Com
a primavera batendo à porta, a pergunta emerge com energia redobrada: quando
nos será lícito e legítimo utilizar a expressão do título para anunciar, alto e
bom som, um novo despertar das forças sociais! Lembro que, no final da década
de 1990, então como assessor do Setor Pastoral Social da CNBB, eu mesmo me vali
dessa formulação num comentário destinado à análise de conjuntura.
Atravessávamos outros desertos, os tempos se revelavam frutuosos, efervescentes
e auspiciosos! Celebrava-se em todo mundo um triênio de preparação ao grande
Jubileu do ano 2000. Paralelos e complementares aos eventos promovidos pela
comemoração dessa data jubilar, transcorriam os debates da 3’ Semana Social
Brasileira (SSB). O Grito dos Excluídos caminhava para a sua 5’ edição,
enquanto se fortalecia a Campanha Jubileu Sul. Os plebiscitos populares levavam
às ruas milhões de pessoas em todo território nacional.
Uma
série de igarapés convergiam para o rio caudaloso de um novo projeto popular
para o país. Iniciativa sempre em construção e que foi batizada pelas SSBs como
“O Brasil que queremos”. Águas rebeldes e represadas, por isso mesmo
portentosas, que, de alguma forma, indicavam um horizonte plural, aberto e
democrático. Eram significativos tempos de madura safra, embora não tivéssemos
consciência da colheita. Mas os frutos brotavam do chão com relativa
abundância. Na evolução de um processo histórico, terá havido alguma geração
com a sorte de presenciar mais de uma colheita! O mais razoável e menos
frustrante é contentarmo-nos com apenas uma, ou tão somente com seus botões
apontando “um novo céu e uma nova terra”.
Certo,
não podemos esquecer que está em curso a 6’ SSB, com o lema “Mutirão pela vida – por terra, teto e
trabalho”. A exemplo das últimas, trata-se menos de eventos localizados no
tempo e no espaço, do que um processo de debates que se desenvolve de norte a
sul, de leste a oeste. Lançada na 58’Assembleia Geral da CNBB, em abril de 2020,
deverá desenrolar-se até julho de 2022. Em termos de participação de
movimentos, entidades e organizações, entretanto, torna-se difícil comparar com
as edições anteriores. Evidente, com a pandemia do Covid-19, estamos
atravessando um terreno hostil e minado, inóspito e desconhecido. Mas, antes
mesmo desse flagelo global, já era conhecida e notória a sonolência letárgica
de não poucas organizações populares, junta mente com algumas de suas
lideranças. Vale uma ressalva diante das inúmeras iniciativas solidárias em favor
dos infectados e afetados pelo novo coronavírus, esse “inimigo silencioso e invisível”,
como também em favor dos trabalhadores e trabalhadoras igualmente “invisíveis” e
às famílias enlutadas de mais de 130 mil mortos.
A
apatia e o desencanto, porém, parecem se perpetuar. Em que momento nos passaram
uma rasteira que deixou no íntimo de cada um de nós, agente pastoral ou social,
um gosto amargo de derrota, além da dificuldade de reerguer-se! Existe algum
culpado de tal rasteira! Ou teríamos sido nós mesmos seus verdadeiros
protagonistas, sofrendo-a a partir das entranhas do processo de
conscientização, organização e mobilização! Hoje padecemos de uma espécie de
saudade mórbida e doentia. Se por uma parte a saudade pode ser até remédio para
alguns males, por outra o saudosismo é sempre venenoso. Amarra pés e mãos;
cristaliza, petrifica e fossiliza a memória, o que equivale a paralisar a mente
e a inteligência. Lamentar as mágoas do “paraíso perdido” irremediavelmente no
passado costuma levar à miopia ou à cegueira. Mesmo na narrativa bíblica do
Livro do Gênesis, a expulsão do jardim idílico vem acompanhada com a
necessidade de “buscar o pão com o suor do trabalho”.
O
grande desafio que se coloca é justamente o de colocar em ação “o suor do
trabalho” para resgatar e revigorar as energias sociais, hoje soltas e
fragmentadas. Quem sabe rever o trabalho de base ou “de formiguinha”, no
sentido de cavar fundo o solo árido para nele, e só a partir dele, encontrar a
umidade e os ingredientes que nutrem a vida e a mudança. Sem mergulhar as
raízes na terra, a flor, a espiga e a planta não podem se levantar do chão.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
wwww.miguelimigrante.blogspot.com
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