sábado, 17 de dezembro de 2016

Refugiada apátrida no Brasil fala sobre desafios de uma vida sem nacionalidade

Quando criança, Maha Mamo não podia viajar com a escola para fora do Líbano. Enquanto outras crianças iam para a Síria e Jordânia, ela ficava em casa, mesmo sendo uma das melhores do time de basquete. Nunca pôde representar seu país de origem em competições, porque não tinha nacionalidade.
“Ser uma apátrida é muito mais doloroso quando você sabe que sua capacidade é muito maior do que aquilo que te permitem fazer. Você não sabe seu potencial se não te dão o direito de existir”.
Maha mostra os documentos que usa para residir e trabalhar legalmente no Brasil. Ela tem o status de refugiada, mas ainda não tem uma nacionalidade. Foto: ACNUR/Gabo Morales
Maha mostra os documentos que usa para residir e trabalhar legalmente no Brasil. Ela tem o status de refugiada, mas ainda não tem uma nacionalidade. Foto: ACNUR/Gabo Morales
Quando criança, Maha Mamo não podia viajar com a escola para fora do Líbano. Enquanto outras crianças iam para a Síria e Jordânia, ela ficava em casa, mesmo sendo uma das melhores do time de basquete. Nunca pôde representar seu país de origem em competições no exterior por não ter nacionalidade.
Filha de mãe síria, Maha foi declarada apátrida ao nascer no Líbano, onde não tinha direito automático à nacionalidade libanesa. Tampouco podia receber a nacionalidade síria, já que a mãe não pode passar a nacionalidade para seus filhos, somente o pai.
Como o pai, cristão, não pôde se casar legalmente com sua mãe, muçulmana, Mara e seus irmãos foram considerados “filhos fora do casamento”, o que fazia com que eles também não tivessem direito à nacionalidade paterna.
Pessoas que nascem apátridas acabam encontrando diversas dificuldades ao longo da vida, como acesso mais restrito a educação e saúde. “Tive que receber uma isenção especial para obter meu certificado de Ensino Médio”, disse Maha, cujos pais tiveram que pedir para o diretor da escola aceitá-los como alunos.
Depois que terminou a escola, foi aprovada em apenas uma das muitas universidades em que se inscreveu. E não pôde cursar medicina, o que era seu sonho. “Ser uma apátrida é muito mais doloroso quando você sabe que sua capacidade é muito maior do que aquilo que te permitem fazer”, disse. “Você não sabe seu potencial, se não te dão o direito de existir”.
Com 20 e poucos anos e cansada de escrever cartas a ministros pedindo uma nacionalidade, trocando de emprego frequentemente por medo de um dia ser pega sem a documentação necessária, Maha passou a acreditar que sua única solução seria morar no exterior.
Ela buscou informações sobre reassentamento, por meio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), e sobre permissão para viajar ao exterior. No entanto, seus esforços foram infrutíferos. Chegou a receber uma resposta memorável da embaixada do Canadá: “Maha, nós adoraríamos te receber no Canadá, mas onde iríamos colocar seu visto?”.
Quando sua irmã enviou cartas para todas as embaixadas que existiam no Líbano, receberam uma resposta positiva do Brasil. No dia 19 de setembro de 2014, pela primeira vez na vida, ela estava autorizada a deixar o Líbano legalmente.
No Brasil, Maha recebeu visto de seis meses por ser descendente síria, o que deu a ela a chance de entrar com uma solicitação de refúgio. Em maio de 2016, com a ajuda do ACNUR, ela e sua família conseguiram o status de refugiados no país, obtendo direitos similares aos dos residentes, porém sem uma nacionalidade.
Foi a primeira vez que Maha pôde segurar um documento de identificação que garantisse seus direitos. “Quando peguei meus documentos em mãos, chorei, gritei e perguntei para a minha irmã se ela tinha certeza que o documento era real. Eu não podia acreditar!”, afirmou.
Um mês depois, o irmão dela, Eddy, foi assassinado durante uma tentativa de assalto no Brasil. “Lembro que a primeira coisa que meu irmão me perguntou quando fomos reconhecidos como refugiados foi se isso iria permitir que ele voltasse para casa, no Líbano”, declarou. Para honrar seu desejo, Maha levou seu corpo de volta ao país de origem para seu velório. “A parte mais triste disso tudo é que Eddy nunca soube o que é viajar para casa legalmente”.
A morte de Eddy deu a Maha, atualmente proeminente porta-voz para pessoas apátridas no Brasil e no mundo, mais determinação para adquirir uma nacionalidade e ajudar os demais a fazer o mesmo.
Ela é palestrante regular de workshop do ACNUR e ainda faz parte de esforços internacionais para mudar as leis e práticas a respeito de nacionalidade através da campanha #IBelong, que recentemente celebrou o seu aniversário de dois anos.
No ano que vem, o objetivo da campanha é garantir igualdade de direitos de nacionalidade para todos, o que inclui eliminar a discriminação de gênero das leis de nacionalidade – algo que, por razões óbvias, empolga bastante Maha.
“Quero que todo mundo saiba o inferno que eu vivi e que um dia o presidente do Brasil possa ouvir a minha história e me dar uma nacionalidade brasileira”, enfatizou. No Brasil, a naturalização por residência pode levar cerca de 15 anos, mas ela espera obtê-la antes disso.
“Quando receber minha nacionalidade, vou gritar, chorar, atualizar meu status no Facebook. Vou para a Disney, Paris, Itália. Vou viajar o mundo inteiro”, disse. “E vou gritar o mais alto que conseguir: eu finalmente existo!”, completou.
Se você quiser saber mais como pode fazer a diferença para a vida de pessoas como Maha, junte-se à nossa campanha #IBelong para acabar com apatridia em até 10 anos.
Maha lidera uma oficina na sede do Google em São Paulo. Por meio do ACNUR, ela participa de vários workshops e seminários no Brasil e no mundo para falar sobre sua experiência como apátrida. Foto: ACNUR / Gabo Morales
Maha lidera uma oficina na sede do Google em São Paulo. Por meio do ACNUR, ela participa de vários workshops e seminários no Brasil e no mundo para falar sobre sua experiência como apátrida. 
 ACNUR 
Gabo Morales
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