quinta-feira, 6 de maio de 2021

MENSAGEM DO SANTO PADRE PARA O 107º DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO



“Somos como grãos de areia, todos diferentes e únicos, mas que em conjunto podem formar uma praia maravilhosa, uma verdadeira obra de arte… Estamos todos no mesmo barco e somos chamados a trabalhar para que não existam mais muros que nos separem, para que não existam mais os outros, mas apenas um nós, um nós do tamanho da humanidade inteira.” Papa Francisco                                    

MENSAGEM DO SANTO PADRE 

PARA O 107º DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO 26 de setembro de 2021 

«Rumo a um nós cada vez maior» 

Queridos irmãos e irmãs! 

Na carta encíclica Fratelli tutti, deixei expressa uma preocupação e um desejo,  que continuo a considerar importantes: «Passada a crise sanitária, a pior reação seria  cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta. No  fim, oxalá já não existam “os outros”, mas apenas um “nós”» (n. 35). 

Por isso pensei dedicar a mensagem para o 107º Dia Mundial do Migrante e do  Refugiado ao tema «Rumo a um nós cada vez maior», pretendendo assim indicar  claramente um horizonte para o nosso caminho comum neste mundo. 

A história do «nós» 

Este horizonte encontra-se no próprio projeto criador de Deus: «Deus criou o ser  humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher.  Abençoando-os, Deus disse-lhes: “Crescei, multiplicai-vos”» (Gn 1, 27-28). Deus criou-nos homem e mulher, seres diferentes e complementares para formarem, juntos,  um nós destinado a tornar-se cada vez maior com a multiplicação das gerações. Deus  criou-nos à sua imagem, à imagem do seu Ser Uno e Trino, comunhão na diversidade.  

E quando o ser humano, por causa da sua desobediência, se afastou d’Ele, Deus,  na sua misericórdia, quis oferecer um caminho de reconciliação, não a indivíduos  isoladamente, mas a um povo, um nós destinado a incluir toda a família humana, todos  os povos: «Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com eles; eles serão  o seu povo e o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus» (Ap 21, 3). 

Assim, a história da salvação vê um nós no princípio e um nós no fim e, no centro,  o mistério de Cristo, morto e ressuscitado «para que todos sejam um só» (Jo 17, 21).  Mas o tempo presente mostra-nos que o nós querido por Deus está dilacerado e dividido,  ferido e desfigurado. E isto verifica-se sobretudo nos momentos de maior crise, como agora com a pandemia. Os nacionalismos fechados e agressivos (cf. Fratelli tutti, 11) e  o individualismo radical (cf. ibid., 105) desagregam ou dividem o nós, tanto no mundo  como dentro da Igreja. E o preço mais alto é pago por aqueles que mais facilmente se  podem tornar os outros: os estrangeiros, os migrantes, os marginalizados, que habitam  as periferias existenciais. 1  

Na realidade, estamos todos no mesmo barco e somos chamados a empenhar-nos  para que não existam mais muros que nos separam, nem existam mais os outros, mas só  um nós, do tamanho da humanidade inteira. Por isso aproveito a ocasião deste Dia  Mundial para lançar um duplo apelo a caminharmos juntos rumo a um nós cada vez  maior, dirigindo-me em primeiro lugar aos fiéis católicos e depois a todos os homens e  mulheres da terra.  

Uma Igreja cada vez mais católica 

Para os membros da Igreja Católica, este apelo traduz-se num esforço por se  configurarem cada vez mais fielmente ao seu ser de católicos, tornando realidade aquilo  que São Paulo recomendava à comunidade de Éfeso: «Um só corpo e um só espírito,  assim como a vossa vocação vos chama a uma só esperança; um só Senhor, uma só fé,  um só batismo» (Ef 4, 4-5). 

De facto, a catolicidade da Igreja, a sua universalidade é uma realidade que requer  ser acolhida e vivida em cada época, conforme a vontade e a graça do Senhor que  prometeu estar sempre connosco até ao fim dos tempos (cf. Mt 28, 20). O seu Espírito  torna-nos capazes de abraçar a todos para se fazer comunhão na diversidade,  harmonizando as diferenças sem nunca impor uma uniformidade que despersonaliza.  No encontro com a diversidade dos estrangeiros, dos migrantes, dos refugiados e no  diálogo intercultural que daí pode brotar, é-nos dada a oportunidade de crescer como  Igreja, enriquecer-nos mutuamente. Com efeito, todo o batizado, onde quer que se  encontre, é membro de pleno direito da comunidade eclesial local e membro da única  Igreja, habitante na única casa, componente da única família. 

Os fiéis católicos são chamados, cada qual a partir da comunidade onde vive, a  comprometer-se para que a Igreja se torne cada vez mais inclusiva, dando continuidade  à missão que Jesus Cristo confiou aos Apóstolos: «Pelo caminho, proclamai que o Reino  do Céu está perto. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos,  expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 7-8).

2  

Hoje, a Igreja é chamada a sair pelas estradas das periferias existenciais para  cuidar de quem está ferido e procurar quem anda extraviado, sem preconceitos nem  medo, sem proselitismo, mas pronta a ampliar a sua tenda para acolher a todos. Entre  os habitantes das periferias existenciais, encontraremos muitos migrantes e refugiados,  deslocados e vítimas de tráfico humano, aos quais o Senhor deseja que seja manifestado  o seu amor e anunciada a sua salvação. «Os fluxos migratórios contemporâneos  constituem uma nova “fronteira” missionária, uma ocasião privilegiada para anunciar  Jesus Cristo e o seu Evangelho sem se mover do próprio ambiente, para testemunhar  concretamente a fé cristã na caridade e no respeito profundo pelas outras expressões  religiosas. O encontro com migrantes e refugiados de outras confissões e religiões é um  terreno fecundo para o desenvolvimento de um diálogo ecuménico e inter-religioso  sincero e enriquecedor» (PAPA FRANCISCO, Discurso aos Diretores Nacionais da Pastoral  dos Migrantes, 22/IX/2017).  

Um mundo cada vez mais inclusivo 

A todos os homens e mulheres da terra, apelo a caminharem juntos rumo a um  nós cada vez maior, a recomporem a família humana, a fim de construirmos em conjunto  o nosso futuro de justiça e paz, tendo o cuidado de ninguém ficar excluído. 

O futuro das nossas sociedades é um futuro «a cores», enriquecido pela  diversidade e as relações interculturais. Por isso, hoje, devemos aprender a viver, juntos,  em harmonia e paz. Encanta-me duma forma particular aquele quadro que descreve, no  dia do «batismo» da Igreja no Pentecostes, as pessoas de Jerusalém que escutam o  anúncio da salvação logo após a descida do Espírito Santo: «Partos, medos, elamitas,  habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e  da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia cirenaica, colonos de Roma, judeus e  prosélitos, cretenses e árabes ouvimo-los anunciar, nas nossas línguas, as maravilhas de  Deus» (At 2, 9-11).  

É o ideal da nova Jerusalém (cf. Is 60; Ap 21, 3), onde todos os povos se  encontram unidos, em paz e concórdia, celebrando a bondade de Deus e as maravilhas  da criação. Mas, para alcançar este ideal, devemos todos empenhar-nos por derrubar os  muros que nos separam e construir pontes que favoreçam a cultura do encontro, cientes  da profunda interconexão que existe entre nós. Nesta perspetiva, as migrações  contemporâneas oferecem-nos a oportunidade de superar os nossos medos para nos  deixarmos enriquecer pela diversidade do dom de cada um. Então, se quisermos, poderemos transformar as fronteiras em lugares privilegiados de encontro, onde possa  florescer o milagre de um nós cada vez maior.3  


A todos os homens e mulheres da terra, peço que empreguem bem os dons que o  Senhor nos confiou para conservar e tornar ainda mais bela a sua criação. «Um homem  nobre partiu para uma região longínqua, a fim de tomar posse de um reino e em seguida  voltar. Chamando dez dos seus servos, entregou-lhes dez minas e disse-lhes: “Fazei  render a mina até que eu volte”» (Lc 19, 12-13). O Senhor pedir-nos-á contas das nossas  obras! Mas, para assegurar o justo cuidado à nossa Casa comum, devemos constituir 

nos num nós cada vez maior, cada vez mais corresponsável, na forte convicção de que  todo o bem feito ao mundo é feito às gerações presentes e futuras. Trata-se dum  compromisso pessoal e coletivo, que se ocupa de todos os irmãos e irmãs que  continuarão a sofrer enquanto procuramos realizar um desenvolvimento mais  sustentável, equilibrado e inclusivo. Um compromisso que não faz distinção entre  autóctones e estrangeiros, entre residentes e hóspedes, porque se trata dum tesouro  comum, de cujo cuidado e de cujos benefícios ninguém deve ficar excluído.  

O sonho tem início 

O profeta Joel preanunciava o futuro messiânico como um tempo de sonhos e  visões inspirados pelo Espírito: «Derramarei o meu espírito sobre toda a humanidade.  Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os  vossos jovens terão visões» (3, 1). Somos chamados a sonhar juntos. Não devemos ter  medo de sonhar e de o fazermos juntos como uma única humanidade, como  companheiros da mesma viagem, como filhos e filhas desta mesma terra que é a nossa  Casa comum, todos irmãs e irmãos (cf. Fratelli tutti, 8). 

Oração 

Pai santo e amado, 

o vosso Filho Jesus ensinou-nos 

que nos Céus se esparge uma grande alegria 

quando alguém que estava perdido 

é reencontrado, 

quando alguém que estava excluído, rejeitado ou descartado 

é reinserido no nosso nós,  

que assim se torna cada vez maior.

4  

Pedimo-Vos que concedais a todos os discípulos de Jesus  

e a todas as pessoas de boa vontade 

a graça de cumprirem a vossa vontade no mundo. 

Abençoai todo o gesto de acolhimento e assistência 

que repõe a pessoa que estiver em exílio 

no nós da comunidade e da Igreja, 

para que a nossa terra possa tornar-se, 

tal como Vós a criastes, 

a Casa comum de todos os irmãos e irmãs. Amen. 

Roma, em São João de Latrão, na Festa dos Apóstolos São Filipe e São Tiago, 3  de maio de 2021. 

[Francisco

https://migrants-refugees.va

www.miguelimigrante.blogspot.com


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