Na semana passada, os jornais americanos noticiaram a morte de uma menina de oito anos que ocorreu após a criança ser detida por agentes da fronteira no Texas. Não foi a primeira morte nos centros de detenção da Imigração e Fiscalização Aduaneira dos EUA (Immigration and Customs Enforcement – ICE). Oito anos depois que a foto do corpo sem vida do pequeno Aylan Kurdi em uma praia da Turquia chocou o mundo, pouco avançamos em políticas migratórias seja na Europa, seja nos Estados Unidos e as pessoas ainda não se deram conta de uma questão básica: políticas que são ruins para imigrantes costumam não ser nada boas para os cidadãos de um país, seja em termos de saúde pública seja em termos do respeito ao Estado de Direito.
A relação com a saúde pública ficou evidente durante a pandemia da COVID-19. Conforme demonstrado por inúmeros estudos, não é a condição de imigrante ou de refugiado que traz risco à saúde. São as condições associadas ao processo de deslocamento/imigração, as condições de integração (ou falta de) no país que os recebe e o aculturamento que contribuem para uma maior vulnerabilidade entre os imigrantes e refugiados e, consequentemente, maior risco à sua saúde. São crianças que perdem o ciclo de vacinação ou pessoas que não têm acesso ao sistema de saúde ou o evitam por temer serem presas e deportadas. Nesse contexto se tornam mais susceptíveis a doenças comunicativas, inclusive doenças preveníveis com vacinas e ou por resistência antimicrobiana e toda uma comunidade pode vir a se tornar vulnerável também. Assim, é consenso que, para serem eficazes, as políticas de saúde pública precisam garantir o acesso aos cuidados de saúde para todos, independentemente do status de imigração, nacionalidade, etnia, religião, ou local de origem.
Esse princípio também deveria ser aplicado em relação ao respeito aos direitos humanos dos imigrantes e refugiados. No entanto, vivenciamos cada vez mais situações deploráveis de violação de direitos aos quais são submetidos imigrantes e refugiados. O resultado disso é uma rápida deterioração do Estado de Direito.
Nesse sentido, observa-se pelo menos três práticas muito preocupantes: (1) o retorno forçado de imigrantes e pessoas que buscam asilo não para seus países de origem mas para países por onde estes buscavam cruzar as fronteiras; (2) a terceirização da responsabilidade de proteger – que se refere a uma série de medidas implementadas para impedir que pessoas deslocadas ou em deslocamento cheguem a um destino particular através da “cooperação” com países terceiros (Líbia, Marrocos, Ruanda, México) ou corporações que passam então a impor restrições ao deslocamento dessas pessoas inclusive através de detenções arbitrárias que são normalmente acompanhadas de atos de violência e (3) a expansão das áreas fronteiriças, o que permitiria aos Estados implementar um regime de busca e apreensão dentro de todo o seu território e introduzir sistemas de controle e vigilância sobre todas as pessoas que cruzam suas fronteiras, inclusive seus cidadãos.
Todas essas práticas constituem violação dos direitos humanos e do Direito Internacional uma vez que restringem o acesso a serviços essenciais inclusive o acesso a mecanismos para solicitação de asilo. A criminalização e a prisão arbitrária e prolongada de pessoas deslocadas ou em trânsito serve ainda para normalizar atos de violência contra elas e justificar medidas que acabam por marginalizar populações que já se encontravam em situação de vulnerabilidade além de alimentar discursos anti-imigrantes e ideologias fascistas e de ultra-direita. Se não forem implementadas políticas de imigração mais solidárias urgentemente, a passos largos seguiremos para um Estado de não-Direito. Um futuro que seria distópico se já não fosse realidade para milhares de pessoas.
Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.
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