quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Um brasileiro dá voz a crianças refugiadas na Europa

Dar uma folha de papel em branco e algumas canetas coloridas e deixar que as crianças expressem seus sentimentos por meio de desenhos, superando possíveis barreiras linguísticas e dando a oportunidade de transformar em representações lúdicas descalabros que às vezes não conseguem transmitir com palavras.
A proposta do Drawfugees é simples. Complexa e delicada é a realidade na qual o projeto idealizado pelo brasileiro André Naddeo é desenvolvido.
Jornalista de 35 anos, com atuação em áreas diversas – política, economia, esportes –, Naddeo estava desempregado quando resolveu deixar o Brasil em busca de um objetivo: exercer sua profissão de forma independente e colaborativa.
“A crise dos refugiados sempre me chamou muito a atenção. Achava que eles não eram bem representados pela mídia, que os retratava de forma não humana. Repórteres passavam pelos campos, ficavam ali uma ou duas horas, um dia que seja, e depois não faziam nada por eles. Quis criar o conceito de que talvez possa chamar de jornalismo voluntário aquele em que você não só observa, mas apoia, dá seu coração, se envolve com aquelas famílias.”
Naddeo saiu do País no último mês de abril e foi para o porto de Pireu, em Atenas, uma das principais portas de entrada na Europa para sírios, afegãos, iraquianos, marroquinos, argelinos e egípcios, dentre outros povos, que tentam fugir do caos e da violência de seus países.
Ali, viveu como um refugiado. Dormia no chão, sobre um caixote de madeira e algumas mantas. A refeição limitava-se a macarrão e pão. Trabalhava com outros voluntários em um armazém onde se concentravam os mantimentos doados aos imigrantes.
“A primeira sensação que tive ao chegar ali foi de que o ser humano tinha falhado. Vi famílias, mães solteiras, muitas crianças sozinhas. Qualquer um reconhece que seus problemas são irrisórios perto de uma situação como essa”, recorda.
Desenhos
Eles são os mais explorados pela mídia, mas ninguém se preocupa em saber o que se passa na cabeça deles (André Naddeo/Drawfugees)
O brasileiro apresentou-se como jornalista voluntário disposto a viver a mesma realidade e ganhou a confiança dos refugiados. Ouviu suas histórias e seus temores. Um mês e meio depois, voltou ao Brasil com alguma noção de como poderia auxiliar e criar relações verdadeiras com os refugiados.
Voltou à Grécia em novembro, apoiado pela Cartão de Todos, espécie de mecenas, endereço em Atenas e um projeto: fomentar o Drawfugees, que atua em parceria com a organização independente I Am Immigrant.
“Comecei esse trabalho com crianças porque são sempre as mais exploradas pela mídia, mas ninguém se preocupa em saber o que se passa na cabeça delas. O objetivo é que se expressem, contem suas angústias, seus medos, sonhos, visões sobre passado e futuro... É uma questão de humanizar a crise e os indivíduos. Transmitir mensagens para o mundo por meio de desenhos.”
A cada encontro, Naddeo reúne cinco ou seis pequenos refugiados. As crianças conversam, pintam e aprendem inglês. O próximo passo é promover cursos de fotografia e vídeo, uma maneira de capacitar as próprias crianças a produzir documentários sobre sua realidade, algo 100% feito por eles, comenta.
Naddeo
Naddeo estava desempregado quando decidiu integrar o Drawfugees. 'É um tipo de experiência que muda a vida', diz (André Naddeo/Drawfugees)
O projeto também serve para combater o ócio, que aniquila muitos imigrantes. A longa espera pela permissão de entrada, aliada à situação precária, leva homens, mulheres e crianças a abusar das drogas, entre outros problemas.
A generosidade de quem tem apenas a esperança emocionou o jornalista: “Elas não têm quase nada e, ao mesmo tempo, querem te dar tudo”. Um desenho em especial chocou Naddeo. A pequena afegã Sana desenhou um helicóptero dos Estados Unidos bombardeando a própria casa.
“Se você for pensar que a guerra na Síria dura cinco, seis anos, tem muitos que não conhecem outra vida que não a guerra. Eles não queriam ter de atravessar um mar supergelado e perigoso, arriscando a própria vida. O trabalho é uma mistura de realização profissional e dramas, é preciso ter um emocional muito forte para lidar com essas situações. É um tipo de experiência que muda a vida em vários conceitos, me reconheci mais como ser humano.” 
por Rodrigo Casarin 
Carta Capital 

www.miguelimigrantrante.blogspot.com

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