sexta-feira, 1 de novembro de 2019

INTEGRAR COM DIGNIDADE NO SEMINÁRIO “MIGRAÇÕES, ESPORTE E RELIGIÕES”

A integração dos migrantes nos países e sociedades de acolhimento foi o quadro em que se realizou o seminário “Migrações, Desporto e Religiões”, esta quinta-feira, no Comité Olímpico de Portugal (COP), numa parceria com a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP).
A abrir os trabalhos, José Manuel Constantino, presidente do COP, alertou para as dificuldades que se colocam nesta área, sublinhando o papel desempenhado pelo desporto: “Com as migrações, o processo de integração é complexo, mas o desporto tem aqui um papel importante, porque é uma linguagem comum.”
José Manuel Constantino explicitou, depois, o papel que tem cabido ao COP nesta problemática: “Em colaboração com o Comité Olímpico Internacional (COI), temos um programa de acolhimento e procuramos com as organizações que estão no terreno facilitar o processo de integração.”
Rui Proença Garcia, professor catedrático da FADEUP, formulou uma questão para lançar o seminário, no qual foi moderador do primeiro painel de conferencistas: “O que pode o desporto contribuir para o acolhimento de migrantes?”, tendo de seguida deixado uma resposta inequívoca – “só o desporto com valores poderá ter utilidade para o acolhimento de tantas pessoas que nos procuram.”
“Desporto, Migrações e Racismo” deu título à comunicação de Adriano Moreira, professor catedrático e conselheiro de Estado, que sublinhou a existência de um fenómeno que marca a atualidade: “O verbo eu é mais do que o verbo nós, e as linhas de separação são cada vez mais acentuadas”. Alertou depois para um problema que domina a agenda mundial e tende a favorecer novas migrações: “Os problemas do ambiente vão desenvolver movimentos de populações à procura de territórios.”
Adriano Moreira considera que “o desporto é um grande instrumento para apagar as linhas vermelhas”, num quadro em que a diferença entre cidadãos tem sido acentuada historicamente: “Foi a ocidentalização imperial que fez emergir a importância do racismo”, no estabelecimento “da linha vermelha” entre dominadores e subjugados. O problema expressou-se no nazismo, defendeu, e “hoje reapareceu com o drama das migrações. O Mediterrâneo das nossas glórias foi transformado no cemitério dos abandonados.”
Na sua comunicação, Adriano Moreira reforçou ainda ser “extremamente perigoso criar bairros de minorias não assimiladas, porque fomentam a discriminação, o primeiro passo para o reaparecimento dos mitos raciais. Aqui desponta o problema da integração”. Que pode ter o desporto como uma solução. “O desporto avulta como uma valiosa contribuição” sem distinção de raças, “foi isso que terá levado o Papa Francisco a destacar Eusébio na sua visita a Moçambique”, concluiu Adriano Moreira, defendendo ainda que “o desporto é um aglutinador de vontades, transmite valores importantíssimos, é um complemento indispensável. Faz sonhar e isso é das melhores coisas da vida.”
Pedro Vaz Patto, juiz e Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, falou sobre “Cristãos, muçulmanos e a cultura do encontro”, sublinhando que “uma cultura forte não se perde no contacto com outras”, pelo contrário, “consolida-se com o ideal de fraternidade universal. A globalização e os fluxos migratórios são um fenómeno incontornável”, sendo “o estabelecimento de pontes” entre diferentes religiões e culturas o caminho a seguir.
A terminar, Pedro Vaz Patto citou o Papa Francisco: “Ou construímos juntos o futuro ou não haverá futuro.”
No painel seguinte, moderado por Rita Nunes, diretora do Departamento de Estudos e Projetos do COP, Paulo Mendes Pinto, Diretor do Departamento de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, interveio sobre “Refugiados: a tensão entre a escravatura e o direito ao refúgio”. O conferencista aludiu à “Odisseia”, de Homero, e ao episódio em que Ulisses aporta à ilha dos Faiases, no qual pediu asilo ao rei Alcino. “É tratado, alimentado e só depois lhe perguntam quem é – a ordem dos fatores aqui não é arbitrária”, sublinhou, para mostrar como na mitologia se colocavam os termos da integração.
Paulo Mendes Pinto, de seguida, citou Sócrates: “Quem me dera não ser grego nem ateniense, mas cidadão do mundo” – ilustrando o fenómeno que se punha então, em que só havia direitos de cidadania para os habitantes de cada cidade, sendo os estrangeiros equivalentes a escravos.
“O Olimpismo Moderno nasce dos desafios do supranacionalismo”, lembrou, a concluir, o conferencista, tendo defendido posteriormente que o Movimento Olímpico é líder na questão da integração pelo desporto.
A equipa olímpica de refugiados
“A equipa olímpica de refugiados e o seu efeito no apoio global a atletas refugiados” foi o tema da conferência de Gonzalo Barrio, gestor do projeto da equipa olímpica de refugiados no âmbito da Solidariedade Olímpica e do COI.
Gonzalo Barrio enquadrou o nascimento do projeto, lembrando que “entre 2014 e 2015, os refugiados ascenderam a mais de 60 milhões e foi nesse contexto que nasceu a ideia da equipa olímpica.”
Começaram no projeto 43 atletas de dez países, em março de 2016, para apurar um grupo final de dez atletas participantes nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, com a antiga atleta queniana Tegla Loroupe a assumir a função de chefe de missão.
“Os resultados desportivos superaram as expectativas e todos foram um símbolo muito forte do que os refugiados podem fazer se forem apoiados”, considerou Gonzalo Barrio.
Um novo programa de apoio nasceu para o perído 2017-2020, no âmbito dos Comités Olímpicos Nacionais e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com um orçamento de três milhões de euros.
“Quero felicitar o COP por ter sido o primeiro a receber uma bolsa deste projeto”, disse o gestor de projeto, tendo sublinhado as virtualidades do trabalho desenvolvido em Portugal, onde os atletas são integrados em pleno.
Barrio destacou igualmente o projeto do italiano Niccolo Campriani, tricampeão olímpico de Tiro, no qual são apoiados dois atletas refugiados na tentativa de se qualificarem para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.
Paula Abreu, da FADEUP, moderou o primeiro painel da tarde, iniciado com a conferência que explicitou o projeto do COP “Viver o Desporto – Abraçar o Futuro”, a cargo de Maria Machado. Este é um projeto que tem como um dos seus principais objetivos promover a inclusão e a coesão social através do desporto, e é apoiado pelo COI.
Maria Machado esclareceu o modo como o projeto está a promover a integração na sociedade portuguesa através do desporto, sendo o futebol a modalidade mais procurada (36%) pelos migrantes.
O testemunho de Farid Walizadeh
Farid Walizadeh, 22 anos, originário no Afeganistão, atleta de Boxe, refugiado integrado no Programa de Preparação Olímpica Tóquio 2020, deu testemunho da sua história de vida que o levou a cruzar vários países, depois de perder os pais, até chegar a Portugal.
“Sempre quis ser um atleta olímpico, é um sonho que nunca pensei ser possível realizar. Se os outros treinam uma hora, eu tenho de treinar duas ou três. Se os outros atletas suam, eu sangro. Eu vou lá estar”, prometeu, sublinhando o papel desempenhado por quem o tem enquadrado, em Portugal. “Os meus treinadores são também a minha família.”
Na assistência esteve igualmente Dorian Keletela, atleta nascido no Congo-Brazzaville, refugiado em Portugal, que também procura chegar aos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, na modalidade de Atletismo (100m).
Parceiros e instituições acolhedoras de migrantes deram testemunho das suas experiências, num painel moderado por Rui Tavares Guedes, diretor-executivo da Revista Visão, parceira de media do seminário. Os testemunhos foram os seguintes: “Uma experiência de acolhimento com o desporto em Miranda do Corvo”, por Jaime Ramos, Presidente da Fundação ADFP – Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional; “O papel da Associação de Futebol da Madeira no acolhimento de luso-venezuelanos na região”, Rui Marote, Presidente da Associação de Futebol da Madeira; “A imigração (i)legal no desporto português – O caso do futebol”, Joaquim Evangelista, Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol; “Espírito de Campeão”, Dora Estoura, Coordenadora Casa de Acolhimento para Crianças Refugiadas / Conselho Português para os Refugiados; “Promover a integração”, Nuno Costa Jorge, Centro de Acolhimento Temporário de Refugiados de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa; e “Acolher e Integrar”, Catarina Lima, Plataforma de Apoio aos Refugiados.
Gabriela Medeiros, da FADEUP moderou o painel em que participou Vítor Serpa, diretor do Jornal A Bola, autor da comunicação intitulada “O papel da imprensa desportiva junto da diáspora”. Serpa caraterizou o que eram as comunidades de emigrantes portugueses no exterior no final do século passado. “Às vezes formou-se um pequeno Portugal em cada uma das cidades estrangeiras. A ideia de que o emigrante português se integrou na perfeição nas comunidades locais é uma ideia do nosso imaginário.”
O diretor de A Bola defendeu que “os grandes campeões do desporto português”, como Joaquim Agostinho, Carlos Lopes e Rosa Mota, entre outros, “fizeram muito pela afirmação de Portugal no mundo”, tendo posteriormente reforçado a ideia de que o jornal que dirige foi um meio fundamental para ligar a diáspora portuguesa no estrangeiro a Portugal.
Submissão voluntária”
“O Islão e os Refugiados” deu título à conferência de David Munir, Sheik/Imã da Mesquita de Lisboa, que esclareceu o significado da palavra Islão, “submissão voluntária” e também “a paz”, tendo dissertado depois sobre a crença monoteísta e as interpretações que dela se fazem.
David Munir explicitou o papel da comunidade islâmica no acolhimento dos muçulmanos refugiados em Portugal, sublinhando que tem assumido a logística integralmente. “Hoje temos alguns refugiados descontentes”, revelou, dizendo qual é a mensagem que lhes passa e que assenta na crença: “Sê paciente e sê grato àquilo que você tem.”
O Sheik defendeu que no desporto não deverá existir divisão entre atletas, seja de que ponto de vista for e, a terminar, deixou o convite à audiência para uma visita à Mesquita de Lisboa.
Rui Proença Garcia, da FADEUP, fez as considerações finais, chamando a atenção para a palavra que cruzou o dia de trabalho – “dignidade”.

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