terça-feira, 15 de setembro de 2020

Livro conta histórias de refugiados e imigrantes no Brasil

As mesmas autoras de "Extraordinárias: Mulheres que Revolucionaram o Brasil" contam, agora, em "Valentes: Histórias de Refugiados no Brasil (Seguinte, R$ 80)" as comoventes histórias dos refugiados e imigrantes, de ao menos 15 nacionalidades distintas, que cruzaram as fronteiras brasileiras em busca de liberdade e recomeços. Como o Abdulbaset Jarou, que fugiu da guerra na Síria com a mãe, mas a perdeu para a Covid-19 no Brasil. 

Valentes: Histórias de pessoas refugiadas no Brasil  (Foto: Reprodução/Instagram - @livrarialdm)

Valentes: Histórias de pessoas refugiadas no Brasil (Foto: Reprodução/Instagram - @livrarialdm)

O guichê do #MulherBacanaLê conversou com as criadoras da obra, Aryane Cararo e Duda Porto de Souza. "Nós, brasileiros, vivemos o mito de uma sociedade acolhedora, mas isso é uma falácia", esclarecem. Além dos perfis, elas buscam com o livro desmistificar a ideia negativa de xenofobia e ainda trazem um histórico dos 20 anos da Lei do Refúgio. Aqui, elas contam sobre os bastidores da realização do livro: 

Como surgiu o desejo de trazer essas histórias para o campo de conhecimento dos brasileiros?
Esse livro é, de certa forma, uma narrativa de defesa dos direitos humanos e promoção da visibilidade de pessoas em situação de invisibilização e apagamento social ou histórico. E a questão dos deslocamentos, forçados ou provocados por uma tentativa de melhorar de vida e fugir de uma situação de vulnerabilidade, é uma delas.

Como foi todo o processo, desde a escolha dos personagens até o ponto final do livro?
O livro tem duas partes. A primeira é composta por uma pesquisa das crises e conflitos que originaram esses grandes deslocamentos pelo mundo, e a segunda traz entrevistas com os refugiados e imigrantes. Sabíamos desde o começo que muitas dessas pessoas fugiram de seus países por perseguição política, opção sexual, escolha religiosa, entre tantos outros fatores, e, portanto, falar de momentos tão impactantes e graves nas suas vidas seria uma situação sensível e traumática. É muito difícil mexer nessas feridas. Sem falar a dificuldade com a língua, já que muitos ainda não são proficientes em português. Mas, contamos com a ajuda das organizações que realizam trabalhos com refugiados e imigrantes. Inclusive, muitas delas nos ajudaram a fazer essa ponte. 

Qual foi o maior desafio da produção?
Nossa, foram muitos! Nós sempre fomos leitoras do tema, mas não tínhamos um aprofundamento na questão. Entender a complexidade jurídica e mapear essas histórias levou cerca de um ano. O refúgio precisa estar associado a uma perseguição para ser caracterizado como tal. Começamos pelas entidades que trabalham com imigração e refúgio e, ao encontrar as histórias de vida, nos deparamos também com novos desafios. Para além da barreira linguísticas e culturais, a maioria das pessoas passaram por traumas incomensuráveis. E nós, obviamente, só incluímos no livro histórias de pessoas que se sentiram 100% à vontade para revelar suas histórias. O desafio mais recente foi adaptar o livro inteiro para o contexto do novo coronavírus antes da impressão, que gerou também novas ações micropolíticas.

São muitas histórias, qual foi a que mais tocou vocês?
Eu acho que o leitor encontrará um ponto de conexão em cada uma das histórias. As palavras de Dona Carmen Silva, líder da luta por moradia, no filme Era o Hotel Cambridge (2016), de Eliane Caffé, foram (e continuam sendo) muito importantes nessa construção. “Todos nós somos refugiados de nossos direitos”, ela diz em uma das inúmeras cenas inesquecíveis. Independentemente da nacionalidade, todas as histórias nos tocaram profundamente, principalmente após entender o impacto da migração e do refúgio na infância.

A força da juventude também é inspiradora, como a biotecnóloga Juanita Hernández Solano, que nasceu em uma família de ativistas colombianos e teve que buscar uma vida longe do temor dos grupos paramilitares armados. Ao chegar no Brasil, ainda criança, sofreu bullying na escola. Por fim, preciso falar da resiliência do nosso querido Abdul, refugiado sírio que salvou sua mãe da guerra, mas ela faleceu recentemente com Covid-19.  Em meio a tanta dor, ele segue usando sua voz diariamente para conscientizar a todos sobre questões urgentes.

Qual a importância de levar esse debate para a literatura brasileira?
Essa tema tem ficado cada vez mais evidente, antes da crise era um dos principais debates no mundo e, com a chegada dos venezuelanos no Brasil, tivemos a oportunidade de aprofundar os caminhos para um bom acolhimento dessas pessoas. A literatura é um reflexo do tempo presente. Mesmo numa obra de ficção, ela não consegue se dissociar do momento histórico. Esse é um registro jornalístico, e o resgate histórico de “Valentes” facilita a leitura entre adolescentes, apresentando uma primeira síntese de um assunto urgente, acreditamos que esse é um grande diferencial. Precisamos ser um país que se orgulha de receber bem.

Vocês acham a obra é necessária para os dias de hoje? Por quê?
Essa é uma construção que acaba não se mostrando real. Infelizmente, a previsão é que o número de refugiados em todo o mundo cresça. Com a nova pandemia, os países vão entrar numa crise de ordem mundial, deixando mais pessoas em vulnerabilidade econômica. Nosso País já está construindo um discurso de ódio generalizado, que discrimina pessoas por raça, etnia. No início do livro, o leitor encontra um capítulo sobre as ideias xenofóbicas que precisam ser combatidas. Entre essas fake news, abordadas a partir de fatos e pesquisas de fontes confiáveis: “eles roubam o trabalho dos brasileiros” e “o Brasil já tem problemas demais para gastar com refugiados”. A solidariedade global e o conhecimento são o único caminho possível. Afinal, eles são um de nós. E amanhã podemos ser um deles.

O que nossas leitoras podem esperar de "Valentes"?
Queríamos mostrar como essas pessoas não escolheram sair de suas casas, mas foram obrigadas! Que precisamos acolhê-las sem preconceitos. E que ninguém sabe o dia de amanhã - todos podemos ser migrantes ou refugiados em breve. A ideia era mesmo mostrar a realidade, para tentar combater um pouco das fake news que circulam a respeito desse assunto. E sensibilizar as pessoas. Só com informações e educação é que vamos poder criar um mundo mais justo, humano e sem preconceitos.

Duda Porto de Souza, uma das escritoras da obra (Foto: Reprodução/Instagram )

Duda Porto de Souza, uma das escritoras da obra (Foto: Reprodução/Instagram )

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Qual escritora inspira vocês?
Clarice Lispector, Eleonore Kofman, Heloisa Buarque de Holanda, Sueli Carneiro, Lelia Gonzalez, Patricia Hill Collins, Audre Lorde, Gloria Anzaldúa, Maria Lugones, Nancy Fraser, Jarid Arraes, Tatiana Nascimento, Juliana Borges, N.K. Jemisin, Malorie Blackman e por aí vai...

Qual título vocês indicam para as nossas leitoras conhecerem nessa quarentena?
“Um feminismo decolonial”, de Françoise Vergès (tradução de Jamille Pinheiro Dias e Raquel Camargo).

Revista Glamour 

www.miguelimigrante.blogspot.com

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