Ação da Defensoria Pública da
União e o Ministério Público Federal afirma que agentes não tinham mandado e
invadiram abrigo "com armas e capuzes". Pedido à Justiça pede que a
União seja condenada a pagar R$ 25 milhões de indenização e que a PF seja
impedida de imigrantes em situação de vulnerabilidade.
A Defensoria Pública da União
(DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) ingressaram, nesta quinta-feira
(18), com uma ação na Justiça para impedir que a União deporte imigrantes
enquanto a fronteira do Brasil com a Venezuela estiver fechada. A medida ocorre
após a Polícia Federal tentar deportar 55 mulheres e crianças que estavam
abrigadas na Casa São José, em Pacaraima, no Norte de Roraima.
Os agentes da PF, segundo a DPU e
o MPF, não tinham mandado judicial para entrar no abrigo. "Na invasão, os
agentes ingressam com armas e capuzes", cita trecho da ação.
A responsável pela casa chegou a
ser levada para a delegacia da Polícia Civil sob a justificativa de que ela
estava cometendo crime contra a saúde pública e aglomeração, ainda de acordo
com o documento da DPU e MPF. Em depoimento, ela citou que duas mulheres passaram
mal durante a abordagem.
"As famílias abrigadas,
tão-somente mulheres e crianças, totalizando cerca de 55 (cinquenta e cinco)
pessoas, foram encaminhadas para deportação".
A ação civil pública pede à
Justiça que a União seja obrigada a pagar indenização de R$ 25 milhões por
danos morais coletivos (veja abaixo demais pedidos). A ação foi protocolada na
2ª Vara da Seção Judiciária de Roraima.
No dia 18 de março de 2020, há um
ano, o Brasil fechou a fronteira com a Venezuela como medida do governo federal
para impedir a disseminação do coronavírus. Mesmo com a restrição, venezuelanos
continuam entrando no país por rotas clandestinas para fugir da crise econômica
e social do regime de Nicolás Maduro.
O G1 procurou a Polícia Federal,
a Advocacia Geral da União, a Casa Civil do governo federal, e a Polícia Civil
de Roraima e aguarda resposta.
"A intenção dessa operação
toda sempre foi essa, deportar as pessoas que estavam abrigadas", afirmou o
defensor público federal Rafael Liberato, um dos autores da ação contra a
União.
No documento, os dois órgãos
citam uma escalada de tensões em Pacaraima entre as instituições públicas e
citam uma "criminalização da prestação de assistência e ajuda humanitária
a migrantes".
"Ao que tudo indica,
entidades religiosas, organizações sociais e defensores de direitos humanos são
os principais alvos da política intimidatória atualmente em curso em Pacaraima.
Por meio da criminalização e da utilização das forças de segurança, indica-se a
busca por deslegitimar e amedrontar as pessoas que prestam o apoio humanitário
ao povo venezuelano", diz trecho da ação.
Imagens obtidas pelo G1 mostram a
movimentação na casa após a chegada dos agentes da Polícia Federal. Uma mulher
filma a ação e diz "Vejam isso! Toda a polícia aqui, invadiram a Casa São
José, onde estão abrigadas mulheres e crianças indocumentadas. Eu sou a dona da
casa, não me mostraram nenhum documento".
A Cáritas Diocesana de Roraima
acompanhou o caso. Em nota, informou que os agentes compareceram ao abrigo São
José para averiguar a situação sanitária diante à pandemia do novo coronavírus.
"Durante a ação, os
policiais constataram que eram migrantes venezuelanos indocumentados. No
entanto, não havia mandado judicial que autorizasse aquele tipo de ação. Os
policiais alegaram que estavam fazendo sem mandado judicial em virtude de um
flagrante delito com base no artigo 268 do Código Penal [infrigir determinação
do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa]", disse a Cáritas, em nota.
A ação da DPU e MPF pede à
Justiça que:
A União seja impedida de fazer
quaisquer atos de deportação, repatriação ou outra medida compulsória de saída
dos migrantes em situação de acolhimento (hipervulneráveis) pela Força Tarefa
Humanitária (Operação Acolhida) em Roraima e no Amazonas, devendo a União
assegurar-lhes o direito de requerer administrativamente a regularização
migratória;
Declare nulas as deportações
sumárias efetivadas contra seis imigrantes citados na ação que já tinham sido
reconhecidos como hipervulneráveis pela Operação Acolhida e estavam sob a
proteção do estado brasileiro, autorizando o reingresso regular nos país, assim
como aquelas que venham a ser realizadas contra pessoas acolhidas pela Força
Tarefa Humanitária;
A União, por meio de seus órgãos
de segurança pública, seja proibida de entrar em abrigos de acolhimento a
migrantes em situação de vulnerabilidade ou em outros locais onde estes vivam,
como residências ou ocupações, fora das hipóteses constitucionalmente
previstas, respeitado o dever de demonstrar previamente a existência de justa
causa e os estritos limites fixados na legislação sobre inviolabilidade de
domicílio;
A União se abstenha de realizar
rondas ostensivas, barreiras de fiscalização ou de controles documentais que
impeçam o acesso de pessoas migrantes aos equipamentos de saúde e assistência
social, públicos e privados, disponíveis em Pacaraima - entre eles, abrigos sob
gestão da Acolhida, ou geridos por entidades socioassistenciais privadas de
qualquer natureza;
A União seja condenada a pagar R$
25.250 milhões por danos morais coletivos em razão da violação massiva e
reiterada de direitos dos migrantes venezuelanos submetidos a ilegais
deportações sumárias promovidas principalmente em Pacaraima;
A União seja condenada a
indenização por danos morais individuais aos migrantes que tenham sido ou
venham a ser deportados;
A União pague multa de R$ de 100
mil para cada situação, individual ou coletiva, que revele o descumprimento de
alguma das medidas já especificadas.
O caso chegou ao Conselho
Nacional dos Direitos Humanos, que emitiu uma recomendação aos órgãos de
segurança para que "não promovam buscas domiciliares sem ordem judicial
com objetivo de identificar pessoas migrantes em situação de
irregularidade".
Também foi recomendado que os
órgãos "abstenham-se de realizar controles documentais que impeçam o
acesso de pessoas migrantes aos equipamentos de saúde e assistência social,
entre outras medidas voltadas à garantia do “pleno respeito à autonomia e
dignidade pessoal de trabalhadoras e trabalhadores de serviços de acolhida
humanitária, organizações internacionais, assistenciais e das entidades da
sociedade civil que atuam na promoção e defesa dos direitos humanos e das
pessoas migrantes”.
Por Vanessa Fernandes e Valéria Oliveira, G1 RR — Boa Vista
G1 RR
www.miguelimigrante.blogspot.com
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