quinta-feira, 23 de março de 2017

MIGRAÇÃO, BIOMAS E BEM VIVER


Seguindo de perto as pegadas da Campanha da Fraternidade (CF/2017), a Semana do Migrante deste ano tem como tema Migração, biomas e bem viver; e como lema Uma oportunidade para imaginar outros mundos. Será realizada de 18 a 25 de junho, através de celebrações específicas, encontros, seminários, atividades culturais, romarias, manifestações públicas e outras iniciativas de caráter sociopastoral.

De acordo com o texto-base da CF/2017, o termo bioma representa um ecossistema regional onde se entrelaçam diversas formas de vida – biodiversidade – umas dependendo das outras para a própria sobrevivência. E todas se enriquecem e se defendem reciprocamente com os nutrientes daquele meio ambiente próprio. São seis os biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal e Pampa.

Tanto a Semana do Migrante quanto a CF/2017 nos remetem à carta encíclica Laudato Si’, escrita e publicada em junho de 2015 pelo Papa Francisco. Esta encíclica, por sua vez, toma de empréstimo a expressão de São Francisco de Assis no célebre Cântico das Criaturas. Três preocupações básicas permeiam a iniciativa do Santo Padre, da CNBB e do SPM: o evangelho da criação, a ecologia integral e o cuidado com a casa comum. Vejamos uma a uma.

1. Evangelho da criação

Na exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013), escrevia o Papa Francisco no início de seu pontificado: “Hoje (...) considera-se o ser humano como um bem de consumo, que se pode usar e jogar fora. Demos início à cultura do ‘descartável’ que, além do mais, vem sendo promovida. Não se trata simplesmente da exploração e da opressão, mas de alguma coisa nova: com a exclusão atinge-se, na sua raiz, a pertença à sociedae na qual se vive. Nessa, não se está nos porões, nas periferias, ou sem poder, mas se está fora. Os excluídos não são somente ‘explorados’, mas ‘rechaçados’, ‘descartáveis’” (n. 53). O tema será retomado na Laudato Si’, onde a própria criação vem reconhecida como uma boa nova evangélica, no sentido de considerar a vida em todas as suas formas e potencialidades.

Evidente que a cultura do “descartável” não está no plano de Deus. O primeiro livro da Bíblia fala de “cultivar a criação” (Gn 2,15), não explorá-la acima de seu ritmo e de seus limites naturais. A exclusão social pressupõe, por um lado, o uso abusivo e indiscriminado dos recursos que o Criador colocou à disposição da vida e, por outro, o desperdício de toneladas e toneladas de alimentos. O resultado dessa combinação funesta e criminosa são os milhões de subnutridos e famintos, obrigados a pôr-se em caminho por todo o planeta. De fato, na pobreza, na miséria e na carência encontram-se os principais motivos da migração forçada, seja ela no interior de um mesmo país, dentro de uma região ou no cruzamento de continentes e oceanos. Defender a criação, cuidar dela, é proteger a sua capacidade de gerar vida em todas as suas formas.

2. Ecologia integral

Os debates sobre a ecologia integral, a preservação do meio ambiente e a economia solidária e sustentável tem atravessado várias décadas. Nestas, assiste-se ao processo crescente, e negativo, do aquecimento global, do desflorestamento agressivo, do processo de desertificação e devastação, bem como da poluição do ar e das águas e do consequente desaparecimento de numerosos espécies de vida. Felizmente, com esse processo cresce ao mesmo tempo, e de forma positiva, a consciência sobre a necessidade de defender e de cuidar o ritmo de vida no solo da mãe Terra.

Os ataques aos ecossistemas naturais são múltiplos e depredatórios. A “economia que mata” – para voltar às palavras do Papa Francisco – lança-se sem escrúpulos e sem freios sobre os recursos naturais, transformando-os em mercadoria. Seu objetivo é a acumulação progressiva de capital, e seu motor é o lucro a qualquer preço. Com isso, muitas vezes, a extração de minério, a criação de
gado e produção de carne para exportação, a expansão da cana-de-açucar e da soja, entre outros fatores, ao longo do tempo causam a extinção de plantas e animais típicos dos diversos biomas. Atingida a fauna e a flora, atinge-se igualmente a vida humana.

Semelhantes ataques à vida requerem uma defesa redobrada da mesma. Com efeito, diante de cada espécie de vida que desaparece da face da terra, a sobrevivência humana torna-se, ela também, mais frágil. E novamente aqui, a agressão ao meio ambiente é uma das causas da fuga em massa. Na medida em que muitas catástrofes “naturais” se acentuam devido à ação humana – inundações, tornados, secas, furacões, etc. – entra em cena uma nova personagem: o refugiado climático. Hoje já se contam aos milhões. Daí que o cuidado e a defesa dos biomas ou ecossistemas ajuda a promover, além do direito de migrar, também o direito de permanecer na sua terra natal como cidadão, protegido nos direritos à sua dignidade humana.

3. Cuidado com a casa comum

Guiados ainda pelas palavras do Santo Padre, “o cuidado com a casa comum” (Laudato Si’) exige a passagem do viver bem para o bem viver. No viver bem, prevalece o egocentrismo de uma geração que utiliza todos os recursos à sua disposição para uma vida de luxo e prazer imediatos. O “hoje, aqui e agora” se sobrepõe à construção de um projeto que leve em considerção e respeite, por um lado, as leis naturais de cada bioma e, por outro, o direito das gerações futuras. O narcisismo hedonista em desfrutar uma vida centrada em si mesmo impede as lições da boa tradição do passado e o planejamento do futuro. Instala-se o império do presente!

O bem viver, por outro lado, procura antes o desenvolvimento integral, social e ecologicamente sustentável, para equilibrar a política econômica e a vida humana com as demais exigências dos biomas e da preservação do meio ambiente. Trata-se aqui e usar a ciência e o progresso técnico para buscar alternativas à economia liberal, onde o lucro e a acumulação ganham prioridade absoluta. Mas se trata, também, de pensar uma vida mais sóbria, frugal e digna, tanto do ponto de vista pessoal, familiar e comunitário, quanto do ponto de vista socioeconômico, político e cultural. Nessa tarefa, as responsabilidades devem corresponder aos danos e possibilidades de cada pessoa, família, grupo, instituição ou país.

Utopia, dirão alguns! Sim, mas uma utopia perfeitamente realizável, ao alcance de nossas mãos. Basta levar a sério duas coisas: primeiramente, de um ponto de vista negativo, tomar consciência das causas, consequências e implicações da política econômica atual. Ter presente a ação devastadora do ser humano sobre a natureza e o meio ambiente. Os estragos do capitalismo neoliberal e, em grau menor, de nosso comportamento, levam milhões de pessoas e famílias à estrada, errantes e apátridas, em busca desesperada de um lugar ao sol.

Em segundo lugar, de um ponto de vista positivo, levar em conta a fraternidade entre todos os povos e nações, mas também a solidariedade para com as demais formas de vida e em vista das gerações futuras. Em outras palavras, colher essa “oportunidade para imaginar outros mundos”, como se lê no lema da 32ª Semana do Migrante. É essa, de resto, uma das maiores lições dos próprios migrantes, refugiados, prófugos, expatriados, marítimos, etc.... Carregam na mala e na alma uma espécie de mística ou espiritualidade do caminhante. Da mesma forma que os patriarcas bíblicos, aventuram-se pelas veredas do grande sertão, com a fé e a esperança de encontrar o sol, o ar livre e o direito a uma verdadeira cidadania – mesmo sabendo que todos somos estrangeiros na terra a caminho da pátria definitiva.

Pe. Alfredinho Gonçalves

www.miguelimigrante.blogspot.com

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