O
Brasil é o país mais miscigenado do mundo e a adaptação de brasileiros em
outros países muitas vezes se torna mais fácil por essa proximidade com outras
nacionalidades, atraindo cada vez mais jovens que buscam aperfeiçoar os seus
conhecimentos no exterior. O mesmo crescimento que há alguns anos vem levando
estudantes para fora do país, acontece no sentido inverso, “importando” alunos
para as escolas e universidades brasileiras.
O
Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeiro),
do Ministério da Educação, acompanha a cada ano o aumento na matrícula de
estrangeiros em unidades de ensino. No último censo da educação básica,
realizado em 2015, 70.200 alunos de outras nacionalidades se matricularam em
escolas em todo o território nacional.
O
número é ainda maior quando se abrange os 15.124 alunos ingressados em algum
curso superior no Brasil, segundo o censo de 2014. O alto número de
estrangeiros na educação nacional mostra uma realidade de aceitação dos
brasileiros com pessoas e famílias vindas de outros países.
O
angolano José Caleia, de 36 anos, que chegou a São José dos Campos em 2006,
agora vive no país com a mulher, vinda da Angola, e a filha de sete meses. “Eu
vim para o Brasil por um sonho, de ajudar o meu país estudando e buscando
soluções para a desorganização que me incomodava após o fim da guerra. Quando
passei por São José, meus amigos me incentivaram a prestar o vestibular que
estava aberto e fiz. Para a minha surpresa, passei em 3º lugar, mas voltei para
Angola frustrado por não poder ficar”, conta Caleia.
Aos
26 anos, Caleia buscou de todas as maneiras em seu país conseguir alguma forma
para estudar na cidade que o encantou. Buscou auxílio do Governo da Angola e
foi até o Consul do Brasil, mas foramos missionários da Primeira Igreja Batista
os incentivadores de um futuro do angolano no Brasil. “Um dos grandes motivos
que me fez querer ficar em São José foi pelas pessoas que encontrei na cidade,
conheci o meu pai brasileiro e seus familiares que me acolheram”, lembra.
Depois
de dez anos no Vale, o angolano já pode conhecer muitas das cidades da RMValee
considerar a região uma das mais belas e completas do país. “Poucas cidades me
tiraram de São José dos Campos. O Vale do Paraíba é uma região rica sua
diversidade entre todas as cidades, seja histórica, tecnológica ou turística, e
privilegiada por sua localização, tranquilidade e potencialidade de
desenvolvimento”, completa Caleia ao citar o campus da Univap, o parque
Vicentina Aranha e o CTA como locais com temáticas diferentes, mas que são de
grande importância para ele e para São José.
Atualmente
elecursa o mestrado, pesquisandoa estrutura urbanística e arquitetônica do seu
país. De acordo com Caleia, ele nunca teria em seu país a oportunidade aberta
no Brasil. “A ciência ainda não faz parte da constituição de Angola. As
restrições e burocracias são muito rígidas. Aqui vocês possuem um apoio do
governo ao estudo muito maior e tem uma liberdade de pesquisa e produção
científica. A força das universidades lá é bem menor. Não tem comparação”,
explica.
O
angolano, ao contar o crescimento educacional que teve no Brasil, também
explicou as limitações e diferenças que teve que enfrentar ao chegar e que
ainda existem. “A maior dificuldade foi que me deparei com um estudo
facilitador e mais objetivo. Nas aulas, quando cheguei, eu queria aprofundar
sobre certo tema, mas os alunos só queriam o básico. Eu sempre me perguntava.
‘Porque eles não querem estudar? Porque não gostam muito de pensar?”, explica
Caleia.
A
universitária de publicidade e propaganda, Amalie Beindizen, de 23 anos, vinda
da Dinamarca, se encantou por essa diferença do perfil dos alunos dentro da
sala de aula quando chegou, durante o ensino médio,em Lorena, no ano de 2009.
Mas quando a jovem retornou em 2016, para cumprir um semestre da graduação na
Unitau (Universidade de Taubaté), a diferença em aspectos dentro da sala de
aula surpreendeua jovem.
“Quando
eu estava em Lorena, durante o colégio, não tinha a obrigação de estudar, pois
o estudo não seria considerado pelo governo da Dinamarca, então não prestei
muita atenção. Mas na minha volta, a primeira coisa que me assustou foi que
todo mundo escreve na mão. Eu nem sabia mais como escrever no caderno, por que
no meu país tudo é online”, explica à dinamarquesa.
A
jovem chegou ao Brasil pela primeira vez com 16 anos, em decorrência de uma
busca virtual sobre os países que não utilizassem o inglês como língua mãe e,
ao acompanhar o blog de um intercambista, se encantou pelo país tropical. “Não
fui eu que escolhi Lorena, mas a empresa pela qual eu vim. Ao retornar ao
período de faculdade, decidi vir para Taubaté não pela região em si, mas pelas
pessoas que moram aqui. O pessoal do Vale, de Taubaté e Lorena são as mais
legais entre aquelas de todos os lugares que já passei no Brasil, por isso
sempre volto aqui”, afirma a estudante de comunicação, mesmo explicando que na
próxima vez que vier ao país, quer experimentar morar no Rio de Janeiro.
Amalie,
por ter passado pelo país outras vezes, compreende muito bem a língua portuguesa,
mas ainda encontradificuldades de compreensão com algumas palavras e
expressões. “A minha primeira prova foi de língua portuguesa e foi muito
complicado. Era uma resenha, com perguntas, mas não consegui entender o texto.
Não tinha visto nada igual nas aulas e até um colega falou que estava
preocupado comigo, porque até para ele estava difícil”, relata.
Para
a estudante de jornalismo, Daniela Smith, de 21 anos, que saiu da Bolívia para
morar no Brasil com apenas seis anos, mas começou o curso superior na
Argentina, voltando para São José em 2015,a adaptação ocorreu junto com a suas
lembranças da formação básica. “A minha experiência desde criança no Brasil me
ajudou muito quando voltei para encerrar a faculdade. Os professores me
auxiliaram muito, com total atenção e preocupação para que eu entendesse os
conteúdos das aulas. E essa abertura entre aluno e professor, que não existe em
outros países, facilitou muito”, diz a futura jornalista.
O
aspecto positivo de proximidade que os estudantes têm com os professores também
manifestou uma preocupação entre os alunos estrangeiros. “Na Angola e em outros
países, o professor é uma autoridade, ele manda e nós obedecemos. Nunca tive a
liberdade de chamar um professor de Paulo, mesmo depois de criar uma amizade e
confiança. É uma questão de respeito”, comenta José Caleia.
A
dinamarquesa Amalie lembrou que essa liberdade na sala de aula foi algo incomum
para ela no Brasil. “Eu cheguei antes, sentei no meu lugar e fiquei em
silêncio, como na Dinamarca. Mas logo que começou a prova, todos continuaram
conversando, até a professora contou uma história. Eu gosto desse jeito
brasileiro de não levar tudo tão a sério, mas na prova achei que era
diferente”.
Esses
estudantesavaliam a educação brasileira como boa e que as pesquisas científicas
colocam o país como destaque entre outras nações, mas que a desatenção ao
ensino básico faz com que poucos estudantes alcancem o conhecimento necessário
para realizar uma boa graduação.
A
boliviana lembrou que quando estudou em escolas de Jacareí, em parte do ensino
infantil e médio, o conteúdo acadêmico era forte, mas que existem pontos para
melhorar. “O ensino fundamental é muito forte, pode ser comparado com o dos
Estados Unidos. A única coisa que poderia ser mais bemaproveitada é o estudo da
língua mãe e de línguas estrangeiras”, fala.
“A
educação do Brasil está um pouco atrasada. Parece a Dinamarca há 20 anos. As
pessoas são muito ligadas a tudo, mas se não tiverem um incentivo das escolas e
universidade, vai demorar a evoluir”, relata a Dinamarquesa que ainda sugere
mudança no pensamento dos brasileiros. “Se vocês sempre pensarem nas
possibilidades de alguém fazer o errado, nunca vão poder usar um computador em
sala de aula. O simples uso da tecnologia faz muita diferença no ensino”,
completa Amalie.
José
Caleia pontuou a grande diferença entre o ensino fundamental e o superior do
Brasil, além de apresentar a sua percepção de um nível melhor de alunos
universitários caso o ensino básico fosse mais aprofundado. “Fica perceptível
que é preciso melhorar a base quando converso com estudantes de nível superior
e esses não sabem quantos Estados tem o próprio país. Isso me entristece. O
Brasil tem estrutura para um estudo mais amplo, basta querer”.
O
angolano, após dez anos de contato com a educação brasileira, enxerga o país
como um destaque entre grandes nações. “Em muitas áreas, vocês estão à frente
de muitos países pela produção científica. O Brasil é referência nas pesquisas
médicas e a maioria dos livros e traduções em português é daqui e importadas
para nações irmãs, como Portugal”, finaliza.
As portas que se
abrem em todo o mundo para os brasileiros, seja pelo seu conhecimento, carisma
ou história, são idênticas às oportunidades que o Brasil possui para a
experiência acadêmica de estrangeiros. Experiência construtiva tanto para os
estudantes nativos, que conhecem uma nova cultura dentro do próprio país, como
para os “importados”, que passam por um momento único de crescimento pessoal.
Onda
www.miguelimigrante.blogspot.com
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