quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Não consegui abrir uma conta bancária’: vida e trabalho para migrantes no Brasil


Um grupo de pessoas passa em frente à Caixa no Rio de Janeiro
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Nadia Sussman/Bloomberg/Getty Images. Todos os direitos reservados

 O Documento Provisório de Registro Migratório, comumente conhecido como "Protocolo de Refúgio" ou simplesmente "protocolo", é emitido para pessoas que estão aguardando uma decisão sobre seu pedido de asilo pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE). O protocolo é um documento de identidade oficial que permite que os solicitantes de asilo tenham acesso ao trabalho, à saúde e a uma variedade de sistemas oficiais

No entanto, mesmo com um protocolo válido, muitos migrantes e solicitantes de asilo no Brasil têm dificuldades para acessar mercados formais de trabalho e educação. A falta de conscientização do público faz com que muitos empregadores e instituições não aceitem o protocolo como documentação suficiente. E embora o protocolo seja agora uma carteira de identidade de plástico, muitos solicitantes de asilo ainda carregam versões mais antigas que eram simplesmente impressas em uma folha de papel A4. Isso gera ainda mais desconfiança quanto à validade do documento. Essas dificuldades tornam os solicitantes de asilo frequentemente dependentes de outras pessoas para abrir uma conta bancária, alugar uma casa ou encontrar um emprego. Elas podem até mesmo forçá-los a trabalhar em condições irregulares e de exploração.

Não consigo nem abrir uma conta bancária

"Eles se recusaram a abrir uma conta para mim em todos os bancos. Eu entregava meu protocolo e eles olhavam e diziam: 'você não pode abrir uma conta aqui com esse documento'. Isso é errado, porque temos o direito de abrir uma conta bancária. Acabei conseguindo abrir uma conta digital, mas depois me enviaram uma mensagem pedindo uma foto do meu documento. Enviei uma foto do protocolo, e eles disseram que não conseguiam identificar esse tipo de documento. Alguns dias depois, devolveram meu dinheiro e fecharam minha conta. Acabei tendo que enviar meu dinheiro para a conta da minha tia."

Disseram que isso não é documento

"Abrir uma conta também foi uma luta para mim! Fui a um banco no centro da cidade com meu protocolo e disse que queria abrir uma conta. O atendente olhou para o meu protocolo e simplesmente virou as costas. Fiquei ali parado, olhando para ele. Fiquei ali por quase cinco minutos, só esperando uma resposta. Ele finalmente disse: 'não abrimos conta com isso. Isso não é um documento". Foi humilhante. Saí de lá e fui a outra agência. Dessa vez, pediram um comprovante de residência – uma conta em meu nome –, que eu não tinha. Por fim, levei meu contrato de aluguel ao cartório e pedi que autenticassem oficialmente o documento. Levei esse contrato autenticado, meu passaporte, meu protocolo e o proprietário da casa comigo ao banco. Eles finalmente aceitaram abrir uma conta para mim, mas foi uma luta."

Ninguém me contrataria

"Se eu dissesse que consegui emprego por causa do protocolo ou por causa dos meus documentos, estaria mentindo. Ninguém me contrataria com o protocolo. Consegui meu emprego porque uma pessoa do meu país tem um negócio aqui, e a esposa dele é minha amiga. Ela me recomendou a ele. Não há como conseguirmos trabalho com o protocolo. Eu não conseguiria nem mesmo um emprego de faxineira aqui".

Não consigo trabalhar em nenhum outro lugar

"Procurei muito por trabalho, mas não consegui nada. Simplesmente não aceitam o protocolo. Minha única alternativa foi trabalhar com minha tia em seu salão de cabeleireiro. Ela me convidou para treinar e trabalhar lá. Ainda estou trabalhando como cabeleireira porque não consegui encontrar oportunidades de trabalho em outros lugares. As portas não se abriram para mim, então continuei trabalhando no salão."

Nunca tive um trabalho formal

"Com o protocolo, nunca tive um trabalho formal, mas trabalhei informalmente como faxineira por cinco anos. Trabalhávamos em um turno de 12 horas, por cerca de R$ 40 por turno. Eu não tinha como pagar o aluguel. A proprietária do local de limpeza também tinha um negócio de venda de carros, então perguntei se ela tinha um emprego para mim lá. Ela me deu um emprego lá também, mas eles fecharam a empresa em 2017. Eu ainda não conseguia encontrar nenhum trabalho formal, então comecei a cortar cabelo em casa e a vender comida preparada na minha cozinha. Estou fazendo esses trabalhos informais até hoje."

Os proprietários se aproveitam da nossa situação

"Se dependêssemos apenas do protocolo, acho que ninguém conseguiria uma casa aqui. Consegui alugar a minha por meio de uma recomendação. Sempre procuro uma casa onde outros africanos ou refugiados tenham morado antes, porque assim você pode conhecer o locador por meio deles. Tenho muito medo de me mudar, porque você não sabe se vai encontrar outro lugar. E os proprietários se aproveitam de nossa situação, porque sabem que somos estrangeiros. Por exemplo, se eu receber visitas em minha casa, eles aumentam o aluguel daquele mês. Isso é uma loucura. Não posso trazer alguém para minha casa, sendo que eu aluguei a casa!"

Para acompanhar essa série, a Missão Paz também produziu um guia de apoio jurídico para migrantes no Brasil. O guia oferece conselhos úteis sobre uma série de questões – desde os direitos e estatuto de migração até como lidar com a xenofobia, o racismo e os crimes de ódio – bem como os contatos dos serviços de apoio aos migrantes no país.

opendemocracy.net

www.miguelimigrante.blogspot.com


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