Em Cuiabá, 32 mulheres haitianas participaram de um curso de gastronomia brasileira e mato-grossense. Formação oferecida pela Universidade de Várzea Grande (UNIVAG), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), também ensinou às migrantes como empreender. Turma criou uma marca própria de biscoitos a partir de receita típica do Brasil, incrementada com tradições do Haiti.
As histórias são parecidas: Nerzeline Jean, Chrisla Therasme, Yolene Jean e Dana Odilenne carregam no nome sua cultura e origem, o Haiti. Diante dos desafios da falta de emprego na terra natal, elas contaram com o apoio da família para se mudar para o Brasil e, hoje, vivem na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso. Deixaram para trás mãe, esposo, irmã e filhos, na esperança de um futuro melhor.
Recentemente, as quatro tiveram a oportunidade de aprender receitas cuiabanas e criar pratos com influências de seu país de origem durante um curso de culinária oferecido pela Universidade de Várzea Grande (UNIVAG), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Ao longo de 11 dias, elas e outras 28 haitianas participaram da capacitação, que foi elaborada especificamente para atender a vontade que o grupo tinha de se inserir no setor de produção de alimentos. O objetivo do curso, realizado em abril, era estimular o empreendedorismo e a geração de renda para entre as migrantes.
Na formação, as participantes aprenderam sobre as culinárias brasileira e regional de Cuiabá, mesclando esse novo conhecimento com a cultura haitiana para inventar releituras de pratos tradicionais do Brasil. As técnicas abordadas incluíram panificação e confeitaria, além de noções de sustentabilidade para o aproveitamento integral dos ingredientes.
O resultado foi um grande intercâmbio entre as duas culturas e uma porta de entrada para essas mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Elas farão produtos já conhecidos, mas com um novo valor agregado.
O biscoito francisquito, que é típico de Cuiabá, recebeu um novo ingrediente muito utilizado no Haiti, o amendoim, e se tornou o principal produto da nova marca Mulheres do Haiti, desenvolvida pelas trabalhadoras num processo de branding comunitário. “A gente vai fazer francisquito para vender e dar dinheiro. De pouquinho em pouquinho”, explica Dana Odilenne.
A coordenadora do curso de Gastronomia da UNIVAG, Adriene Alexandra Paiva, disse que a intenção foi “mostrar a nossa cultura sem roubar a identidade delas”. Ela destaca a ideia das haitianas de acrescentar castanhas e ervas de seu país de origem como tempero para bolos e panquecas.
Durante as aulas, a barreira do idioma foi facilmente ultrapassada com o auxílio de uma intérprete e com a colaboração de quatro participantes, que se comunicavam bem em português e ajudavam as colegas.
Mulheres do Haiti
O branding comunitário, utilizado em outros projetos da OIT, é uma metodologia que adapta a criação e a gestão de marcas, incentivando o protagonismo dos participantes e incluindo os pequenos produtores no processo.
Segundo Nelson Andreatta, da agência QBrand, o branding comunitário empodera os envolvidos. Geralmente, em modelos tradicionais de concepção de uma marca, quando se faz a reunião para a coleta de informações com o empreendedor, ele já tem conhecimento das atividades e rotina empresariais. Com as trabalhadoras haitianas, a situação é diferente.
Durante a oficina de capacitação, as mulheres conceberam seu produto e definiram os valores associados à marca. Para verbalizarem seus desejos para a identidade visual, elas apresentaram as ideias em cartazes com desenhos e colagens. Destaque das discussões, o principal conceito abordado pelas participantes foi união. A logo criada pela QBrand valorizou elementos da bandeira haitiana e o sentimento de comunidade expressado pelas alunas.
Além da identidade visual, foram criadas etiquetas e uniformes para a venda do francisquito. Os próximos estudos devem definir o ponto de venda dos biscoitos e as necessidades para a embalagem final do produto.
OIT em prol do trabalho decente para migrantes
A OIT viu a necessidade de dar apoio à comunidade migrante na Grande Cuiabá em 2013, quando 21 trabalhadores haitianos foram resgatados de condições análogas à escravidão no setor de construção civil. Com a crise econômica no Brasil, a maioria dos egressos do trabalho forçado retornaram ao Haiti.
Em março de 2017, foram identificadas 78 mulheres haitianas em situação vulnerável na região — entre elas, Nerzeline Jean, de 26 anos. Ela conta que deixou tudo para trás no Haiti e, se estivesse em circunstâncias melhores, traria toda a família para o Brasil. Esse é um sonho comum entre as mulheres da turma do curso.
A capacitação foi desenvolvida em parceria pela OIT e pela UNIVAG, que oferece cursos de Nutrição e Gastronomia de referência no Centro-Oeste. “Dentro do planejamento da extensão e da responsabilidade social da instituição, aceitamos e gostamos da proposta”, afirmou o vice-reitor da Universidade, Flávio Henrique Foguel.
A experiência foi muito bem recebida pelo grupo e gerou uma demanda pela continuidade das atividades. Em breve, a OIT pretende realizar uma nova oficina para que as trabalhadoras padronizem a receita do francisquito e definam uma apresentação profissional do produto pela marca Mulheres do Haiti. Na avaliação de Foguel, “elas aprenderam a empreender”.
Também há a expectativa de um novo curso de culinária para atender o restante do grupo de 78 mulheres inicialmente identificadas em condições vulneráveis.
Onu
www.miguelimigrante.blogspot.com
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