Na opinião desta investigadora científica britânica, a questão das migrações climáticas devia ser abordada em Sharm el-Sheikh, Egito, na 27.ª conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas (COP27), que vai decorrer entre 06 e 18 de novembro, porque é “improvável” conseguir limitar o aquecimento global a dois graus Celsius acima dos valores da época pré-industrial.
“As pessoas vão ter de deslocar-se, isso é inevitável. Já estamos a ver um grande número de pessoas a fugir de situações desesperadas do Sudão à América Latina e à Ásia”, disse, em entrevista à Agência Lusa.
Nas próximas décadas, antecipa, “dezenas de milhões de pessoas ou centenas de milhões de pessoas” vão ter de migrar, premissa que domina o livro que publicou recentemente, “Nomad Century”, que pode traduzir-se como “século nómada”.
Especialista em questões ambientais, Gaia Vince ganhou o prémio do melhor livro científico atribuído pela academia de ciências britânica Royal Society em 2015 com a obra “Aventuras no Antropoceno” [Adventures in the Anthropocene].
O livro foi o produto de uma longa viagem pelo mundo realizada após despedir-se do emprego de editora da revista ’Nature’ para ver com os próprios olhos o impacto das alterações climáticas e o que várias pessoas estavam a fazer para tentar travar as suas consequências.
A nova obra surgiu da “frustração” com o impasse em questões como a redução das emissões de gases com efeito de estufa e políticas de mitigação e também com a constatação de que o aquecimento global vai continuar.
Gaia Vince aponta a migração em massa como uma solução, não um problema, apelando para que a comunidade internacional alcance um entendimento.
“Isto [migrações] pode acabar em conflito e em muitas mortes. Poderíamos gerir isto de uma forma que levasse a sociedades produtivas e saudáveis, em vez de conflitos constantes”, defende.
No livro, refere como existem regiões, sobretudo nos trópicos e hemisfério sul, onde vai ser quase impossível viver devido ao aumento da temperatura, à subida do nível do mar e a outros eventos extremos, como secas, inundações e incêndios.
Para sobreviver, milhões de pessoas vão ter de procurar zonas com melhores condições e Gaia Vince sugere que seja criada uma autoridade supranacional que faça a gestão dos fluxos migratórios e monitorize a criação de novas cidades em partes do mundo mais amenas.
De acordo com a autora, assumindo um aquecimento global de quatro graus celsius (ºC) por volta de 2100, valor baseado em algumas estimativas científicas, alguns destes novos aglomerados populacionais poderiam ficar em locais até agora inóspitos, como a Sibéria, Gronelândia e eventualmente até a Antártida, além de partes do norte da Europa, Canadá e Rússia.
A ideia é “radical”, reconhece, e terá de ultrapassar questões como fronteiras geopolíticas seculares e preconceitos como racismo, mas insiste que o problema deve ser discutido proativamente de uma forma “pragmática”.
No cenário de um aquecimento global de 4ºC até 2010, o continente africano, incluindo Angola e Moçambique, ficaria desertificado ou inabitável, bem como o sul da Europa, que abrange Portugal ou Espanha.
“Portugal já está a ser afetado por estes problemas, como incêndios e seca. A diferença relativamente ao Sudão é que Portugal é mais rico, é uma democracia, tem uma boa governação e faz parte da União Europeia, por isso as pessoas podem circular facilmente”, referiu a autora à Lusa.
Mas o país terá de mudar bastante nos próximos anos, adverte, nomeadamente adaptar o tipo de arquitetura, aumentar os reservatórios de água, construir fábricas de dessalinização e alterar o tipo de culturas agrícolas.
Em termos económicos, Portugal será afetado por uma tendência crescente de procura de locais menos quentes para turismo, aposentação ou segundas habitações, e as próximas gerações poderão sentir-se mais atraídas por oportunidades de emprego em geografias mais a norte.
“As pessoas não querem passar o verão numa onda de calor horrenda porque não podem sair e têm de ficar em casa com o ar condicionado. Isso não é agradável. Em vez disso, vão querer mudar para algo mais agradável, como os Lagos na Finlândia. É uma mudança que terá lugar durante as próximas duas décadas”, vaticina Gaia Vince.
Decisores políticos, especialistas, acadêmicos e organizações não-governamentais reúnem-se entre 06 e 18 de novembro em Sharm el-Sheikh, no Egito na COP27, para tentar travar o aquecimento do planeta.
Líderes como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, já confirmaram que vão estar presentes, com o Governo português a ser representado pelo primeiro-ministro António Costa.
A COP27, que marca o 30.º aniversário da adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla original) mantém os mesmos objetivos de outras cimeiras desde 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris, para limitar o aquecimento global a 2ºC (graus celsius), e se possível a 1,5ºC, acima dos valores médios da época pré-industrial.
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