sábado, 18 de março de 2023

Número de angolanos em abrigos cresce em São Paulo

 Desse contingente, chama a atenção o rápido crescimento do número de pessoas de Angola, que quase quadruplicou de 2020 para 2021, saltando de 267 para 1.208 pessoas, dobrando no ano seguinte para 2.486 acolhidos. Desde 2019, disparou 757%

Com menos restrições relacionadas à pandemia de Covid-19, cresceu o número de pessoas que procuram o Brasil, mas já em uma situação econômica fragilizada. - Reprodução Folhaprees

 O número de imigrantes em situação de rua atendidos pela Prefeitura de São Paulo bateu a maior marca dos últimos quatro anos em 2022. Foram 6.387 pessoas de 93 nacionalidades no ano passado. Atualmente há 1.875 imigrantes acolhidos, segundo a pasta de Assistência e Desenvolvimento Social.


Desse contingente, chama a atenção o rápido crescimento do número de pessoas de Angola, que quase quadruplicou de 2020 para 2021, saltando de 267 para 1.208 pessoas, dobrando no ano seguinte para 2.486 acolhidos. Desde 2019, disparou 757%.
Os principais motivos para essa alta são a proximidade linguística e cultural dos países, que falam português, a busca por serviços brasileiros como o SUS e o autoritarismo em Angola. Além disso, angolanos têm uma situação diplomática frágil, com a demora na análise dos pedidos de asilo, o que também dificulta a obtenção de trabalho e aumenta a demanda por assistência.
Para Caio Serra, assistente de gestão e informação do Crai (Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes), um exemplo dessa migração é a vinda de mulheres no fim da gestação, que buscam serviços do SUS. Outros fatores são a violência e a perseguição política. Ainda, o Brasil é um país de trânsito para quem tenta chegar a Estados Unidos e Canadá.


Com menos restrições relacionadas à pandemia de Covid-19, cresceu o número de pessoas que procuram o Brasil, mas já em uma situação econômica fragilizada.


A chegada de afegãos às três principais nacionalidades atendidas pode estar relacionada à crise com a retomada do Talibã e à facilidade na obtenção do visto de acolhida humanitária, que pode ser solicitado em países como Irã e Paquistão, antes de chegar ao Brasil.

A questão é que o país não possui um centro de refugiados como na União Europeia, e quem faz o acolhimento de pessoas com mais vulnerabilidade econômica é a rede de atendimento de quem vai para a rua.

Imigrantes da Bolívia, por sua vez, podem ter acessado equipamentos para a população em situação de rua após a queda abrupta na atividade têxtil na cidade. O fechamento de estabelecimentos, aliado a condições precárias de trabalho, fez cair a renda de famílias inteiras, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo em 2020.

A reportagem esteve nas imediações do Centro de Acolhida ao Imigrante-Casa de Assis, na rua Japurá, na Bela Vista, e conversou com um grupo de Angola.

Os jovens têm menos de 30 anos, e a maioria pediu para não ser identificada. Eles buscam trabalho para melhorar a vida, mas revelam tristeza e sensação de incapacidade. A Angola, segundo eles, é uma ditadura onde que não existe liberdade de expressão. Dizem que as penas para protestos chegam a cinco anos, sem visita da família.

Um dos jovens diz que chegou a São Paulo em 20 de janeiro, no aeroporto de Guarulhos, e gastou o dinheiro que tinha com um táxi até centro da cidade. Como não conseguiu vaga em centros de acolhimento, circulou por serviços de igreja até conseguir uma vaga na Casa de Assis.

Ele diz que seus conterrâneos buscam o Brasil por causa da facilidade da língua, e que o país é mais bem visto em Angola do que o colonizador Portugal. O jovem deixou mulher e um filho pequeno para trás, para trazê-los quando melhorar de vida.
Mesmo longe de casa, ele não mostra o rosto por temer que a família seja presa e torturada para obrigar o seu retorno.

André José Finda, 25, também acolhido no centro assistencial é uma exceção, tanto por mostrar o rosto quanto pelos motivos da vinda. Ele frequentou a Universidade de Belas e se formou em relações internacionais e ciências políticas. Trabalhava como organizador de festas de casamentos.

"Angola carece de questões muito básicas como alimentação, moradia e assistência médica. Crianças sofrem sem hospitais, mulheres têm os bebês no chão por falta de cama, pessoas morrem por paludismo [malária]. Os casos lá são muito muito elevados porque o saneamento básico não é bom. O Brasil não é o céu, o mar de rosas, mas acaba por ter mais oportunidades para os jovens", explica.

Finda diz que seus compatriotas veem o Brasil como a terra das oportunidades.
"No meu caso eu vim para o Brasil não por sede, fome, mas para expandir o nível profissional. Pensei: já que faço muito aqui, lá posso fazer mais ainda. A gente vê o Brasil como a terra das oportunidades", conta.

"Mas, chegando aqui não é como as coisas são ditas pela televisão. É uma realidade totalmente diferente", diz.
Finda divide um quarto com outros oito angolanos. Assim como os demais, tem de sair do abrigo às 8h30, depois do café da manhã, volta às 11h30 para o almoço, sai novamente às 12h30. O jantar é servido das 17h30 às 18h30. Ele precisa voltar até as 22h, a menos que tenha justificativa de trabalho.

"Passo o dia todo procurando emprego, as pessoas olham a gente de lado. A pessoa não fala que é porque você é negro, imigrante, mas a gente sabe, a gente sente pela forma como a pessoa olha, como a pessoa trata e isso dificulta", relata.
O angolano deixou os pais e seis irmãos no país de origem, mas diz não se arrepender.

"Já fiz muitas entrevistas, estou muito frustrado porque a gente sente que sabe fazer o trabalho. Eu trabalhava, tinha salário, uma casa, dá aquela tristeza no coração. Penso que é só uma fase e que daqui a pouco passa", afirma.

Ele conta que outro jovem que também está no centro de acolhimento fala cinco línguas, mas só consegue trabalhos como ajudante de cozinha e de limpeza.

"Os outros meninos falam para ele que aqui precisa se conscientizar e ter um emprego pequeno, abaixo da formação porque é negro, imigrante. Ele fica muito triste", finaliza.

Paulo Inglês, doutor em sociologia e estudos africanos e vice-reitor para Área de Investigação e Pós-Graduação da Universidade Jean Piaget, em Angola, critica o sistema político de seu país.

"Formalmente é uma democracia, mas é um sistema autoritário", diz. Ele também afirma que os serviços públicos são precários, e que a situação econômica deteriorou-se nos últimos anos.

"Depois da saída do presidente José Eduardo dos Santos, que esteve no poder por 37 anos, pensou-se que o novo presidente, João Lourenço, abriria mais o sistema econômico e democrático, mas fechou mais ainda", avalia.

"Na sua maioria são os jovens que estão a sair de Angola. Além da facilidade da língua, há certa proximidade cultural, já que eles consomem mais produtos brasileiros do que portugueses, de vestuário e alimentação a novelas, filmes e reality shows", afirma.

O vice-reitor também diz que há repressão de manifestações, com represálias que chegam a prisão e morte.
"Além de tudo isso, uma das promessas do novo presidente era o combate à corrupção, mas na verdade a corrupção continua. Nas estruturas do estado estão principalmente as pessoas que pertencem ao partido no poder, que tem estado no poder há 48 anos".

bs9.com.br

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