sexta-feira, 17 de julho de 2020

Pandemia acentua desafios vividos por migrantes e refugiados no país

Recentemente, Papa recordou o sofrimento dos migrantes e refugiados; Igreja no Brasil alerta para triste realidade acentuada pela pandemia: falta emprego e moradia

Julia Beck
Da redação
Por falta de condições, muitos venezuelanos precisam morar nas ruas de Roraima/ Foto: Nacho Doce – Reuters
Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), existem, hoje, cerca de 272 milhões de pessoas consideradas migrantes internacionais e 25,9 milhões de refugiados em todo o mundo. Com a pandemia da covid-19, a ACNUR alertou que mais de 80% da população global de refugiados e de deslocados internos estão em países de renda baixa ou média, cujos sistemas de saúde e saneamento básico estão sobrecarregados.
 A superlotação nos campos, assentamentos e abrigos onde vivem é algo comum e representa um desafio adicional no combate à covid-19, uma vez que o distanciamento social é uma das formas mais eficazes de combater a propagação deste vírus.
Em abril deste ano, a ACNUR também alertou para o fechamento total e parcial das fronteiras em, aproximadamente, 167 países. O Alto Comissariado das Nações Unidas afirmou que essa medida suspende, efetivamente, o direito das pessoas de solicitarem refúgio, rejeitando aqueles que buscam segurança e abrigo nas fronteiras terrestres ou marítimas e são devolvidos ou transferidos para outros países onde podem enfrentar sérias ameaças à vida ou liberdade.
A dura realidade vivida por quem decide migrar ou pedir refúgio é tema constante de iniciativas e reflexões do Papa Francisco. O mais recente apelo do Santo Padre foi na missa da última quarta-feira, 8, quando recordou sua viagem à ilha de Lampedusa, em 2013. Francisco alertou para o inferno vivido por quem se encontra nesta situação e sublinhou que, muitas vezes, o que o mundo sabe é “uma versão destilada” do real sofrimento enfrentado por migrantes e refugiados. Em sua celebração, o Santo Padre pediu aos católicos que busquem ver nestas pessoas a face de Deus.
Dom Mário Antônio / Foto: Wesley Almeida – Canção Nova
Este apelo do Papa é uma das muitas motivações feitas pelo Pontífice para que seja construída uma cultura do acolhimento, avalia o bispo da Diocese de Roraima, Dom Mário Antônio, segundo vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Todo migrante e refugiado pode nos enriquecer com suas qualidades, cultura e fé. Aqui no Brasil, nossas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora têm focado nesta questão, motivando-nos a sermos uma Igreja samaritana”, destacou.
O diretor nacional do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados do Brasil (SJMR), padre Agnaldo Pereira, assinala que o Papa, como filho de imigrantes, sabe o que significa passar por essa experiência. O sacerdote destaca que o Santo Padre tem sido uma voz profética nos tempos atuais, convidando toda a Igreja a seguir seus passos, multiplicando seus gestos de acolhida em cada comunidade, paróquia, dioceses, congregações religiosas, famílias solidárias.
Também nessa linha, a diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), Irmã Rosita Milesi, recorda ainda as frequentes convocações que Francisco faz aos católicos a fim de que vejam a face de Cristo crucificado nos migrantes e refugiados. 
“Embora a cultura do acolhimento e do encontro ande devagar, pode-se notar que a consciência cresce e são muitos os grupos que se dedicam aos cuidados das pessoas migrantes. A necessidade, no entanto, é muito maior. (…) Nesse sentido, o persistente apelo e os constantes exemplos do Papa Francisco têm sido um estímulo”, afirma a religiosa. 
Ao comentar sobre a necessidade da humanidade dar um passo novo na direção da cultura do acolhimento, o presidente da CNBB e arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor de Oliveira, destacou o princípio da solidariedade. Para o bispo, seguir esta premissa significa se reconhecer como corresponsável pela vida de todos que partilham a Casa Comum.
“Não existem estrangeiros. Somos todos de uma mesma família – filhos e filhas de Deus. Importante também refletir: cada pessoa, indistintamente, é migrante. Está a caminho do Reino Definitivo, em permanente peregrinação. Além disso, tantos nós já deixamos cidades, estados, descendemos de famílias que vieram de outros países. Devemos ver com clareza a realidade: as muitas fronteiras não podem ser obstáculo para gestos fraternos de acolhida e auxílio a quem sofre”.

Migração e Refúgio no Brasil

No Brasil, existem entre 1,3 a 1,5 milhões de migrantes internacionais, segundo o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH). Em relação especificamente aos refugiados, há, no Brasil, aproximadamente, 43 mil pessoas reconhecidas nesta condição, sendo que, aproximadamente 38 mil são venezuelanos.
No estado de Roraima, no extremo norte do Brasil, na região amazônica, há duas fronteiras. A mais conhecida é a fronteira com a Venezuela, de onde já entraram mais de 250 mil imigrantes venezuelanos. A segunda fronteira é a da Guiana, de onde chegam os haitianos que seguem viagem para outros estados do Brasil.
Segundo Dom Mário, as dificuldades são muitas, sendo a primeira econômica. Os venezuelanos, segundo o bispo, chegam cansados, com fome e doentes. “Nem todos conseguem espaço em um abrigo movimentado e organizado pelo governo local, ou pelo governo federal em Pacaraima, que é onde fica a fronteira com a Venezuela, ou até mesmo em Boa Vista, capital. Portanto, muitos ficam nas ruas. São famílias, mulheres grávidas, crianças e até pessoas idosas sem o mínimo de higiene e alimentação”.
Já na fronteira da Guiana, Dom Mario frisa que a escolha dessa fronteira, como local de entrada para o Brasil, deve-se pela facilidade de documentação, mas alerta: “Muitos são vítimas dos chamados coiotes, inclusive as crianças e adolescentes desacompanhados”.

Dificuldades acentuadas com a pandemia

O desemprego no mercado informal – o maior contratante de migrantes e refugiados – e, consecutivamente, a fome e a dificuldade de renda para manter aluguel e serviços básicos de sobrevivência são as principais dificuldades enfrentadas em meio à pandemia de coronavírus por pessoas de outras nacionalidades que decidiram tentar a vida no Brasil. “Neste tempo de pandemia, em que dizemos “fique em casa”, muitos ficam sem comida, muitas vezes, doentes e sem um lar”, alerta Dom Mário.
Tanto o SJMR, como o IMDH e a Diocese de Roraima têm implantado serviços para socorrer essa população neste tempo de maior sofrimento. Padre Agnaldo conta que o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, cuja missão é acompanhar, servir e defender as pessoas deslocadas à força, desenvolve seu serviço em cinco áreas: Proteção, Meios de Vida, Integração, Incidência e Pastoral.
Diretor nacional do SJMR, padre Agnaldo Pereira/ Foto: SJMR
O sacerdote conta também que o SJMR tem disponibilizado telefones de plantão para o atendimento das situações de emergência, assim como disparou um formulário para identificar as demandas prioritárias nesse tempo de pandemia.  
“Muitos conseguiram acessar o benefício emergencial do governo, mas muitos outros não, devido a não terem como acessar o sistema de cadastro em computador ou celular, e até mesmo entender o formulário que se encontra apenas em português, pois muitos deles ainda não dominam a língua local. Não podemos esquecer que ainda temos, no Brasil, milhares de migrantes e refugiados em situação de rua, desde a fronteira e os grandes centros urbanos, de modo que não temos como falar em prevenção, cuidado com a higiene ou distanciamento social”, diz padre Agnaldo Pereira.
Em Roraima, Dom Mário conta que há mais de seis mil pessoas abrigadas e assistidas pela “Operação Acolhida”, um serviço prestado pelo estado brasileiro através do exército e entidades parceiras. Os abrigos se localizam em Boa Vista e na fronteira. Mas também tem mais de quatro mil pessoas em outras ocupações e assentamentos espontâneos, grupos de migrantes que se organizam por conta própria e se estabelecem em precárias moradias e se sustentam com bastante precariedade. “É assim que eles continuam. Uma vida de esperança até conseguirem uma interiorização para outros lugares do Brasil”, comentou.
Irmã Rosita reforça que a Igreja católica, por suas instâncias e organizações – CNBB, Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), Congregações religiosas e Institutos religiosos, Dioceses, Paróquias, Movimentos, Pastorais e grupos de leigos e leigos – está sempre presente de muitas formas em ações de socorro aos migrantes e refugiados. “Promovemos campanhas, buscamos recursos para apoiar e viabilizar atividades junto e em apoio à população migrante e refugiada”.
Diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), Irmã Rosita Milesi/ Foto: CNBB
Frente às necessidades agora neste período de pandemia, estão sendo desenvolvidas ações diretas socioassistenciais. O IMDH, neste conjunto de ações da Igreja, explica a religiosa, vem atuando intensamente neste âmbito, de forma emergencial com distribuição de cestas básicas, roupas de frio, apoio em medicamentos, bolsa aluguel, orientação para acessar o auxílio do governo, entre outros, além de estimular e apoiar a organização dos próprios migrantes, para favorecer a ajuda recíproca e a mobilização da sociedade.
Cançao Nova
www.miguelimigrante.blogspot.com

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