Em decisão proferida em 5 de junho de 2025, a Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu provimento ao Recurso Extraordinário 1552713/PR, autorizando o ingresso imediato no Brasil, sem necessidade de visto, de dois menores haitianos e sua mãe, com o objetivo de reunir-se ao pai das crianças, residente legalmente no território nacional. A decisão representa importante afirmação do papel do Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais de pessoas migrantes, especialmente em contextos de emergência humanitária.
O caso teve origem em ação proposta pelo Ministério Público Federal, diante da situação enfrentada por uma família haitiana impossibilitada de formalizar o pedido de visto humanitário para ingresso no Brasil. A mãe e os filhos residem no Haiti, país que enfrenta colapso político, econômico e institucional, agravado por catástrofes naturais. A Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, capital haitiana, encontrava-se inoperante, impossibilitando o agendamento e processamento dos pedidos de visto. Alegava-se ainda a exigência de propina para atendimento e a inexistência de previsão de resposta em prazo razoável. Diante disso, o MPF pleiteou autorização excepcional de ingresso no país, com fundamento no direito à reunião familiar, na dignidade da pessoa humana e no melhor interesse da criança.
A Justiça Federal e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região haviam negado o pedido, sob o argumento de que a concessão de visto constitui ato discricionário do Poder Executivo, sendo vedada ao Judiciário a ingerência em matéria de política migratória. No entanto, ao julgar o recurso extraordinário, o STF reformou esse entendimento, enfatizando que, em situações excepcionais, a intervenção judicial se justifica para garantir a eficácia de direitos fundamentais.
Em seu voto, a Ministra Cármen Lúcia destacou que a Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos e assegura proteção integral e prioridade absoluta às crianças e adolescentes. A relatora ressaltou que o princípio do melhor interesse da criança, positivado tanto na Constituição quanto na Convenção sobre os Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil), impõe que todas as decisões relativas a menores levem em conta sua proteção e bem-estar, inclusive no contexto migratório.
Segundo a decisão, não se trata de substituir o Executivo na formulação de política pública, mas de garantir que essa política observe os limites constitucionais e os compromissos internacionais do Brasil em matéria de direitos humanos. A ausência de resposta estatal eficaz diante da crise humanitária vivenciada no Haiti, somada à inércia administrativa na tramitação de pedidos de visto, viola o direito à convivência familiar e expõe os menores a situação de extrema vulnerabilidade.
A Ministra também invocou a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que reconhece expressamente o direito à reunião familiar, o acolhimento humanitário e a proteção integral à criança e ao adolescente migrante. Lembrou ainda que o STF já possui jurisprudência consolidada reconhecendo a legitimidade da atuação judicial na implementação de políticas públicas, quando constatada omissão ou deficiência grave do Estado, como nos precedentes do HC 216.917 e do RE 684.612 (Tema 698 da repercussão geral).
Ao final, o Supremo autorizou expressamente o ingresso de M.J.F. (mãe) e dos filhos menores N.J.F. e N.J.F. no Brasil, independentemente da apresentação de visto, e determinou que as autoridades competentes da União adotem as providências administrativas necessárias para assegurar os direitos dos migrantes, especialmente dos menores, e realizar o controle da estada. A decisão ainda inverteu os ônus de sucumbência, atribuindo à União a responsabilidade pelas custas do processo.
Segue a íntegra do julgado: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1661240/false
https://site.mppr.mp.br/
www.miguelimigrante.blogspot.com
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