O fotógrafo Bob Wolfenson, conhecido por retratar
celebridades, já está acostumado com ensaios intensos. Foi ele que captou, com
suas lentes, expressões icônicas de artistas que fazem parte da cena cultural
brasileira: de um Caetano Veloso com careta desconfiada e uma versão
descamisada de Chico Buarque a caras e bocas de Gisele Bündchen, Marieta
Severo, Marília Gabriela; a lista se alonga.
“Mas é uma sensação muito diferente fotografar alguém que
já chega completamente entregue à experiência, com a expectativa elevada. Os
retratos ganham com a descontração das pessoas comuns, algo que pode demorar
com os famosos”, conta Wolfenson, que abre neste sábado,
19, a exposição África em São Paulo, no Museu da Imigração.
Padre Assis Tavares: sem a batina preta tradicional, atua na zona norte de SP Foto: Bob Wolfenson
A ideia nasceu de um trabalho feito com o jornalista Naief
Haddad, que escreveu uma reportagem sobre a vida dos imigrantes africanos no
centro da cidade. “Com o tempo, o projeto foi vingando à medida que um indicava
outro”, explicou Haddad durante a montagem da exposição. Eles revelam as
dificuldades iniciais em ganhar a confiança de pessoas que vêm ao Brasil,
muitas vezes, para sobreviver.
“Foi preciso ter muito cuidado e, primeiro, receber a
chancela dessas pessoas. Inclusive, algumas ficaram receosas em participar do
projeto por medo de que nós fôssemos agentes da imigração”, observa o fotógrafo
paulistano.
Ao longo do processo de conversação com os imigrantes,
com recusas e, de início, aceites ressabiados, a dupla viu pelas lentes gente
de expressão, como o padre Assis Tavares, sacerdote da paróquia São José
Operário, na Vila Prudente.
Samira Nancassa venceu o concurso de miss África-Brasil em 2018 Foto: Bob Wolfenson
O cabo-verdense Tavares está longe de ser um pároco
sisudo, com a batina preta tradicional e cabelos brancos. De dreads, o
religioso de 39 anos, que se formou em Teologia em Portugal, realiza um
trabalho de evangelização em uma comunidade da zona norte de São Paulo, e se
mostra conectado com os direitos humanos.
Em um pequeno relato, que estará na exposição, o padre
conta da vez em que um representante da Igreja Católica o questionou sobre
benzer um casal LGBT+. Tavares foi franco na resposta: “Benzemos carro,
carteira de trabalho… Como não vou benzer gente?”. O alto representante,
desconcertado, concluiu: “Ok, mas seja discreto”.
O jeito intimista de Bob ajudou as pessoas a se mostrarem
com mais facilidade para a sua câmera. Foi o caso da freira Isabelle Djenoyom,
pessoa mais fechada, que, no dia do ensaio final, acabou permitindo que
Wolfenson a fotografasse.
São 56 imagens feitas em estúdio que contemplam 43
personagens, de pessoas comuns a figuras singulares, como Madalena Nanque,
filha do rei da tribo papel, da Guiné-Bissau. Hoje, ela leva uma vida sem
luxos, ao contrário do que o título de princesa sugere, formou-se em Pedagogia
e Teologia e dá aulas em São Paulo.
Ela aparece radiante em uma foto em preto e branco, com as vestes típicas de sua tribo na Guiné-Bissau. Wolfenson lembra também que a proposta de ressaltar as raízes dos imigrantes pelas roupas tradicionais foi uma característica trabalhada para mostrar a intersecção cultural entre a cultura ocidental e as culturas de matrizes africanas, fortes no Brasil.
“Existe, ainda hoje, um mito
de que a África é um país, e isso precisa ser desconstruído na cabeça das
pessoas. Claro, geograficamente eu conheço muito da África, mas, ao longo do
processo, aprendi mais sobre diversas culturas específicas, sobre como um mesmo
povo, às vezes, pode estar dividido entre dois países”, ressalta o fotógrafo.
A homogeneização da cultura
africana é um resquício do colonialismo. Na exposição, isso é quebrado por cada
participante, que ganha uma aura de “capa de revista” (bem ao estilo de
Wolfenson). São pessoas de 21 países do continente africano, desenvoltas, que
escolheram estar ali e posar com carão e make, luz e sombra.
www.estadao.com.br/
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