quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Grito da Floresta: vozes da Amazônia

 


Desde a colonização, a Amazônia nunca esteve tão ameaçada como nos últimos anos. O crescimento assustador da pandemia do Coronavírus, causador da doença COVID-19 com taxas de mortalidade ao redor de 3% das pessoas infectadas, (2.114.223 casos confirmados e 52.448 falecidos em 22/02/2021; mais 89.000 casos e 2.084 falecidos na última semana), vem promovendo um verdadeiro genocídio ceifando a vida de milhares de pessoas na Pan-Amazônia (https://redamazonica.org/covid-19-panamazonia/).

Desde o início deste ano, as enchentes e os ‘eventos naturais severos’ submergem diversos territórios com seus povos, especialmente no Estado do Acre e no sudoeste da Amazônia, banhada pelo rio Purus. A maioria das enchentes é resultado das intervenções do mercado nos rios interrompidos por grandes barragens de hidroelétricas de grande, médio e pequeno porte, e pelos garimpos clandestinos que além de impactar os cursos naturais dos rios contaminam suas águas, envenenam os peixes e os povos do campo e das cidades da Amazônia.

Além disso, o desmatamento e a queimada das florestas de terra firme e das margens dos rios e igarapés, desregulam o clima e corroboram para o aumento das ocorrências climáticas adversas. Da mesma forma, a invasão do agronegócio que desmata regiões estratégicas que funcionam como contenção das águas das chuvas também contribui para ampliar as atuais enchentes, além de promover a concentração de gases de efeito estufa (GEE) que desregulam o balanço de energia e, portanto, o clima da região.

No final de 2020, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) estimou que a taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira (ALB), chegou a aproximadamente 11.088 km2 de corte raso no período de 01 agosto de 2019 a 31 julho de 2020. Esse valor representa um aumento de 9,5% em relação a taxa de desmatamento apurada pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (PRODES) em 2019 que foi de 10.129 km2. O PRODES considera como “desmatamento a remoção da cobertura florestal primária por corte raso, independentemente da futura utilização destas áreas”, desta forma, o monitoramento oficial do Inpe conclui que “em 2020, houve alta de 34% na devastação amazônica, com perda de 10,1 mil km2, e de 13% no Cerrado, 7,3 mil km2” (http://www.inpe.br/noticias/?chave=queimadas). Isso representa mais de 20% de desmatamento da área de floresta da Amazônia e mais de 50% de desmatamento do cerrado com imensuráveis impactos na perca da biodiversidade do bioma, além dos impactos socioambientais.

Com as grandes enchentes, um novo surto de dengue, incluindo a hemorrágica, vem afetando milhares de pessoas em toda Pan-Amazônia, muitas já debilitadas com a Covid-19 e suas sequelas. Tanto a dengue como outras antigas doenças não podem mais ser devidamente tratadas porque o sistema de saúde está inteiramente ocupado com o tratamento emergencial da Covid-19.

Durante a pandemia, com as medidas de distanciamento social e isolamento, observou-se um aumento assustador da violência contra as mulheres com altas taxas de feminicídio, além de violência e abuso de crianças confinadas no interior de suas casas. Isso revela problemas graves relacionados ao cultivo do ódio e a violência física, moral, simbólica ou psicológica, como uma medida covarde alimentada e reproduzida de forma sistêmica pelo patriarcado que persiste em pleno século XXI.   

Ainda relacionada com a pandemia, o fechamento das fronteiras com os países vizinhos resultou em graves ameaças e violação aos direitos dos migrantes internacionais impedidos de retornar aos seus países de origem ou limitados no acesso à documentação exigida para morar ou estudar no Brasil. O fechamento das fronteiras não diminui as migrações, pelo contrário, mas, alimenta o mercado do contrabando de migrantes e favorece o tráfico humano. Sem acesso aos seus direitos, muitos migrantes caem nas mãos de pessoas ou grupos especializados na exploração do trabalho dos migrantes. De modo especial, muitas mulheres migrantes têm sido vítimas do tráfico humano e da exploração sexual comercial.

Atualmente, o caso mais grave de violação aos direitos dos migrantes ocorre na fronteira entre o Brasil e o Peru, mais precisamente na Ponte da Amizade, na cidade de Assis Brasil, no oeste do Acre. Este município faz fronteira com acidade de Iñapari, no Peru, e desde 2010 tem sido utilizada como rota para os migrantes que adentram o território brasileiro. Enganados por ‘agências de viagens’ que lhes venderam passagens, passando por esta fronteira, cerca de 500 migrantes, a maioria mulheres e crianças, foram impedidos de seguir viagem rumo ao Haiti, muitos fugindo da pandemia no Brasil. Desde o início de fevereiro estão acampados sobre a ponte vigiada por forte aparato policial dos dois lados e padecem fome e todo tipo de privações. (https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/02/4907221-barrados-no-acre-450-imigrantes-acampam-em-ponte-que-liga-brasil-e-peru.html).

Mediante estas e muitas outras questões contextuais, diversas organizações sociais, com legítima atuação na Amazônia, estão promovendo um evento que chame a atenção de toda a sociedade para o que ocorre nesta região altamente cobiçada pelos interesses de mercado e, muitas vezes alijada da atenção social, política e econômica do país.

Na convocatória, os(as) organizadores(as) do evento totalmente virtual, conclamam “os povos da Amazônia e suas organizações, ameaçados por uma escalada de pandemias, e convocam a todos aqueles que sentem o chamado para trabalhar em conjunto na proteção de nossos territórios das crises que nos ameaçam, participando da reunião virtual “O Grito da Floresta: Vozes da Amazônia” na qual analisaremos e continuaremos a construir propostas para lidar com as pandemias do Covid-19, exploração, mudanças climáticas, patriarcado, feminicídio e sistemas políticos que sequestram a democracia”.

Esclarecem que “o Grito da Floresta é executado no âmbito da Assembleia Mundial pela Amazônia e contará com a participação de representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), da Rede Eclesial Panamazônia (Repam) e do Fórum Social Panamazónico (Fospa), conjuntamente com ativistas, cientistas e aliados do Sul e do Norte Global”.

“O Grito da Floresta: Vozes da Amazônia” será realizado na sexta-feira, 26 de fevereiro, e sábado, 27, às 14h (horário de Manaus) e contará com tradução simultânea para espanhol, português e inglês. Para participar deste processo inscreva-se através do seguinte link: http://bit.ly/ElGritoDeLaSelva.


*Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.

Amazonas Atual

www.miguelimigrante.blogspot.com

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