"Vim para Nova York sonhando com um futuro melhor."
É o que diz sorrindo Beruska*, de 22 anos, sentada ao lado de uma sacola cheia de doações de alimentos e produtos de higiene em uma sala do Museu Metropolitano de Arte de Nova York, mais conhecido como MET.
É um dos museus mais famosos do mundo, onde anualmente é realizado o Met Gala, evento beneficente que reúne celebridades internacionais com seus vestidos extravagantes.
Beruska, por sua vez, é venezuelana e está grávida de 9 meses. Há dois anos, ela saiu do Equador caminhando rumo aos Estados Unidos.
No trajeto, ela passou sete dias na selva, foi roubada no México, atravessou o Rio Bravo (conhecido como Rio Grande nos EUA), e chegou ao território americano no início de novembro — sem nada.
"Parecia que ia morrer ali. De tanto chorar, comecei a sentir dor no estômago", diz ela à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, na sala aquecida do museu, enquanto a temperatura do lado de fora chegava perto de 0 °C.
Agora, ela dorme em um dos hotéis — alguns com até quatro estrelas — designados pela prefeitura de Nova York para receber os mais de 22 mil migrantes que chegaram à cidade desde abril passado: muitos são venezuelanos fugindo da crise econômica em seu país; outros estão tentando escapar da insegurança na América Central.
Em outubro, o prefeito de Nova York, Eric Adams, declarou estado de emergência quando os abrigos começaram a lotar devido ao grande número de migrantes — que, em sua maioria, depois de cruzar a fronteira no Texas ou no Arizona, chegaram de ônibus a Nova York.
Esses ônibus são custeados por organizações beneficentes e, agora, sobretudo, por governos estaduais republicanos que querem dar um golpe político ao transferir o desafio da imigração para territórios democratas, como Nova York.
A cidade chegou a montar uma tenda gigante na Randalls Island durante quase um mês, como forma de ampliar a oferta de alojamento.
'Crise humanitária'
A cidade de Nova York enfrenta "uma crise humanitária sem precedentes", informou o gabinete do prefeito em um comunicado ao prorrogar o estado de emergência em 21 de novembro.
"Se os solicitantes de asilo continuarem chegando no ritmo atual, a população total dentro do sistema de abrigos ultrapassará 100 mil pessoas no próximo ano", alertou.
Trata-se de um número nunca antes registrado nos abrigos da cidade, segundo as autoridades locais.
Historicamente, a cidade de Nova York sempre foi um farol para os migrantes. É o que mostra seu símbolo: a Estátua da Liberdade.
No século 19, a estátua deu as boas-vindas a milhares de migrantes de vários continentes que buscavam na cidade americana um novo lar.
Mas essa nova onda de migrantes que cruzam a fronteira sul dos Estados Unidos está colocando à prova sua reputação de "cidade-santuário": as autoridades locais se recusam a aplicar as duras políticas de migração do governo federal.
Por lei, Nova York deve dar refúgio a quem solicitar.
"Não estamos dizendo a ninguém que Nova York pode abrigar todos os migrantes da cidade. Não estamos incentivando as pessoas a enviar oito, nove ônibus por dia. Estamos dizendo que, como cidade-santuário e com direito à moradia, vamos cumprir nossa obrigação", declarou Adams em setembro.
Mais de dois milhões de migrantes foram detidos na fronteira entre os Estados Unidos e o México no ano passado, um número recorde que preocupa politicamente o governo de Joe Biden.
A maioria dos que tentam cruzar a fronteira a pé são venezuelanos, nicaraguenses e cubanos, segundo dados do Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês).
Mais de 150 mil venezuelanos conseguiram entrar em território americano pela fronteira com o México durante o último ano fiscal, um aumento de 293% em relação ao ano anterior.
É por isso que, em meados de outubro, o governo de Joe Biden decretou que "os venezuelanos que entrarem nos Estados Unidos sem autorização por áreas localizadas entre os portos de entrada serão devolvidos ao México".
O CBP afirma que, desde que essa medida foi aplicada, houve uma queda significativa de 35% de setembro (33.804) a outubro (22.044) no número de venezuelanos que tentavam cruzar a fronteira.
O governo também criou um sistema para que 24 mil venezuelanos cheguem legalmente, nos moldes do sistema criado para receber os ucranianos que fogem da invasão russa.
Em geral, as autoridades processam os migrantes na fronteira — eles são então liberados e autorizados a se movimentar pelos EUA enquanto aguardam o processo judicial de solicitação de asilo, que em alguns casos pode levar anos.
Fim do Podcast
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