quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Treinadora afegã ajuda jovens refugiadas a encontrarem novo caminho no Irã

 


Em pé à margem de um campo de futebol, apito na mão, Rozma Ghafouri observa um grupo de jovens afegãs driblando a bola. Uma delas desacelera ao se aproximar do gol, ajusta sua postura e chuta a bola no fundo da rede. Seu time explode em aplausos e Rozma apita para sinalizar o fim da partida.


Enquanto as meninas guardam seu kit de treino, Rozma se aproxima do banco onde as integrantes mais novas da equipe estão sentadas. Ela parabeniza-as por seu progresso, incentiva a comparecerem ao próximo treino e gentilmente pergunta sobre suas vidas em casa.

“O esporte é a melhor maneira que encontrei de ajudar crianças em situação vulnerável a se abrirem. Depois de cada treino, falo com elas sobre tudo e mais um pouco até que se sintam à vontade para falar comigo sobre os problemas que estão enfrentando em casa”, diz Rozma.

A jovem de 29 anos não é apenas a treinadora do time, mas também uma conterrânea afegã. Ela usa o que viveu em sua própria infância para se conectar com jovens de 11 a 15 anos, refugiados e afegãos sem documentos, e fazer com que voltem à escola e deixem o trabalho.

“Eu costumava ver crianças afegãs trabalhando em vez de brincar”

“Eu costumava ver crianças afegãs trabalhando em vez de brincando. Elas usavam roupas de trabalho usadas em vez de uniformes. Elas não sorriam”, lembra Rozma. “Por meio de atividades esportivas, podemos fazer com que muitas dessas crianças esqueçam seus desafios.”

Rozma fugiu do Afeganistão com sua família há 23 anos. Depois de trabalhar como operária durante grande parte de sua infância, ela criou em 2015 o Fundo de Iniciativa Juvenil (Youth Initiative Fund) na cidade de Shiraz, no sul da República Islâmica do Irã para ajudar crianças em risco.

Com o apoio do ACNUR, a Agência das ONU para Refugiados, e de seu homólogo do governo iraniano, o Bureau para Assuntos de Estrangeiros e Imigrantes Estrangeiros (BAFIA), o projeto agora ajuda cerca de 400 crianças por ano, muitas delas meninas fora da escola, por meio da inclusão em atividades esportivas e sociais, inscrição em cursos de alfabetização e numeramento e aconselhamento com suas famílias. Vendo o impacto que o projeto teve nas vidas das crianças afegãs em Shiraz, o ACNUR e a BAFIA estão no processo de reproduzir a iniciativa em outras províncias do Irã.

Todos os dias, voluntários da Iniciativa Juvenil – que inclui afegãos e iranianos – vão de porta em porta nos bairros de Shiraz, em sua maioria povoados por afegãos, para conversar com pais de crianças que nunca foram à escola ou tiveram que abandonar os estudos. Rozma e a equipe constroem um relacionamento com os pais e pedem permissão para que seus filhos venham praticar esportes todas as semanas.

À medida que os pais veem a mudança positiva que as atividades esportivas lideradas por Rozma causam em seus filhos, eles ficam mais dispostos a ouvir seus apelos para deixá-los ir à escola.

“É difícil tentar convencer os pais que estão mais preocupados em colocar comida na mesa de que seus filhos deveriam ter permissão para ser apenas crianças e ir para a escola”, diz, lembrando as inúmeras vezes que teve portas fechadas na sua cara.

Embora meninos e meninas devam frequentemente trabalhar para ajudar suas famílias, as meninas enfrentam o desafio adicional de normas culturais que consideram desnecessário que as filhas sejam educadas. Alguns membros da comunidade afegã também são pressionados a casar precocemente.

ROZMA

Rozma acredita que o esporte é a melhor maneira de ajudar crianças em situações vulneráveis a se abrirem © ACNUR/Fatemeh Forootan Torkamani

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“Eu só queria jogar futebol, mas não podia porque era menina”, lembra Rozma © ACNUR/Fatemeh Forootan Torkamani

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Rozma lidera um treinamento de futebol para meninas © ACNUR/Fatemeh Forootan Torkamani

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Rozma abraça sua mãe, Pari, em sua casa em Shiraz © ACNUR/Fatemeh Forootan Torkamani

 

Por sua dedicação em ajudar jovens afegãos no Irã, Rozma foi escolhida como a vencedora regional para a Ásia do Prêmio Nansen do ACNUR, um prestigioso prêmio anual que homenageia aqueles que fizeram de tudo para ajudar deslocados à força ou apátridas.

Rozma tinha quase seis anos quando o Talibã invadiu sua cidade natal na província de Kapisa, no nordeste do Afeganistão, e ela fugiu do país com seus pais e quatro irmãos. No Irã, ela estava segura, mas durante seus primeiros anos no exílio, a família mal tinha o suficiente para viver, muito menos para pagar as mensalidades escolares.

“Lembro-me de ter sete anos e de perceber que não iria para a escola como as outras crianças porque precisava ganhar dinheiro”, diz Rozma. “O trabalho mais difícil que me lembro de ter feito foi em uma fazenda com o cheiro insuportável dos pesticidas e o sol escaldante queimando o topo da minha cabeça.”

Ela e os irmãos também trabalharam em uma fábrica de tijolos, onde a família morava em um cômodo lateral apertado sem banheiros. Mesmo quando ela finalmente começou a estudar, vários anos depois, ela teve que continuar trabalhando em empregos de meio período à noite para ajudar a pagar o uniforme, os livros e o transporte.

Entre o dever de casa, as tarefas domésticas e esses empregos, Rozma precisava de uma atividade para alegrar seus dias.

“Tudo o que eu queria fazer era jogar futebol, mas não podia porque era uma menina”

“Nunca gostei de boneca. Eu só queria jogar futebol, mas não podia porque era menina”, diz. “Meu pai dizia que as meninas não deveriam jogar futebol e que, em vez disso, eu deveria aprender a costurar.”

Foi graças a sua mãe que, depois de cumprir suas tarefas, teve permissão de sair para jogar futebol com as suas irmãs e as outras crianças do bairro.

Entre os beneficiários do projeto que Rozma iniciou estão Nazi, de 28 anos, e sua filha Nazanin, de 12. Aas duas frequentam os treinos esportivos. “Graças à Iniciativa Juvenil, a minha filha consegue ter uma infância, brincar, conviver com outras crianças, sonhar…. Essas são coisas que eu nunca fui capaz de fazer”, diz Nazi.

Rozma não poderia estar mais feliz com o fato de o futebol estar gradualmente se tornando mais aceito na comunidade afegã como um esporte feminino. As irmãs de Rozma foram até convidadas para jogar em um time de futebol feminino em seu país natal, o Afeganistão.

“Sonho com um mundo onde meninas e meninos afegãos tenham as mesmas oportunidades de sucesso, onde quer que estejam no mundo, não importando os obstáculos em seu caminho”, diz. “Os esportes podem ser uma ferramenta poderosa para fazer isso acontecer”.

O Prêmio Nansen é nomeado em homenagem ao explorador norueguês, humanitário e vencedor do Prêmio Nobel da Paz Fridtjof Nansen, o primeiro Alto Comissário para Refugiados, que foi nomeado pela Liga das Nações em 1921. O objetivo é mostrar seus valores de perseverança e compromisso diante das adversidades.

Acnur 

www.miguelimigrante.blogspot.com                                                                

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