Os deslocamentos populacionais na América Latina originam-se do aumento de crises sociais múltiplas – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Sophia Vieira*
O Brasil tem se destacado como um dos países da América Latina com mais sucesso no acolhimento de imigrantes e refugiados. A Agência da ONU para Refugiados divulga que 96% dos venezuelanos que chegam ao País pretendem permanecer e se integrar. Diante desse cenário, para compreender como ocorrem os movimentos migratórios e quais os mecanismos necessários para receber essas populações, Rafael Villa, professor do Instituto de Relações Internacionais, e Jameson Vinícius Martins, doutor em Saúde Global e pesquisador de políticas para migrantes internacionais, ambos da USP, apontam causas, desafios e a necessidade de políticas públicas para uma plena integração.
Crises sociais

O professor Rafael Villa explica que os deslocamentos populacionais na América Latina originam-se do aumento de crises sociais múltiplas, especialmente motivadas pelo colapso do Estado de bem-estar social. Ele também destaca os principais fluxos migratórios: “É possível identificar fluxos migratórios específicos: o venezuelano na América do Sul, o haitiano no Caribe e o de nicaraguenses, guatemaltecos, hondurenhos e salvadorenhos na América Central”.
O Brasil como destino
O professor comenta que, historicamente, o Brasil era visto como um país de trânsito, em que os migrantes chegavam com a intenção de ir à Europa, ou aos Estados Unidos. Contudo, essa realidade tem se modificado e o Brasil cada vez mais se torna um destino de permanência, especialmente para muitos venezuelanos, que enxergam o País como uma oportunidade de se estabelecer, mas seguir próximos à sua terra natal.
Ele explica ainda que esse fenômeno guarda relação direta com as barreiras migratórias impostas por outros países antes utilizados como destino, e que hoje o Brasil é um dos destinos com menos barreiras para o acolhimento de refugiados. Villa cita, como exemplo, os Estados Unidos, com travas e impedimentos estabelecidos por Donald Trump. “Hoje, muitos imigrantes veem o Brasil não apenas como um caminho, mas como um lugar possível para reconstruir suas vidas”, afirma. “Com as restrições americanas, Brasil e Espanha passaram a ser os principais destinos alternativos para venezuelanos.”

Jameson Martins destaca a necessidade de uma relação de naturalização com os fluxos migratórios e aponta que, para o Brasil, não faz sentido a adoção de políticas restritivas, especialmente como um grande exportador de migrantes. Há uma estimativa de três a quatro milhões de brasileiros vivendo no exterior. “Precisamos normalizar o deslocamento humano e garantir que ele seja feito com dignidade”, finaliza.
A respeito da legislação, Martins lembra que o Brasil conta com a Lei de Refúgio (1997) e a Lei de Migração (2017), esta última aprovada com forte atuação de movimentos sociais, mas com vetos importantes durante o governo Michel Temer, de modo que não são asseguradas políticas públicas consistentes ou permanentes.
Políticas públicas consistentes
Martins reforça a importância de compreender que o acolhimento aos migrantes vai além da recepção inicial. Há a necessidade de implementação de mecanismos legislativos que assegurem a adaptação e integração efetiva dos migrantes: “É importante que se contemple alguma estratégia para regularização, para obtenção por parte dos migrantes e dos refugiados da sua documentação fundamental”.
O professor Villa cita como exemplo de política exemplar do Brasil a Operação Acolhida, que busca documentar, legalizar e adaptar essas pessoas ao Brasil, empregando-as também. “E há uma questão bem interessante nessa Operação Acolhida, que muitos imigrantes, profissionais, ou não, têm feito um cadastro de profissão. Então, na própria operação, ela se encarrega de procurar um pouco de trabalho para essas pessoas,” acrescenta. Martins aponta, também, para a necessidade de integrar essas pessoas aos serviços públicos do País, capacitando os profissionais para esse tipo de atendimento. Ele destaca a barreira linguística, que, por vezes, afasta os migrantes de utilizarem a saúde e a educação pública, por exemplo.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo
https://jornal.usp.br/
www.miguelimigrante.blogspot.com
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