quarta-feira, 24 de março de 2021

Governo argentino sinaliza acolhimento a imigrantes com a Lei de Migração

 

A Argentina é um dos países que concentram os maiores fluxos de migrantes dentro da América – Foto: Lucia Santa Maria via Flickr – CC

No continente americano, cuja imigração constitui ponto central de sua história, a Argentina ganha destaque. O país platino é um dos que concentram os maiores fluxos de migrantes dentro da América. Nos últimos anos, esse tema acabou levantando diversas discussões. A mais recente veio com Alberto Fernández. O atual presidente argentino decidiu revogar um decreto que facilitava a deportação de estrangeiros com antecedentes criminais.

A mudança revertida por Fernández tinha sido implementada em 2017. Na época, o então presidente Mauricio Macri buscou garantir um maior controle ao ingresso de estrangeiros com antecedentes criminais e agilizar o processo de expulsão de imigrantes criminosos no país. O decreto também estabeleceu uma regulamentação de condições mais rígidas quanto às causas que impedem a entrada e permanência de estrangeiros no país quando sujeitos à condenação criminal. A mudança representava uma alteração pontual dentro da política migratória argentina.

Mauricio Macri havia sido eleito no ano de 2015, após dois mandatos consecutivos de Cristina Kirchner, reconhecido como um governo mais progressista nesse sentido. “A posição do Macri com relação à política migratória simbolizou uma oposição àquilo que era política migratória da Cristina, que foi de abertura, de facilitação das migrações, de acolhimento e de acesso universal dos imigrantes aos serviços públicos argentinos”, afirma Romeu Bonk Mesquita, mestre pelo Instituto de Relações Internacionais da USP.

Já em 2021, foi a vez de Alberto Fernández modificar aspectos da Lei de Migração argentina. O atual presidente derrubou as mudanças de Macri, eliminando alguns endurecimentos do controle migratório. Como argumento, Fernández apontou inconstitucionalidade e uma violação ao processo de assistência e defesa legal dos imigrantes.

“Ele [decreto de Fernández] modifica diversos artigos da Lei de Migração, mas principalmente aqueles que têm a ver com matéria penal, ou seja, com delitos, com processos penais, nos quais os imigrantes estão envolvidos, com revogação de permanência concedida a imigrantes que depois cometem delitos, é uma série de alterações, mas em geral eles estão concentrados todos nessa área jurídica penal”, analisa Mesquita.

A mudança promovida pelo atual presidente acaba afetando uma parcela de imigrantes que vem principalmente de países vizinhos. Cerca de 60% dos imigrantes residentes na Argentina são originários desses países, que chegam ao território argentino em busca de melhores condições de vida: “Eles não têm dinheiro para pagar um advogado, não conhecem a legislação, às vezes, por terem escolaridade baixa, não conhecem a burocracia, não conseguem lidar com o arcabouço burocrático e jurídico que estão enfrentando. Então, obviamente, eles são mais desfavorecidos”.

Também foram envolvidas na decisão as pressões de organizações sociais que atuam em defesa de imigrantes, como o Comitê de Proteção aos Direitos de Todos os Trabalhadores Migratórios e de Seus Familiares da Organização das Nações Unidas (ONU).

Romeu Mesquita, que pesquisa sobre as políticas migratórias argentinas desde o governo Macri, relata que a medida de Alberto Fernández também atendeu a uma parcela de organismos de segurança, que viam as restrições impostas por Macri como excessivas.

Apesar de ter se aplicado a imigrantes envolvidos com a criminalidade, as imposições de Mauricio Macri abriram espaço para a marginalização de outros grupos de imigrantes. “Do ponto de vista da opinião pública, cria um certo estigma, com a Presidência relacionando a imigração à criminalidade. Por mais que não vá para a cadeia, ele [imigrante] se sente vítima de um abuso de poder policial”, afirma, lembrando que, na época de Macri, a Argentina viu crescer o número de fiscalizações policiais a estrangeiros. Além disso, também ganhou repercussão a questão da reunião familiar entre estrangeiros imigrantes, que fora dificultada com as medidas do então presidente.

A oposição, por outro lado, defende que maiores controles seriam uma resposta a procedimentos migratórios alongados e ao crescente número de prisões de estrangeiros, que agora seriam deportados com mais rapidez, caso necessário. Além disso, apontaram que as mudanças de Fernández podem favorecer o narcotráfico.

Romeu Mesquita lembra que as medidas de Macri impostas em 2017 surgiram também como uma forma de mostrar à população que o governo estava comprometido a combater a criminalidade, usando o narcotráfico como alvo.

Com isso, a alteração proposta por Alberto Fernández representa uma mudança radical na forma como o governo enxerga questões que tangem à imigração. “Existe um movimento pendular entre esse vai e vem de preferências ideológicas, a depender de qual coalizão ocupa o governo. É a resposta a uma demanda da sua base e dos seus apoiadores e da sua própria agenda, que serviu para responder o que estava em aberto ainda do governo Macri.”

Jornal  Usp

www.miguelimigrante.blogspot.com

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