O
problema número um do presidente Jair M. Bolsonaro e de seu governo não são as
forças de oposição, os partidos de esquerda, os movimentos sociais, as
organizações governamentais ou o fantasma do comunismo – como tenta fazer crer sua
tribo de fanáticos. O problema número um do presidente atual, que lhe custa
tantas dores de cabeça e tantas energias, não é senão o próprio bolsonarismo – uma
cobra criada e alimentado dentro de casa.
Cobra
que divulga mentiras, provoca atritos e destila veneno, da mesma forma que os
raios, os trovões e as nuvens prometem chuva. O objetivo principal é manter a
agressão permanente e acesa. No cenário da batalha, os campos são nítidos,
taxativos, precisos. Amigos de um lado e inimigos do outro, partem cegamente para
a luta frontal, aberta e direta. Reduz-se a zero as complexas etapas do
espectro entre a paz e a guerra. Evita-se a lenta e laboriosa tarefa das
negociações, dos argumentos, de uma racionalidade que parece não ter contornos
definidos. Avançar, atirar, recuar, atacar pelos flancos, avaliar a munição e o
poder de fogo, verificar a correlação de força – tudo é exto, calculado,
matemático.
Não
há espaço para conversações inócuas nem para o diálogo tedioso, e menos ainda
para as regras e instâncias da democracia. É nesse campo minado que os
nacionalistas de extrema direita se sentem à vontade, como se estivessem em
casa. Em tempos de crise, de caos e de pânico, com a insegurança e a
instabilidade batendo à porta, o eleitor é levado a votar nos propagadores da
ordem, nas forças da repressão. Ação pronta e enérgica, em lugar de um prolongado
entendimento recíproco! Pouco importa o preço a pagar. Evidentemente, em
qualquer tipo de confronto, algumas vidas sempre devem ser sacrificadas.
Prevalece, porém, a perversa aposta do “quanto pior, melhor”!
A
década de 1930 é um retrato vivo desse tabuleiro de aposta. Crash da bolsa de
Wall Street, em New York, no ano de 1929 – seguido de falências múltiplas e
bancarrota generalizada, extensiva aos quatro cantos do globo. O mundo todo
sofre os reflexos perniciosos de uma crise profunda do sistema capitalista.
Milionários de renome, de uma hora para outra, veem-se transformados praticamente
em mendigos. Qual o resultado? Uma série de governos de direita, eleitos pelo
voto popular, os quais, dez anos depois – sob as bandeiras do fascismo e do
nazismo – levarão o mundo à mais trágica das conflagrações, incluindo as
câmaras de gás do holocausto, a bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, para
não falar das vítimas dos pelotões de fuzilamento no stalinismo. Na tragédia,
os mortos e feridos contam-se às dezenas de milhões, manchando o século XX com
uma das piores barbáries da humanidade.
Medo
e ameaça, depressão e decadência, por uma parte, ascensão e riqueza, prosperidade
e crescimento, por outra, constituem terreno fértil para oportunistas e oportunismos
de toda sorte. Nos fracassos ou nos sucessos extremos, abrem-se generosas brechas
para desvios suborno e corrupção. Disso resulta que a crise brasileira, elevada
à máxima potência devido ao quadro macabro da pandemia, tende a favorecer não
apenas a polarização que se exacerbou nas últimas décadas, mas de forma
particular os que detêm as rédeas do poder, com seus instrumentos e mecanismo
de coação. O clã Bolsonaro, com sua seita de partidários, está consciente de
que, em termos de processo eleitoral, possui maiores chances se operar sobre as
cinzas, as ruínas, os escombros e até sobre os cadáveres anônimos de tantos
caídos.
Semelhante
raciocínio ao mesmo tempo vela e desvela a inércia, o descaso, a indiferença, o
desmonte de políticas públicas sérias e sadias e mesmo o deboche diante do
número espantoso de infectados por coronavírus. “E daí? Lamento! Mas todos têm
que morrer um dia”! Com as forças de oposição adormecidas e com o cidadão
duplamente pressionado pela crise econômica e pelo Covid-19 – está lançada a
aposta!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs,
vice-presidente do SPM – São Paulo, 13 de julho de 2020
wwww.miguelimigrante.blogspot.com
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