O Brasil é considerado um país acolhedor em razão do Art 5º da Lei nº 9.474/1997 (Lei dos refugiados) – Foto: UNHCR/ACNUR Américas – Flcikr
O senso comum brasileiro diz que o País é acolhedor para pessoas de outros lugares do planeta, mas recebe apenas 2% dos refugiados, segundo a ACNUR, agência da ONU para refugiados. Dados do órgão indicam que 114 milhões de pessoas em todo o mundo, no ano passado, foram deslocadas à força, das quais 731 mil vivem no Brasil, a maioria venezuelanos, seguidos por haitianos e cubanos. No total, o Brasil recebe refugiados de 163 países.
A resposta, segundo a professora de Economia Política da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP e coordenadora do Grupo de Estudos Migratórios e Apoio ao Trabalhador Imigrante, Cynthia Soares Carneiro, se deve aos refugiados se abrigarem nos países mais próximos. “Geralmente os refugiados fogem de ameaças através do país mais próximo, por isso recebemos tantos imigrantes e refugiados da Venezuela.”
A docente relata que o número de refugiados no Brasil vem aumentando devido à abertura da fronteira de Roraima e Venezuela no ano de 2018. “Juridicamente, o Brasil é considerado um país acolhedor, em razão do Art 5º da Lei nº 9.474/1997 (Lei dos refugiados). A lei exige o cumprimento aos direitos fundamentais de uma pessoa humana, proibindo a discriminação entre os nacionais e os não nacionais.”
Cynthia chama a atenção para a diferença que existe entre a situação de refugiado e de imigrante. “Geralmente, os refugiados não têm muito a decisão de vir para o Brasil. Eles precisam ir para um lugar onde eles possam se integrar e viver com segurança.”
Brasil é país de trânsito
Outro motivo para os refugiados virem para o Brasil é o fato de as fronteiras da Europa e dos Estados Unidos estarem fechadas para refugiados e para imigrantes. O Brasil é visto como um país de trânsito, onde os refugiados ficam apenas de passagem. “Isso acontece porque eles preferem outros países, principalmente os venezuelanos, que já possuem uma tradição migratória para os Estados Unidos. Outro motivo é a falta de conhecimento dos refugiados sobre as leis do Brasil.”
Em reportagem do portal da ACNUR, o representante da agência no Brasil, Davide Torzilli, diz que o País historicamente tem tido uma política de asilo, de proteção internacional muito aberta. “O Brasil historicamente tem recebido refugiados de várias partes do mundo, também de crises que são muito distantes, muito longe do Brasil. Através do visto humanitário, o Brasil recebe milhares de refugiados da Síria, do Afeganistão, assim como também está recebendo refugiados da Ucrânia.”
Políticas públicas
No ano de 2019, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) declarou que todos os venezuelanos poderiam ser passíveis de refúgio por grave violação de direitos humanos. Foi a primeira vez que o Brasil admitiu o refúgio por graves violações de direitos humanos e não apenas por perseguições, risco de vida e risco à integridade física. “Geralmente apenas países que estavam em guerra podiam pedir refúgio”, relata a professora.
A docente explica que a legislação proíbe o Estado de escolher qual refugiado vai abrigar. “O Estado é obrigado, ele tem o dever de receber um refugiado que solicita refúgio do seu território, porém, para isso acontecer, a pessoa precisa primeiro sair do seu território e depois chegar no território de um outro Estado e nesse outro Estado ele solicita proteção.”
Já o asilo significa que a proteção será dada após a análise do refugiado, ou seja, ele teria que aguardar para poder sair do seu país. Em 1951, o Estado ratificou a Convenção das Nações Unidas, uma convenção feita para proteger os europeus das situações de guerra que assolaram a Europa desde 1905; e foi estendido depois, em 1969, para todas as nacionalidades do mundo que estivessem sofrendo com conflitos armados.
“Os critérios para que o Brasil adote um refugiado não são regras que tendem a avaliar, mas de entender o momento certo de receber ou não os refugiados que solicitam refúgio”, explica a docente.
Existe ainda uma terceira categoria, a Acolhida Humanitária. Nela, o Brasil abriga as pessoas que não se enquadram juridicamente nos requisitos de caracterização do acolhimento de uma pessoa refugiada.
“O Brasil tem muitas boas práticas e segue com esse compromisso de fortalecer a proteção internacional. E o Brasil vai ser um campeão, seguramente a nível regional, mas também a nível global”, sentencia Torzilli.
*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior
jornal.usp.br
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