A
velocidade vertiginosa das últimas décadas, em termos de mudanças tecnológicas,
atropela ritmos e passos. Há mais de meio século (1967), o estudioso francês
Guy Debord escreveu o livro Sociedade do
espetáculo. Quem sabe atualmente outro cientista poderia escrever sobre a Sociedade da pressa, ou do ruído, do
barulho, da agitação. Agitação febril, ansiosa, alucinada, endiabrada. O modelo
capitalista e globalizado de produção/consumo vem atropelando o ritmo da
natureza, do corpo humano, das estações, do círculo virtuoso de purificação das
águas, das relações interpessoais, e assim por diante. Ao mesmo tempo que
atropela, igualmente, os passos de um processo natural de descoberta e de
conhecimento.
O
avanço extraordinário das inovações tecnológicas, entretanto, dificilmente vem
acompanhado de avanços similares no desenvolvimento humanizado da sociedade ou
da civilização. Se é certo que verificamos uma prodigiosa e progressiva
capacidade de lidar com o mundo cibernético e virtual da Internet, com
profissões inusitadas e conexões cada vez mais complexas, também é verdade que,
no campo das relações afetivo-sexuais, tornamo-nos com frequência verdadeiros
nanicos. As novas gerações de modo todo particular – crianças, adolescentes e jovens
– cedo adquirem uma espantosa rapidez e uma imediata familiaridade com o
universo dos botões, dos games, das redes digitais e das telinhas.
Quanta
dificuldade, porém, no campo dos desejos, instintos, emoções e sentimentos!
Como reconhecer, identificar, administrar e dialogar sobre o que sentem e
pensam? Como relacionar-se com a própria pulsão afetivo-sexual e, mais
complicado ainda, com a atração/repulsão pelo outro, o diferente, o estranho? A
trilogia paixão, amor e relacionamento torna-se, ao mesmo tempo, um desafio e
um fascínio. Fascínio que atrai, sem dúvida, mas que vem revestido de medo. Não
é raro encontrar “jovens” com mais de trinta anos que temem o fracasso de uma
relação sadia e ousada e que, consequentemente, optam por experimentos
efêmeros, provisórios, temporários. Esses experimentos breves e superficiais acabam
substituindo a aposta por uma união mais robusta e duradoura. Se falar que, em
não poucos casos, terminam em tragédia.
Resulta
de tudo isso uma forma de crescimento disforme, irregular, desigual, doentio.
De ponto de vista técnico e profissional, caminha-se a passos largos; do ponto
de vista emocional, vai-se a passo de tartaruga. Binários diferentes,
diferentes velocidades. Em lugar de construir planos e estratégias em vista de
um futuro firme e sólido, o mais fácil é buscar respostas imediatas para os
problemas imediatos. Crianças, adolescentes e jovens parecem sofrer de uma sede
perpétua por coisas novas, inéditas e exóticas. E sofrem igualmente uma
inquietação febril por jogos e brinquedos cada vez mais sofisticados. Tornam-se
rapidamente adultos e espertos no que diz respeito às novidades tecnológicas.
Mas, pelo que concerne à maturidade afetiva, boa parte permanecerá num “estágio
infantil” estacionado ou cristalizado.
Enquanto
determinada dimensão do corpo e do espírito se desenvolvem, às vezes até mesmo
de forma precoce, outra dimensão parece atrofiar-se com a idade. Com relativa
frequência, criam uma espécie de bolhas ou casulos idealizados, onde vivem, sonham,
conectam-se e formam os seus amigos e amigas. Amigos e amigas que, diga-se de
passagem, podem ser incorporados hoje ao grupo de referência e, como a mesma
velocidade, amanhã mesmo deletados. Mantêm pouca ou nenhuma interação com a
realidade cotidiana em que se movem. Parte considerável deles acaba virando
“estranho” no interior da própria família e da rede de parentesco.
Além
disso, como já alertava Henri Lefebvre na obra Sociologia da vida cotidiana, escrita nas últimas décadas do século
XX, em nossos dias o volume de informações é de tal envergadura, que não há
tempo (às vezes nem vontade) para uma digestão reflexiva e menos ainda para a
elaboração de critérios críticos na formação de um pensamento próprio. Tampouco
há tempo para um aprendizado relacional, no confronto e diálogo com o outro e
os outros.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente
do SPM – São Paulo, 06/03/2023
www.miguelimigrante.blogspot.com
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