.

— A imigração está se tornando um problema de identidade em alguns países, que a veem como uma ameaça — disse Milosevic-Juaristi, apontando para os países do chamado grupo de Visegrado: República Tcheca, Polônia, Eslováquia e Hungria.

Precisamente, este último país — cujo governo, liderado pelo ultranacionalista Viktor Orbán, mantém uma das posições anti-imigração mais duras da UE — registrou um aumento de chegadas irregulares de 125% no ano passado, para 60.540, ficando atrás apenas do aumento verificado no Mediterrâneo Central. O aumento de quase 35 mil entradas na Hungria não foi esclarecido pela Frontex.

Especialista: 'Governo polonês explora crise migratória em benefício próprio'

O outro lado da moeda é a crescente conscientização em vários países europeus — à  exceção dos quatro países do grupo de Visegrado – de que o contínuo envelhecimento da população, resultante de baixas taxas de natalidade e do aumento da expectativa de vida, torna a imigração mais necessária. O caso da Alemanha, o país mais populoso da União Europeia, é relevante: no país, o governo de coalizão entre social-democratas, verdes e liberais promoveu uma mudança radical em suas políticas migratórias. Seus cálculos são claros: a Alemanha precisará da chegada de 400 mil estrangeiros por ano para cobrir sua falta de jovens.

Os números tratados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) contrastam com os da agência europeia de fronteiras. Procurada, a agência das Nações Unidas respondeu: “Não observamos um aumento significativo da migração irregular na UE em comparação com os anos anteriores. Após a diminuição em 2020, em 2021 as chegadas à Europa seguiram uma evolução bastante semelhante à de 2019 e 2018, e são muito inferiores às entre 2014 e 2017”.

— O aumento pode ser visível nos números, mas as diferenças ainda são muito pequenas para dizer com certeza definitiva que há uma tendência de aumento da imigração — disse Patrycja Sasnal, do Colégio da Europa e chefe de pesquisa do Instituto Polonês de Assuntos Internacionais. — Podemos ter certeza de que, com as mudanças climáticas tornando a vida insuportável em partes da Ásia e da África, haverá mais pressão migratória nos próximos anos. A Europa deve se preparar para isso ajudando esses países particularmente vulneráveis e criando mais possibilidades de migração regular.

/oglobo.globo.

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