A ascensão de
governos de extrema-direita em uma série de nações do planeta, o endurecimento
da legislação migratória por parte dos mesmos, as mudanças climáticas sempre
mais rigorosas, o desemprego-pobreza-miséria-fome e a pandemia da Covid-19,
entre outros fatores, concorrem para concentrar milhões de migrantes nos
chamados “complexos fronteiriços”. Esses territórios nevrálgicos, em que se
encontram dois ou mais países, tornam-se pontos de convergência para aqueles
que se viram impossibilitados de migrar de forma legalizada, com passaporte e
ou visto, através do aeroporto, etc. A proporção é inevitável: quanto mais
exigente a migração legalmente autorizada, maior a concentração nessas áreas
geográficas.
Tais
“complexos fronteiriços”, de per si, costumam ser lugares permeados por uma
considerável ambiguidade: terra de ninguém, porém, ao mesmo tempo, terra de todos.
Ali se encontram, se misturam, se confundem e se fundem línguas, bandeiras,
costumes, como também diferentes expressões culturais/religiosas. Os confins
que limitam Estados Unidos e México, a Venezuela com a Colômbia ou com o
Brasil, o Haiti e a República Dominicana, o Peru, Chile e Bolívia, Bangladesh e
Mianmar; mas também as rotas que unem/separam África, Oriente Médio, Ásia e
Europa, ou aquelas no interior mesmo desses continentes, como por exemplo, o
Mediterrâneo e os Balcãs – constituem zonas de grande afluência de gente em
fuga, seja enquanto refugiado ou migrante por razões socioeconômicas. É o que
se verifica em localidades são distintas quanto Líbia, Turquia, Panamá,
Guatemala norte da Indonésia, e assim por diante.
Mas o ponto a
ser destacado aqui é o enorme potencial de possibilidades que se abrem nessas
encruzilhadas. Se é verdade que os caminhos se fecharam para a grande maioria
que passa pela fronteira territorial/geográfica, também é certo que aí se
descortinam muitas veredas, diversas e inesperadas. Um bom exemplo disso
verifica-se na obra fictícia – mas não menos real – de John Steinbeck, As
vinhas da ira, onde os migrantes ao se cruzarem junto aos pontos de parada, no
decorrer da viagem entre Oklahoma e a Califórnia (USA), vão acumulando
informações que lhes haverão de ajudar na busca por pão, casa e trabalho.
Certo, não raro a fronteira é formada por desertos, mares e florestas, mas nela
se entrelaçam experiências múltiplas e plurais, que terminam por fecundar novos
saberes. O caminho e o intercâmbio se convertem em escola.
Essa última,
entretanto, também tem sua carga de risco e de ambiguidade. Tanto pode ser uma
descoberta de novas oportunidades, quanto um atalho para oportunismos. Em uma
palavra, no terreno movediço, minado e escorregadio dos “complexos
fronteiriços” proliferam, ao mesmo tempo, ervas daninhas e plantas viçosas. O
bem e o mal caminham de mãos dadas, muitas vezes travestidos e irreconhecíveis.
O joio e o trigo crescem juntos, como nos lembra a parábola do Evangelho (Mt 13,
24-30). Ao mesmo tempo que os encontros, conversas e troca de ideias entre os
migrantes, na estrada, podem pavimentar um futuro mais promissor, podem
igualmente tropeçar com os “gatos” que vivem do tráfico e da exploração dessa
população desenraizada e extremamente vulnerável. Os oportunistas estão sempre
à espreita, atrás de cada curva, para extrair do incauto migrante cada centavo
de dólar, abandonando-o depois ao próprio destino. Quantos já perderam a vida
nas águas bravias dos mares, nas areias escaldantes do deserto ou nos desvios
que não passam de armadilhas!
Se de um lado
o oportunismo se mantém vivo e astuto – “os filhos do mundo são mais espertos
que os filhos da luz” (Lc 16,8) – de outro lado a verdadeira “escola solidária”
do caminho e da fronteira aponta o rumo de oportunidades antes ocultas. Para
isso contribuem poderosamente as redes de parentesco ou de amizade, bem como o
progressivo conhecimento de pessoas, lugares e relações que vão se somando e se
multiplicando. Caminhar com os pés no chão e os olhos fixos no horizonte
torna-se para o migrante um novo saber. Instrumento indispensável para vencer
os perigos de um vaivém que pode se estender por semanas, meses ou até anos.
Pe. Alfredo
J. Gonçalves, cs,– São Paulo, 22/09/2022
www.miguelimigrante.blogspot.com
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