terça-feira, 16 de março de 2021

I Fórum Social Europeu para as Migrações arrancou com debate em Lisboa

 


Coube a Elizabeth Sánchez Ortiz a moderação desta conferência. Migrante equatoriana, responsável pela área de género da Associação Rumiñahui, Elizabeth contribuiu para a construção do Pacto Estatal contra a Violência de Género em Espanha e com a Lei Contra a Violência de Género no Equador.

Antes de passar a palavra aos conferencistas, a ativista defendeu não só o “direito a migrar” como o “direito a não ter de migrar”. E lembrou que os imigrantes têm estado na linha da frente contra a covid-19, muitas vezes numa economia submersa que os remete para a invisibilidade.

Imigrantes são tratados como “cidadãos de segunda categoria”

Beatriz Gomes Dias, professora, ativista pelos direitos das pessoas migrantes e fundadora da Djass-Associação de Afrodescendentes, foi a primeira a intervir.

A também deputada do Bloco de Esquerda lembrou que as pessoas migrantes foram “desproporcionalmente afetadas pela pandemia”. São aquelas que mais perderam rendimentos, que registam maiores dificuldades no acesso ao Serviço Nacional de Saúde e, inclusive, aquelas que ficaram mais expostas ao vírus, sendo as mais infetadas.

Para essa realidade contribuíram, de acordo com Beatriz Gomes Dias, as dificuldades criadas no processo de regularização dos migrantes, a precariedade laboral a que estão sujeitos e as degradadas condições habitacionais com que contam. O que, por sua vez, é reflexo da “Europa fortaleza” em que vivemos e da política de “criminalização da imigração”.

No que respeita à questão sanitária, a ativista alertou que o próprio acesso à vacinação contra a covid-19 pode estar em causa.

Beatriz Gomes Dias defendeu que não podemos aceitar que os migrantes “sejam a mão de obra barata que alimenta o capitalismo” e que lhes sejam negados direitos fundamentais.

E denunciou a exploração desumana a que estes estão sujeitos, a sua “subalternidade” e a sua transformação em “cidadãos de segunda categoria”, que só servem “para produzir riqueza e fazer trabalhos essenciais ao conforto da nossa sociedade”.

À política europeia que apoia esta narrativa e alimenta os mitos em torno da imigração, e à discricionariedade nas decisões de quem pode circular no espaço Schengen, a deputada do Bloco contrapõe com o direito à imigração como um direito fundamental. E defende medidas urgentes que garantam a regularização célere das pessoas migrantes, o seu acesso ao SNS e a apoios sociais.

“Foi normalizado o desrespeito pelos direitos fundamentais dos migrantes”

A conferência inaugural do FSEM contou também com a intervenção de Jille Belisario. A ativista antirracista e feminista, que veio para a Europa como uma jovem refugiada política, é coordenadora da Plataforma Transnacional de Migrantes-Europa (TMP-E). Foi facilitadora fundamental do processo de audiências da 45ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos sobre os Direitos dos Povos Migrantes e Refugiados.

Jille Belisario referiu que descendemos todos de migrantes e repudiou as políticas de discriminação e criminalização das pessoas migrantes implementadas no espaço europeu.

A ativista assinalou que, desde 2015 e 2016, temos vindo a assistir a uma ainda maior militarização das fronteiras e à deportação das pessoas migrantes. Bem como ao crescimento do racismo no contexto institucional, com formações de extrema-direita a ganharem representação parlamentar.

Jille Belisario afirmou que “foi normalizado o desrespeito pelos direitos fundamentais dos migrantes” e defendeu a responsabilização das potências europeias face “ao genocídio em curso”.

A coordenadora da Plataforma Transnacional de Migrantes-Europa assinalou ainda a existência de “racismo estrutural” na Europa, que é “legado do colonialismo” europeu. De acordo com a ativista, tem crescido o racismo, a perspetiva do migrante como “o outro”, o “inimigo”. Assim como tem aumentado a islamofobia.

Jille Belisario defendeu o empoderamento das pessoas migrantes e racializadas, que devem participar nas decisões que afetam as suas vidas.

Europa limita-se a “empurrar as pessoas para trás, para o país de onde estão a fugir”

Giogia Linardi falou em representação do navio humanitário Sea Watch. A ativista pelos direitos humanos repudiou acordos como aquele que foi firmado com a Líbia.

Segundo Giogia Linardi, a política europeia “não assegura qualquer solução”, limitando-se a “empurrar as pessoas para trás, para o país de onde estão a fugir”.

A representante do Sea Watch deu conta dos “horrores indescritíveis” a que as pessoas migrantes estão sujeitas na Líbia, e que têm vindo, inclusive, a ser denunciadas por instâncias internacionais como a ONU. Em causa estão detenções arbitrárias sem quaisquer garantias do respeito pelos direitos fundamentais, violência, tortura e exploração sexual.

Giogia Linardi alertou também para o agravamento das alterações climáticas e subsequente pressão para as fronteiras do Sul da Europa. E apontou a “responsabilidade acrescida de Portugal”, agora na presidência do Conselho Europeu, no sentido de pôr termo às políticas discriminatórias e anti-imigração.

A ativista denunciou, por outro lado, que o governo italiano, com apoio da UE, tem desenvolvido “todos os esforços para retirar a sociedade civil” do Mediterrâneo. Vários ativistas estão “sob investigação” e tem aumentado a sua perseguição e criminalização.

Giogia Linardi advertiu ainda para o facto de a pandemia estar a ser utilizada para discriminar os migrantes, submetidos a quarentenas à qual não são sujeitos os turistas.

“É preciso acabar com a lógica mercantilista e capitalista que alimenta o racismo e a xenofobia”

A última intervenção foi a de Mamadou Ba, ativista e militante anti-racista decolonial, dedicado às lutas pelos direitos humanos das pessoas racializadas e migrantes, que é licenciado em Língua e Cultura Portuguesa pela Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar e titular do Curso de Tradutor pela Universidade de Lisboa.

O ativista fez referência à Carta de Lampedusa, que considera ser um documento útil para falar sobre a migração, e reclamou uma “rutura total com a atual política de imigração”, que deve ser substituída por uma política que seja um “garante de cidadania”, de “direitos políticos, sociais, culturais”.

Mamadou Ba vincou a sua oposição face a “políticas mercantilistas e utilitaristas que reduzem os imigrantes a números”, não os reconhecendo como cidadãos.

Repudiando a “gestão geopolítica da migração”, o ativista defendeu a “liberdade de circulação”, o “direito de ir e vir”, que não pode continuar a ser “um mecanismo de troca” em “acordos de parcerias económicas que transformam imigrantes em matéria-prima”, num “produto económico que serve para chantagear parceiros económicos, sobretudo do hemisfério sul”. E a revogação dos mecanismos de vigilância, como o frontex, da externalização e militarização das fronteiras.

É preciso acabar com a “política de fechamento” e a “cultura de policiamento e criminalização da imigração”. E pôr cobro à “impunidade” face aos atropelos aos direitos das pessoas migrantes, defendeu. Temos de deixar de “olhar para o imigrante como um inimigo”.

“É preciso acabar com a lógica mercantilista e capitalista que alimenta o racismo e a xenofobia”, continuou o ativista, preconizando uma “alternativa política que garanta a mobilidade com dignidade”.

Mamadou Ba alertou ainda que a emergência climática aprofunda a injustiça económica e social. E que a pandemia agravou a “vulnerabilidade de comunidades imigrantes e racializadas”, dando o exemplo de “operações sanitárias que acabam por se transformar em operações militares” e a forma como os imigrantes são apresentados como potenciais focos de contágio, o que alimenta o racismo e o populismo.

I Fórum Social Europeu para as Migrações Lisboa 2021(link is external) é organizado por diversas entidades da sociedade civil na Europa, que, em Portugal, incluem a Rede sem Fronteiras (RSF), Diáspora sem Fronteiras (DSF) e a Casa do Brasil de Lisboa. Entre os dias 15 e 26 de março serão realizadas diversas ações que se dividem entre conferência de abertura, atividades autogestionadas, assembleias de convergências e encerramento com leitura do documento síntese das ações realizadas ao longo do FSEM. O FSEM desenvolve ações em 4 eixos temáticos: Direitos Políticos, Direitos Económicos, Direitos Humanos e Direitos Ambientais, Sociais e Culturais.

esquerda.net

www.miguelimigrante.blogspot.com

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