sexta-feira, 24 de abril de 2020

Perda de emprego e queda da renda: a difícil realidade dos imigrantes em tempos de coronavírus

Isadora Neumann / Agencia RBS
As 50 cestas básicas distribuídas nesta quarta-feira na Paróquia da Pompéia não foram suficientes para a demanda
Difícil para quem está em sua terra natal, rodeado de amigos e familiares, a pandemia de coronavírus traz consequências ainda mais drásticas para os imigrantes contemporâneos. Haitianos, senegaleses e venezuelanos, que aqui chegaram com parcos recursos atrás de qualquer emprego que pudesse garantir subsistência e uma moradia simples, agora estão passando apuros para colocar a comida na mesa.
A realidade de bairros como Centro, Floresta, Sarandi e Rubem Berta, onde residem grupos numerosos de estrangeiros, é de pessoas que perderam o emprego ou, pior, se afastaram ainda mais da chance de conseguir um trabalho diante das medidas de distanciamento social, que levaram o comércio ao fechamento temporário. Há temor, entre eles, de que falte dinheiro para o aluguel e a alimentação. Receios que não se concretizaram até agora somente por força da solidariedade que os imigrantes encontram em algumas organizações locais, além do socorro que promovem entre si.
— O imigrante sofre muito. Nós, brasileiros, temos mais facilidade de encontrar para onde correr quando a coisa aperta. O imigrante não tem ninguém aqui. Se não tem comida, passa fome. Os lugares em que eles poderiam trabalhar estão fechados. E tem ainda o preconceito com o estrangeiro, com a diferença e a cor — relata o padre Anderson Hammes, diretor do Cibai Migrações, missão da Igreja Católica que atua em conjunto com a Paróquia da Pompéia, no centro de Porto Alegre.
Nesta quarta-feira (22), as 50 cestas básicas distribuídas na Pompéia, na subida íngreme da Rua Barros Cassal, não foram suficientes para atender à demanda. Em questão de uma hora, cerca de uma centena de imigrantes esteve no local em busca de alimento, mas só havia estoque para a metade. A entidade faz distribuições todas as quartas e sextas, no período da tarde, e a procura é crescente. 
Debaixo de sol forte, o haitiano Mario Innocent estava na fila da Pompéia para buscar uma cesta básica e pedir informações sobre como encaminhar o seu seguro desemprego. Ele é uma vítima não infectada da covid-19: em 2 de abril, foi demitido do emprego de servente de obra, pelo qual recebia esquálidos R$ 5,42 por hora trabalhada. Agora, nem isso mais tem.
 Moramos eu e minha esposa no bairro Floresta. Ela está sem emprego também. Meu maior medo é não ter, em algumas semanas, o dinheiro do aluguel — revela Innocent, que não deixou de vestir roupas bem alinhadas para buscar uma doação.
As estimativas do Cibai são de que vivem em Porto Alegre, hoje, 7,9 mil haitianos, 1,7 mil venezuelanos e 1,1 mil senegaleses. Muitos são trabalhadores autônomos, seja como motoristas de aplicativos ou como vendedores nas ruas da cidade. Nesses casos, a queda da renda foi drástica.
— A situação é bastante preocupante. Os que trabalham com Uber relatam que, se tiravam R$ 1,6 mil, caiu para menos de R$ 1 mil o faturamento mensal. Eles têm buscado muito alimento e informação para encaminhar o benefício de R$ 600 do governo. A falta do acesso à informação é um grande problema para eles. E também já começaram a procurar roupas de inverno — conta Pedro Gil Weyne, advogado da Associação do Voluntariado e da Solidariedade (Avesol).
Para Gustavo Chacón, venezuelano que é pesquisador do Instituto de Química da UFRGS, referência para seus compatriotas em Porto Alegre, situações como a pandemia corroboram a sua máxima de que "a migração é assim, não temos o direito de ficar doentes ou parados, uma realidade da qual não podemos fugir porque estamos sozinhos".  

Dificuldades em diferentes idiomas

Hector Eduardo Lopez tem formação em segurança no trabalho na Venezuela, mas, em Porto Alegre, está trabalhando de motorista do Uber. Seus rendimentos caíram 70% em tempos de pandemia. Sua esposa, Nepzady, tem dois cursos superiores, mas está sem emprego, o que a leva a passar o dia em casa com os dois filhos e a avó deles. A dificuldade só não está maior, ressaltam, porque sempre se encontra solidariedade.
 O mais difícil é para comer e pagar o aluguel. Muitos venezuelanos perderam o emprego, mas o povo gaúcho é acolhedor. Arroz e feijão não falta — conta Lopez, que reside com a família no bairro Rubem Berta.
A venezuelana Milagros Perez mora no bairro São Sebastião, na Capital, em um apartamento com mais quatro pessoas, sendo três filhos e uma amiga. Somente o seu primogênito e a agregada estão trabalhando, mas o rapaz, empregado de um restaurante, recebeu férias até 29 de abril, e o temor é de que não haja continuidade no retorno. A mulher está ansiosa por uma vaga, mas não sabe quando poderá sequer retomar a distribuição de currículos. Ela atuou por 16 anos na estatal petrolífera venezuelana PDVSA, no setor de contratos. Cansou das crises políticas e sociais do país e do baixo salário, que estava valendo US$ 6, se convertidos. Ela diz que gosta de Porto Alegre, se sente habituada, e pensa em suplantar a pandemia para aumentar a renda familiar e pagar sem sustos o aluguel de R$ 800, acrescidos da necessidade de R$ 400 para alimentar as cinco pessoas da casa ao mês.
— Não quero voltar para a Venezuela — diz Milagros, entre risos nervosos.
As dificuldades se espraiam para além de Porto Alegre. Nayeski Blanco, também venezuelana, se mudou recentemente para Dois Irmãos com sua mãe. Ambas estavam empregadas, mas foram demitidas com a chegada da pandemia.
O senegalês Khadim Diop, além do sobrenome de um famoso jogador de futebol do seu país, ostenta talento com a costura. Ele trabalha direto de sua casa como alfaiate, tendo as brasileiras como principais clientes de vestidos, calças jeans e outras peças. Mas, no momento, não tem nenhuma encomenda. Sua renda despencou.
— Muita gente está em casa, somos seres humanos e a prioridade vira a comida. Numa situação dessas, comprar roupa fica para depois — comenta Diop.
Outro senegalês com sobrenome de futebolista de sucesso, Bamba Toure já soma cinco anos em Porto Alegre, é escorreito no português e atua como relações públicas de uma associação dos seus compatriotas. É eletricista em empresa de automação industrial, está ambientado e alcançou um patamar mais estável no ciclo das migrações. Ainda assim, recebeu férias até 30 de abril no emprego.
— Acredito que voltarei a trabalhar normalmente. Até lá, Deus vai ajudar a gente — professa Toure.
Isadora Neumann / Agencia RBS
Os senegaleses Khadim Diop e Bamba Toure vivem incertezas

Como ajudar entidades que atendem imigrantes

Cibai Migrações - Paróquia Pompéia
Doações de alimentos podem ser feitas na Rua Barros Cassal, 220, no centro de Porto Alegre. A entidade também atende pelo telefone (51) 98450-9153.
 Avesol
Doações de alimentos, roupas, tecidos (para fazer máscaras) e óleo de cozinha (para fazer sabão) podem ser feitas na Rua Almirante Barroso, nos números 665 ou 626, em Porto Alegre. Mais informações neste site.
gauchazh
www.miguelimigrante.blogspot.com

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