sábado, 14 de janeiro de 2023

MÁGOAS, CULPAS E MEDOS

Três coisas que têm um poder sem igual de nos deixar completamente paralisados: mágoas, culpas e medos. As mágoas nos arrastam através do pântano tóxico e venenoso dos ressentimentos; as culpas dobram nossos ombros até o chão, ao mesmo tempo que amarram aos pés pesadas bolas de chumbo; os medos inibem toda e qualquer ação, pois nos tomam, dominam e escravizam.

Mágoas são ofensas e feridas mal cicatrizadas, que destilam raiva, ódio e sangue e que, por sua vez, nutrem e arquitetam desejos de vingança; as culpas, na medida em que se revelam doentiamente hipocondríacas, são cultivadas como se fossem bichinhos de estimação, dos quais com frequência nos tornamos morbidamente dependentes; quanto aos medos, podem provocar as reações mais imprevistas e inesperadas, uma vez que neles costumam se esconder sombras e fantasmas macabros e desconhecidos.

As mágoas nos infantilizam, convertendo-nos em adultos chorões, sempre prontos a desenterrar "defuntos" em diversos estados de putrefação, o que acaba por apodrecer o cenário de quaisquer relações interpessoais; as culpas nos transformam em pessoas tristes, tíbios, abatidas e moralistas, o que torna o ambiente denso e tenso, irrespirável para todos; os medos, enfim, nos levam a uma desconfiança falsa e permanente, e que faz imaginar inimigos a cada curva do caminho, a cada esquina da cidade.

Tudo isso combinado - mágoas, culpas e medos - forja uma verdadeira paranóia ao nosso redor. Ao mesmo tempo que passamos a desenvover comportamentos estranhos e insólito, também utrimos, retrospectivamente, novos motivos para seguir magoados, novos "pecados" que dobram a culpabilidade e novos situações fantasmagóricas que redobram o temor.

Resultado: alimentamos um círculo vicioso onde a mágoa tem necessidade de sofrer outros golpes para se manter cabisbaixa e inativa; a culpa tem obrigação de inventar outras faltas para se isolar e se esconder no próprio casulo; o medo tem de fabricar constantes fobias para fugir a um comportamento livre, proativo e responsável. De tal forma que mágoas, culpas e medos precisam, com relativa insistência, se autoflagelar e se autocondenar, para que possam viver isoladamente paralisados e falsamente em paz. Paz de cemitério porque, nada fazendo, de nada podem ser cobrados. A atmosfera intoxicada em que se movem precisa se nutrir com frequência do próprio veneno.

Mágoas se retroalimentam de mágoas sempre mais fundas, no sentido de se manterem vivas e abertas; culpas se retroalimentam de culpas sempre mais "sujas", no sentido de que o abismo do sadomasoquismo não tem fundo; medos se retroalimentam de medos sempre mais assustadores, no sentido "garantir" uma paralisia isenta de qualquer responsabilidade.


Alfredo J. Gonçalves

www.miguelimigrante.blogspot.com

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