segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Machado: Um adeus que deixa rastros

 

Maria de Lourdes Soares 

Muitas pessoas a identificavam como “A Lourdinha do Jequitinhonha”. Ela nasceu aos 10 de maio de 1960, em Minas Novas/MG. Migrou para a capital paulista em 1988. Seu percurso de migrante não foi o de uma andorinha solitária, integrou uma rede de mulheres migrantes do Vale que, driblando a rota em direção aos canaviais, encontraram no nicho do emprego doméstico na Grande São Paulo a possibilidade de inserção no mercado de trabalho e algo mais.

O Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) e a Missão Paz abriram espaço para que, no dia da folga, essas mulheres pudessem se encontrar para além dos bancos de uma praça qualquer. A Lourdinha se aferrou a esses encontros e, a partir deles, foi ampliando seus horizontes. Envolveu-se nas atividades do SPM e ingressou no Movimento Leigo Scalabriniano. Participou de missões populares e encontros promovidos pela Pastoral do Migrante. Sempre que podia, ia visitar trabalhadores cortadores de cana, seus conterrâneos, no interior de São Paulo. Morou em vários lugares da capital paulista e, por último, morava e trabalhava em Carapicuíba, na Região Metropolitana, distante do centro de São Paulo. Aos domingos, acordava cedo para deixar o almoço pronto na casa em que trabalhava e, claro, com alguns minutos de atraso, não falhava às reuniões e atividades da Pastoral.

“Lourdes, você não precisa vir a todas as reuniões!”

“Moço – como costumeiramente dizia – eu venho porque vocês são a minha família, vocês são os meus irmãos”. E sorria prazerosamente.

Mas havia outros irmãos. Quando eclodiu a pandemia, Lourdes envolveu-se de corpo e alma para ir ao encontro de Moradores de Rua, doando inclusive sua própria cesta-básica para eles. Ultimamente, também cozinhava para eles na paróquia do seu bairro.

Como migrante, deixou o Vale, mas o Vale não a deixou. Com pequenas economias, construiu uma casinha em Minas Novas para onde sonhava um dia retornar.

A Lourdinha do Jequitinhonha lutou o bom combate, como empregada doméstica ajudou a construir a cidade de São Paulo; animou encontros de pastoral e a rede de mulheres migrantes do Vale; mesmo com dificuldades de tempo, de dinheiro, contribuía para a renovação da fé, da esperança, do amor como abrigos seguros nas estradas dos migrantes, sendo ela própria uma estradeira. 

Aposentou-se em novembro de 2020, e no dia 6 de janeiro do ano que inicia (2021), receberia seu segundo pagamento como aposentada. Só lhe faltava fazer as malas para concretizar o sonho de retornar ao Vale do Jequitinhonha. Mas um AVC se interpôs na travessia e no dia 5 de janeiro de 2021 empreendeu nova rota, a derradeira, rumo ao céu, deixando rastros e saudades.

Por Dirceu Cutti e José Carlos Pereira

www.miguelimigrante.blogspot.com

Um comentário:

  1. Certamente que sentiremos a sua falta junto aos Leigos Scalabrinianos. Vá com Deus moça.

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