Brasil pode se tornar modelo para o mundo ao construir uma política de migração pautada na solidariedade, participação social, cidadania e firme defesa dos direitos humanos
Antonio Cruz / Agência BrasilCom o terceiro mandato do presidente Lula, a partir de janeiro de 2023 o Brasil terá a oportunidade de retomar a política migratória desenvolvida durante os governos do PT e que foi abandonada na gestão do presidente Bolsonaro – e avançar ainda mais. Podemos nos tornar um modelo para o mundo ao mostrar que é possível mudar paradigmas e construir uma política de migração pautada na solidariedade, na participação social, na cidadania e na firme defesa dos direitos humanos.
As políticas migratórias nos governos do PT deixaram um importante legado para o campo da migração: estreitaram nossa relação na América do Sul com uma série de acordos bilaterais e dentro do bloco do Mercosul (Acordo Bilateral com o Estado Plurinacional da Bolívia, em 2005; a Lei de Anistia Migratória e o Acordo de Livre Trânsito e Residência dos Países Membros do Mercosul e Associados, em 2009).
O Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e a Secretaria Nacional de Justiça assumiram um papel ativo nesses governos e foram criadas instâncias de participação social, como por exemplo, foi realizada a 1ª Conferência Nacional sobre Migração e Refúgio (Comigrar) em 2014, considerada um marco histórico para a participação das pessoas migrantes no país. O diálogo internacional foi estimulado com a realização de conferências brasileiras no exterior e houve a concessão de vistos humanitários, criados no âmbito do CNIg, a cidadãos haitianos e apátridas, em 2012, e a cidadãos sírios, em 2013 – uma medida inédita no país e um exemplo no cenário internacional.
A política migratória foi sendo deixada sob a responsabilidade dos militares desde o governo do presidente Temer. Em fevereiro de 2018, foi decretada a MP 820/2018, destinando recursos para assistência emergencial e acolhimento humanitário de imigrantes venezuelanos e em seguida iniciou-se a Operação Acolhida, na qual as Forças Armadas assumiram protagonismo na gestão dos fluxos migratórios e na política nacional de acolhida e integração das pessoas migrantes ao lado das agências internacionais[1].
O governo do Bolsonaro aprofundou ainda mais essa política da Operação Acolhida, reforçando a ideia do imigrante como questão de segurança nacional. Seu mandato destinou cada vez mais recursos ao exército e esvaziou a participação da sociedade civil. O Ministério do Trabalho foi extinto e o CNIg foi levado para o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Também não houve mais nenhuma conferência nacional de migração nos últimos quatro anos. Durante a fase crítica da pandemia, mais de 30 normativas foram publicadas pelo governo federal restringindo a entrada de pessoas em território nacional. No plano internacional, o Brasil abandonou em janeiro de 2019 o Pacto Global das Migrações, que havia sido assinado na gestão anterior.
Bandeiras históricas do movimento social
Diante desse cenário de desmonte e desarticulação da política migratória no Brasil, é urgente retomar as bandeiras históricas do movimento social brasileiro. O novo governo Lula representa o momento oportuno para a criação de uma Coordenação Nacional de Políticas para Migrantes dentro do Ministério de Direitos Humanos, cujo papel seria desenvolver uma Política Nacional para Migrantes e de um Fórum de Cidades Acolhedoras a serem construídos com a participação direta de lideranças migrantes, da sociedade civil, dos estados e municípios, de forma transversal e interseccional, dialogando com todos os setores do poder público. A criação desta coordenadoria estaria amparada no artigo 120 da Lei de Migração que trata justamente da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia que ainda espera regulamentação desde o governo Temer.
Uma Coordenação Nacional de Políticas para Migrantes teria como papel principal atuar na defesa dos direitos das pessoas migrantes (tanto estrangeiros no Brasil, como brasileiros no exterior). Ela não ocuparia o lugar do Departamento do Estrangeiro ou do CNIg, uma vez que suas atribuições seriam outras: atuar como ponte entre o Congresso Nacional e a sociedade civil, para defender as pautas trazidas pelos migrantes (tais como o direito ao voto); coordenar a realização das conferências municipais, estaduais e nacionais sobre políticas migratórias; promover uma rede de cidades acolhedoras e solidárias; monitorar o cumprimento pelo Brasil dos acordos migratórios; produzir e publicar dados sobre a população migrante no Brasil e brasileiros no exterior a fim de subsidiar políticas públicas, promover a luta contra o racismo e a xenofobia vivenciado por imigrantes e refugiados no país, entre outras funções a serem discutidas, em conjunto com um novo governo que com certeza será mais responsivo às demandas dos movimentos sociais e da sociedade.
*Filósofo, ativista, representante externo da Organização para Uma Cidadania Universal, ex-coordenador de políticas para migrantes da cidade de São Paulo no governo do PT
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