quinta-feira, 5 de março de 2020

“Mais de 65% da riqueza do Luxemburgo é gerada por migrantes e transfronteiriços”

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“É preciso avançar com políticas redistribuitivas para evitar que o populismo se desenvolva” em resposta às pressões migratórias, afirma Frédéric Docquier, responsável pelo programa de investigação “Crossing Borders” do Luxembourg Institute of Socio-Economic Research (LISER).
 Um estudo divulgado pela revista “The Economist” revela que se houvesse mais migrações haveria mais crescimento económico no mundo…
Tudo depende se nos colocamos do ponto de vista dos países que enviam ou que recebem os migrantes. Segundo a visão tradicional, os mais qualificados migram mais que as pessoas com menor escolaridade. Assim, para os países que enviam esses migrantes o efeito de perder os mais qualificados é considerada uma perda económica. Mas em muitos países europeus, os migrantes são menos qualificados que os nativos. O que significa que o nível de escolaridade diminui nos países de origem e no país do acolhimento. O que é negativo para os dois. O único efeito da migração é aumentar o rendimento mundial, porque esses migrantes chegam a multiplicar por dez o seu rendimento e pagam impostos o que torna o país que os acolhe mais rico.
Mas a nova análise sobre as migrações mostra que, mesmo, que os emigrados sejam mais qualificados do que os que ficam, eles enviam verbas para os países de origem. Criam ainda o chamado “efeito rede”. Como acabam por trabalhar em setores em que há mais tecnologia nos países ricos, acabam por difundir essa tecnologia para os seus países de origem. Depois estimulam, ainda, o comércio e o investimento direto estrangeiro entre os dois países. Todos estes efeitos contribuem para melhorar a situação do país de origem.
Atualmente, o paradigma mudou e a maioria dos investigadores dizem que esta emigração é benéfica para os países de origem.
O Luxemburgo é o país da Europa com a maior percentagem de migrantes (48%)…
Em termos de imigração os únicos países que ultrapassam o Luxemburgo, com cerca de 90% da sua força de trabalho de origem estrangeira, são os países do Golfo Pérsico: os Emirados Árabes Unidos o Qatar e a Arábia Saudita.
E cada vez mais, a força de trabalho do Luxemburgo é reforçada, quase duplicada, pelos trabalhadores transfronteiriços que vêm de França, da Alemanha e da Bélgica. Feitas as contas, os trabalhadores luxemburgueses representam cerca de um quarto de trabalho luxemburguesa, o que é muito particular.
O efeito económico desses trabalhadores é muito importante?
O Luxemburgo funciona como um pólo de atração de trabalhadores que habitam e trabalham no Luxemburgo. Mas há também os transfronteiriços, que são uma força de trabalho equivalente à força de trabalho residente, que têm um efeito na economia muito importante. Cerca de dois terços dos rendimento gerados no Luxemburgo é gerado por migrantes e transfronteiriços.
O crescimento económico está ameaçado se diminuir a percentagem de imigrantes?
Temos que distinguir o crescimento extensivo do intensivo. O crescimento intensivo representa o PIB por habitante e, nesse caso, se o Luxemburgo tivesse menos de migrantes e transfronteiriços o seu PIB seria mais baixo. Mas o PIB por trabalhador, dependeria da produtividade dos trabalhadores. No Luxemburgo, os transfronteiriços e os imigrados representam um forte capital humano, porque são muito qualificados, em média. Ao perder os mais qualificados o crescimento e a produtividade por habitante seria mais baixa. Mas tudo depende da componente educação e capital humano. No futuro, todos estamos à espera da quarta revolução industrial, a digitalização, a automação que vai substituir uma parte dos trabalhadores. E esse processo exige trabalhadores mais qualificados. No caso do Luxemburgo tudo vai depender da capacidade do Luxemburgo de atrair uma mão-de-obra qualificada.
Os migrantes garantem, assim uma elevada percentagem do rendimento...
Esta diversidade trazida pela migração gera efeitos positivos. Em geral, na maioria dos países há uma melhoria na qualidade de vida para os nativos em termos de poder de compra, que pode chegar aos 3%. Mesmo os nativos que estão em competição com os imigrantes, vão obter um efeito positivo. Mas a população não o percebe. Por isso surgem todos os movimentos populistas que temos atualmente nos países de imigração.
O Luxemburgo é o segundo país da UE com mais percepção de racismo...
Não posso comentar esses indicadores porque não os conheço. Surpreende-me porque tenho a impressão que o luxemburguês perceciona relativamente bem o impacto positivo que a imigração e os trabalhadores transfronteiriços têm na economia. Tenho a impressão que o imigrante é melhor percecionado do que na Bélgica, por exemplo. Na Bélgica e em França há manifestamente, como na maioria dos países europeus, um sentimento anti –muçulmano. Viajo muito na Europa e não vejo esse racismo do branco em direcção ao negro. O que vejo é um sentimento anti-muçulmano. Em quase todo o lado sente-se que as pessoas pensam que o muçulmano não adere aos valores da nossa sociedade, continua ligado aos valores do seu país de origem em que a religião domina o Estado e em que a mulher não é igual ao homem. A verdade é que a maioria dos muçulmanos qualificados que conheço reconhece a igualdade entre a mulher e o homem e reconhece o papel que o Estado deve ter em relação à religião. Mas é verdade que os estudos europeus que conheço revelam que há um crescimento do sentimento anti-muçulmano, um pouco por todo o lado.
E a tendência é para o aumento das migrações?
A proporção dos imigrados nos países ricos tem vindo a crescer. Se tivermos em conta a evolução, atualmente temos cerca de 12% de imigrantes,, quando em 1960 tínhamos cerca de 4%. Um crescimento de 8% que revela que temos uma sociedade mais diversa. Pode dizer-se que foi porque assinámos os acordos de Schengen, temos a mobilidade intra-europeia. Mas a migração entre países ricos quase não se alterou. Aumentou um pouco na Europa, baixou nos EUA. O que fez aumentar a imigração, foi a emigração de população de países menos ricos, ou dos países em desenvolvimento. Podemos ter a impressão que é porque há cada vez mais mobilidade. Mas não é isso. Há uma percentagem baixa de população, entre 2% e 3%, dos países em desenvolvimento que vai para os países ricos. O que aconteceu é que aumentou a população nos países em desenvolvimento e nos países ricos não . Assim se olharmos para esses 2% de saídas, de uma base cada vez maior o que faz com que a população de emigrados para os países ricos aumente. Por isso não é a taxa de mobilidade que mudou, mas sim o registo dos indicadores demográficos.
Não podemos negar, que na maioria dos estudos há uma conexão entre a subida de migração e o aumento do populismo. Nas décadas futuras, todas as projeções demográficas prevêem que o peso da população de África na população mundial vai triplicar, em média. Esta pressão migratório do Médio Oriente e de África vai continuar. E se seguirmos as tendências do passado, apesar das políticas cada vez mais restritivas, não podemos travar essa demografia. Assim, devemos esperar viver num mundo cada vez mais diverso. Quando vejo as preocupações com o crescimento do populismo, penso que devemos fazer alguma coisa para mudar a mentalidade porque estaremos perante uma realidade em que a diversidade será a norma. Teremos que aprender a viver com as vantagens da diversidade e não focarmo-nos nas suas desvantagens. Acredito que os locais onde há mais populismo atualmente, não são aqueles que atraem a migração dos qualificados. Os qualificados irão para outros locais mais abertos. As pessoas que vêm de países em que não existe uma grande diáspora vão ter em conta esse populismo.
Já nos países em que há uma grande diáspora muçulmano, por exemplo, irão receber muitos migrantes porque serão mais bem acolhidos e poderão contar com os seus compatriotas. Mas estes são, em geral menos educados. Tenho a impressão que o populismo pode acelerar a polarização cultural de uma diáspora cada vez mais importante e reduzir o nível de capital humano dos imigrantes, onde há populismo. Quando o capital humano baixa, a polarização e a diferença cultural se polariza com os nativos. Quando esse fator aumenta cria ainda mais populismo. Tenho receio dos círculos viciosos do populismo na europa. Não sabemos onde nos levará o futuro.Mas sabemos que no passado este círculo vicioso do populismo gerou consequências desastrosas.
Nós, os economistas, temos que trabalhar verdadeiramente esta questão para evitar que o populismo se desenvolva.
Esse populismo é uma grande ameaça?
Devemos ser otimistas na vida, mas penso que é algo que devemos absolutamente compreender. Qual é a dinâmica do populismo? Se o populismo continua a aumentar e para onde vai? Ou se podemos encontrar meios e políticas redistribuitivas para responder a esse discurso, porque em geral o migrante é percebido como a causa das desigualdades. Mas as desigualdades não estão ligadas à migração. A imigração tem efeitos muito baixos na desigualdade. A crise financeira recente, teve efeitos muito mais importantes: os ricos recuperaram as suas perdas nalguns meses e os pobres ainda não recuperaram.
Quando a crise chega e as desigualdades aumentam, se temos mais imigrantes que antes, então essa é a razão. Mas isto não é verdade. Os economistas mostram que as migrações podem ter um impacto positivo ou negativo nas desigualdades, mas muito menor que as tendências económicas de longo termo. Temos que informar a opinião pública relativamente a isto. Fazendo com que as pessoas façam as suas opções políticas conhecendo as causas dos problemas. E não escolhas que são influenciadas por líderes carismáticos que gerem esta tensão entre comunidades. O crescimento do populismo, é verdadeiramente um problema que devemos absolutamente tratar na raiz, com informação com explicações e políticas redistribuitivas que evitem o crescimento das desigualdades, evitando entrar em círculos viciosos perigosos.
Temos que trabalhar muito esta questão, para compreender bem os mecanismos e propor políticas. Nunca vi nenhum país que tenha adaptado a sua política redistribuitiva, de forma explicita, à sua exposição à globalização. O facto é que as pressões migratórias serão cada vez mais importantes. Penso que temos que chegar a uma situação em que possamos adaptar as nossas políticas para que esta globalização nos seja benéfica e vantajosa.
A sua investigação conclui que as mulheres qualificadas emigram mais?
Em termos mundiais, nos países pobres há muita discriminação no acesso à educação. Mas existe também muita discriminação no acesso ao mercado de trabalho. Assim, uma jovem qualificada num país em desenvolvimento – que é discriminada no acesso ao mercado de trabalho e que tem dificuldades em aceder à vida política – é mais móvel. Se olharmos para o panorama mundial, concluimos que a mobilidade das mulheres qualificadas e superior à dos homens qualificados. 
wort.lu
www.miguelimigrante.blogspot.com

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