A Constituição garante o
direito à participação política de estrangeiros no Brasil, inclusive ir a
manifestações e fazer parte de protestos, segundo constitucionalistas ouvidos
pela ConJur. Para os
especialistas, a parte do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/80) que trata sobre
o assunto não foi recepcionada pelo texto constitucional de 1988.
Segundo o artigo 107 da
lei, promulgada quando o país ainda vivia sob um regime ditatorial, o
estrangeiro admitido no território nacional “não pode exercer atividade de
natureza política, nem participar de desfiles, passeatas, comícios e reuniões
de qualquer natureza no Brasil, submetendo o infrator à pena de detenção de 1 a
3 anos e expulsão do país”.
Na opinião de Eduardo Mendonça,
advogado e professor de Direito Constitucional, é “abusiva” a premissa de que o
estrangeiro não possa emitir opiniões sobre a política interna do país. Ele
lembra que o artigo 5º da Constituição diz que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Segundo ele, há jurisprudência
no Supremo Tribunal Federal no sentido de que algumas das garantias valem
também para não residentes, que estão em trânsito no país. “O direito à
liberdade de expressão e manifestação é universal, os estrangeiros também o
possuem. O Estatuto do Estrangeiro não se sobrepõe à Constituição”, diz o
advogado Daniel
Sarmento, professor de Direito Constitucional da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro.
O artigo prevê a “livre
manifestação do pensamento”, a “livre expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença
e a “plena a liberdade de associação para fins lícitos”. Para Sarmento, caberia
uma arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo questionando
preceitos do Estatuto do Estrangeiro incompatíveis com a Constituição.
O debate chegou ao
noticiário na semana em que a Câmara votou o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em nota
à imprensa divulgada
no dia 16 de abril, a Federação Nacional dos Policiais Federais disse que os
estrangeiros que fossem encontrados participando de manifestações relacionadas
ao impedimento da presidente poderiam ser detidos e encaminhados à Polícia
Federal.
“Vivemos no Brasil um
momento de crise política interna, mas não devemos abrir mão da nossa
soberania. Estrangeiros entrando no país com o objetivo específico de
participar de manifestações políticas são uma ameaça ao Brasil, uma violação ao
Estatuto do Estrangeiro e afronta às instituições de controle, como a Polícia
Federal”, afirmou na ocasião Luis Boudens, presidente da Fenapef. A nota cita
notícias publicadas pela imprensa falando sobre a entrada de estrangeiros da
Venezuela, Peru, Argentina e Paraguai para protestar contra o impedimento de
Dilma.
O caso da professora
universitária italiana Maria do Rosário Barbato também chamou atenção para a
discussão. Ela recebeu uma intimação da Polícia Federal para comparecer a um
interrogatório por estar, supostamente, “militando em sindicatos e partidos
políticos no território nacional”. O inquérito policial 0310/2016-4 foi aberto
em março a partir de uma denúncia anônima. Maria do Rosário mora no Brasil há
oito anos e é professora concursada da Universidade Federal de Minas Gerais,
onde ministra aulas de Direito do Trabalho e de Introdução ao Estudo do
Direito. Um juiz federal arquivou o inquérito por entender que “o
respeito devido à dignidade de todos os homens não se excepciona pelo fator
meramente circunstancial da nacionalidade”.
A manifestação da
Fenapef e o caso da professora italiana geraram preocupação em organizações de
defesa de direitos humanos. Em nota técnica divulgada
no dia 31 de maio, as entidades afirmam que a vedação do Estatuto do
Estrangeiro contraria, além da Constituição, compromissos assumidos pelo Brasil
em matéria de direitos humanos, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
A nota técnica lembra ainda que a Constituição diz, no capítulo sobre os
Direitos Políticos (artigo 14), que os estrangeiros não podem alistar-se como
eleitores. “Esta é a única restrição de direitos aos estrangeiros, em relação
aos brasileiros, feita pela Constituição.”
Na avaliação de
Mendonça, a liberdade de expressão não é só do indivíduo, mas da coletividade,
porque tem “papel fundamental na democracia”. “Proibir estrangeiro de se
manifestar politicamente é uma ideia autoritária que não foi recepcionada pela
Constituição. Seria abuso expulsar um estrangeiro por ter opinado ou ido a
manifestação ou passeata”, diz. Ele lembra, porém, que o entendimento não vale
para casos que envolvem ameaça à segurança nacional.
Segundo o artigo 65 do
estatuto, é passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar
contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou
moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à
conveniência e aos interesses nacionais. “Nem o brasileiro pode falar ou criar
força paramilitar de resistência, por exemplo, ou incitar violência política.”
Democratiza
STF
www.miguelimigrante.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário