Arte: Eugênia Pessoa Hanitzsch
Nascido em Porto Príncipe, capital do Haiti, Benjamin [nome fictício]
tem 21 anos e trabalha em uma tradicional rede de hotéis na região da avenida
Paulista, em São Paulo. Seu ingresso no setor se deu por meio de um curso da
YCI (Youth Career Iniciation), que direciona vários alunos para hotéis
da cidade. “São nove horas de curso por dia, tanto da área prática quanto
teoria, tem inglês também”, conta ele. Para fazer o curso, o aluno conta com
apoio para as refeições e vale transporte. “Ao final, perguntam de qual
departamento do hotel você mais gostou, e você assinala as três áreas que
gostou mais. Eu assinalei room service, manutenção e eventos. O hotel só tinha
vaga em manutenção, e fui efetivado”, explica.
Do total do grupo em que Benjamin estudou, havia seis pessoas, duas
desistiram do curso, duas foram efetivadas e duas não. A outra pessoa efetivada
foi para a cozinha, área que não agradava muito a Benjamin. Ele conta que era o
único estrangeiro da turma, e que “estava procurando cursos para fazer, fiquei
sabendo a respeito na área da República, e uma moça me encaminhou para esse”.
Benjamin morou um tempo no centro da capital paulista, e depois mudou-se para a
Zona Leste. Entre seus sonhos, “pensava em fazer faculdade de engenharia, mas
agora estou mudando de ideia, pensando em fazer Relações Internacionais”.
Enquanto a oportunidade de fazer uma faculdade não chega, Benjamin
investe no seu novo trabalho. “A gente quer ser promovido, tem que se esforçar.
Tem o funcionário do mês, pode ganhar um dinheiro a mais, ou algum presente”.
Ele entra às 7h da manhã e sai às 15h, com uma hora de almoço. Na rotina
desenvolvida ao longo dos oito primeiros meses no trabalho, faz diversas
coisas. “Atendo chamadas dos hóspedes, algumas por meio do aplicativo do hotel,
troco lâmpadas, olho as máquina de ar condicionado… Faço essas coisas no hotel
todo”. Entre as tarefas de que mais gosta, Benjamin destaca a parte de
eletrônica. “Cuido dessa questão em toda a área pública, elevadores, escadas,
banheiros”.
No turno da madrugada, normalmente a área da manutenção conta com duas
pessoas. Mas, atualmente, devido à crise, somente um funcionário cuida dessa
manutenção. No turno da noite, são quatro ou cinco pessoas. E na manhã e tarde
a equipe possui cinco integrantes.
Quando o hotel está lotado, o trabalho da equipe consiste fundamentalmente
em atender as chamadas dos clientes. Mas, quando o estabelecimento está mais
vazio, a equipe de Benjamin até trabalha mais, pois tem que fazer toda a
manutenção preventiva. “Nossa manutenção ajuda também o hotel a ganhar
certificados. Antes, por exemplo, gastavam-se 20 litros por minuto no banho.
Agora, gastam-se 11 litros, após a troca de equipamentos”, comemora.
Crise e
mudanças
Benjamin trabalha com a carteira assinada, “mas sabemos que agora, com a
crise, o hotel está com menos ocupação. Tem menos trabalho também, sabemos que
está bem crítico”. Recebe um salário mínimo, e ele gasta o que ganha. “Ajudo
minha mãe e minha irmã, moramos nós e um primo também”.
Sobre a relação com os hóspedes, Benjamin conta que “alguns são mais
arrogantes, mas você tem que saber que é assim mesmo, que basta tratar como
cliente”. Por outro lado, um integrante da equipe de manutenção “tem
comportamento xenofóbico, contra estrangeiros no geral, contra os haitianos em
específico”, lamenta. Benjamin afirma que “poderia acionar o RH [Recursos
Humanos] por isso, tem um código de ética que me permitiria questionar a
atitude dele, mas fico de boa, prefiro não entrar nessa situação”, pondera.
O cotidiano de Benjamin em São Paulo é emblemático. De suas origens, mas
também da vida de muitas outras pessoas de histórias tão distintas quanto
semelhantes às dele. “Saio muito pouco. Só vou para a igreja à noite. Ou saio
com minha mãe e minha irmã”. A explicação, infelizmente, é óbvia: “Se você é
negro e está andando à noite, acham que isso é sinônimo de drogas. Já fui
abordado com arma na cabeça três vezes”.
Sobre os tempos atuais do Brasil, e as possíveis semelhanças com o que
vivia no Haiti, Benjamin conta que “com a crise, a situação ficou muito difícil
e pessoas que eram legais ficaram mais agressivas aqui”. A mãe dele era
militante e teve que sair do país e ir para a República Dominicana como
exilada, onde ficou por cerca de dez anos. “Ela já morava lá quando teve o
terremoto em nosso país, em 2010. Eu morava em Porto Príncipe. Queria continuar
morando no Haiti. E estou estudando essa possibilidade. É o meu país”.
Antonio Biondi – Especial para a Repórter Brasil
www.miguelimigrante.blogspot.com
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