quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Migração ou imigração, distinção necessária


No Brasil, colonos, portugueses e até os espanhóis mesclaram com os índios, com os africanos e, desta miscigenação, nasceu os crioulos
Bote de ONG humanitária se aproxima de barco com refugiados no Mediterrâneo
Bote de ONG humanitária se aproxima de barco com refugiados no Mediterrâneo (Getty Images)
Newton Teixeira Carvalho
Umberto Eco no livro Migración e intolerância, 2019, trata destas temáticas, por ele pensadas em mais de 20 anos. E, no primeiro capítulo desta aludida obra falava este escritor das migrações no terceiro milênio, quando se aproximava o tão esperado ano de 2000, ou seja, o início de um novo milênio, não olvidando de dizer, Umberto Eco, que aquele ano foi mágico para o mundo cristão, eis que marcava dos mil anos do nascimento de Cristo, pouco importando divergências cronológicas, ideológicas e religiosas, a respeito desta marcante data natalícia.
E naqueles anos, de 2019 para trás, Umberto Eco escrevia que, de 2000 para frente era de se notar a influência do modelo europeu sobre os demais modelos e a maioria celebraria, como celebrou, aquele ano de 2000 como uma convenção comercial, pouco ou quase nada lembrando das convicções íntimas. Portanto, dois mil foi antes de tudo uma data eurocêntrica, a dominar também a civilização americana, não obstante acabaria a Europa a ter grande “mestiçagens de culturas”, a partir de 2000 em diante, como está acontecendo no momento presente. Portanto, a profecia de Eco está se realizando, perfeitamente.
Assim, a Europa acabará como uma Nova Iorque, com a coexistências de diferentes culturas, ou como alguns países da América Latina, com diversos povos e, por consequência, com a queda da maioria denominada branca. Raça pura, de triste memória, não mais existirá, para tristeza de muitos loucos, seguidores até hoje do sanguinário Hitler.
O Brasil também é bem lembrado por Umberto Eco, considerando que os colonos, portugueses e até os espanhóis, mesclaram com os índios, com os africanos e, desta miscigenação, nasceu os crioulos. E tal fenômeno acontecerá neste século, dizia Eco (está acontecendo, podemos afirmar) também na Europa, sem que nenhum racista ou reacionário tenha poder de impedir tal acontecimento.
Assim e para Umberto Eco necessário é que façamos, por conseguinte, a necessária distinção, olvidada por muitos, entre os conceitos de imigração e o de migração. A imigração acontece quando algumas pessoas se transferem de um país a outro, calculadamente. É um fenômeno que pode controlar-se politicamente, limitar-se, impulsionar-se, programar-se e aceitá-lo. Portanto, há convergência de vontade. São pacíficas, sempre.
Entretanto, o mesmo não ocorre com as migrações que acontecem violentas ou pacificamente e, por conseguinte, podem ser comparadas, acrescenta Umberto
(autor do livro, dentre outros, de O nome da Rosa), como os fenômenos naturais: acontecem e não é possível controlá-las.
Ocorre, portanto, a migração quando todo um povo, pouco a pouco, se desloca de um território a outro e, para tal consideração, não tem importância quantos permanecem no território de origem, mas sim em que medida os migrantes trocam de maneira radical a cultura do território ao qual migraram.
Ressalta ainda Umberto Eco que aconteceram grandes migrações que culminaram na mudança de cultura, a exemplo das migrações dos povos denominados “bárbaros”, que invadiram o império romano e criam novos estados e novas culturas, rotuladas de romano-bárbaras ou romano-germânicas.
Outro exemplo de migração é a europeia no continente americano que, se em parte foi programada politicamente, na verdade há que se considerar migração e não imigração porque os brancos procedentes da Europa não adotaram os costumes e a cultura dos povos indígenas, mas sim acabaram por fundar uma nova civilização, a ferro e fogo, na qual os indígenas (os sobreviventes) tiveram que se adaptar.
Assim e para Umberto Eco podemos dizer que estamos ante um fenômeno de “imigração” quando os imigrados, admitidos segundo decisões políticas, aceitam em grande parte os costumes do país ao qual emigraram. E falamos em “migração” quando os migrantes (que não puderam ser retidos nas fronteiras) transformam de maneira radical a cultura do território a qual migraram.
E, ultrapassado o século XIX, característico como o século das imigrações, no século XX passamos por um fenômeno incerto, que repercute também no século XXI, ou seja, não é fácil dizer se estamos diante de uma imigração ou de uma migração, razão de tal distinção sequer ser aludida por muitos.
Entretanto, a maneira mais correta de distinguir estes dois fenômenos é entender que as imigrações são controladas politicamente e as migrações não o são, eis que, como dito acima, pelo próprio Umberto Eco, são como os fenômenos naturais. Portanto, esse deslocamento em massa, que acontece neste século XXI, é considerado como migrações.
Outra distinção é que na imigração geralmente os imigrados são mantidos em guetos, para que não se misturem, se mesclem. Ocorrendo a migração não há que se falar em guetos e a mestiçagem é incontrolável. Portanto, há interesses dos governantes em transformar migrações, que se encontram na porta de seus países, em imigrações, para poder isolar estas pessoas e a tê-las sobre
permanente controle. Gestos nada humanitários, mas sim atitudes estratégicas, em prejuízo dos então migrantes, que se transforam, da noite para o dia, em imigrantes e, por conseguinte, passam, a partir de então, a ser vigiados e a qualquer momento podem também ser expulsos para qualquer outro lugar.
Assim, o fenômeno que a Europa pretende que seja imigração é na verdade casos de migração. Nota-se que o terceiro mundo (rótulo pejorativo, discriminatório e adjeto) está às portas da Europa, que não concorda e dificulta a entrada destas pessoas, em diversos países daquele continente.
Entretanto e considerando que a migração não é um fenômeno controlado politicamente, certo é que diversos povos já vivem naquele “primeiro mundo”, clandestinamente ou não e, por conseguinte, a Europa é cada vez mais um continente multirracial, acrescentando Humberto Eco, com a sabedoria de sempre: “Si les gusta, así será? y si no les gusta, así será igualmente).”.
Portanto, estamos diante de um novo choque de culturas e, por consequência, os racistas deveriam estar em vias de extinção, o que infelizmente não vem ocorrendo. O racismo, o ódio, o sangue (raça pura), ainda se fazem presentes em muitos discursos, mundo afora. Nada obstante, a Europa, para o desgosto de muitos europeus, que se se intitulam superiores, será, a exemplo da civilização romana, uma civilização de mestiços, fundindo o “primeiro, segundo e terceiro mundo” em um só mundo, no qual a raça, a nacionalidade ou a cidadania não poderá ser mais um motivo de discriminação.
Dom Total
www.miguelimigrante.blogspot.com

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