Corte Especial adia julgamento sobre deportação de migrantes retidos em Guarulhos.(Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress)
Corte Especial do STJ adiou julgamento que analisa suspensão de liminar que proibia a deportação de migrantes ilegais retidos na área restrita do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo/SP.
A decisão em análise, proferida pelo presidente do Tribunal, ministro Herman Benjamin, havia restabelecido a possibilidade de deportação.
Após divergência aberta pelo ministro Og Fernandes contra a suspensão, ministro Benedito Gonçalves pediu vista, interrompendo o julgamento.
O caso
O caso teve origem em habeas corpus coletivo ajuizado pela DPU em favor de aproximadamente 180 migrantes inadmitidos que estavam há semanas no setor restrito do aeroporto.
A medida buscava impedir a deportação imediata e garantir a esses migrantes o direito de solicitar refúgio segundo os arts. 7º e 21 da lei 9.474/97, até que o mérito fosse julgado pelo TRF da 3ª região.
Em 1ª instância, o juízo negou o pedido. Diante disso, a DPU recorreu ao TRF da 3ª região, que concedeu liminar favorável.
Contra a decisão, a União apresentou no STJ um pedido de suspensão, alegando risco à ordem pública, à política migratória e à segurança nacional.
O ministro Herman Benjamin acolheu o pedido e suspendeu os efeitos, permitindo novamente as deportações.
Segundo o ministro, a liminar poderia violar compromissos internacionais, já que o Brasil é signatário de tratados como o Protocolo de Palermo, que visa prevenir e combater o tráfico de pessoas.
Afirmou que a manutenção dos migrantes na área restrita do aeroporto sem condições adequadas também contraria padrões humanitários.
Ademais, destacou o uso indevido do instituto do refúgio como artifício para ingresso ilegal no país, e como a continuidade do cenário poderia fortalecer redes de tráfico humano.
O presidente do STJ também mencionou que autoridades policiais brasileiras já identificaram uma rede organizada de tráfico internacional de pessoas que utiliza o Aeroporto de Guarulhos como principal ponto de entrada na América do Sul. Após ingressarem no Brasil, essas pessoas são levadas ao Acre, onde começam uma jornada rumo à fronteira dos Estados Unidos.
Para o ministro, a retenção prolongada dos migrantes sobrecarregava o terminal de Guarulhos, gerando riscos à segurança sanitária e pessoal de funcionários e passageiros. Ainda, que a permanência prolongada em condições inadequadas agravava o sofrimento humano.
Questão humanitária
Ao proferir voto-vista, Og Fernandes se manifestou contra a decisão. Para S. Exa., os elementos apresentados pela União não demonstraram de forma suficiente a grave lesão necessária para justificar a suspensão de liminar.
O minstro ressaltou que os dados estatísticos apresentados não permitem concluir que os migrantes beneficiados pela liminar estariam ingressando de forma fraudulenta no país.
Destacou ainda a tradição humanitária brasileira: "O Brasil é um país com tradição humanitária de acolhimento de populações de risco, tendo atuação destacada na recepção de refugiados".
Og Fernandes também apontou que a suspensão concedida pelo presidente do STJ teve alcance excessivo, indo além da coletividade definida na ação originária e atingindo "quaisquer outras liminares e a quaisquer outros estrangeiros não contidos naquela coletividade e circunstâncias, inclusive quanto a ações futuras".
O ministro enfatizou que o reconhecimento da condição de refugiado exige análise individualizada e que o habeas corpus, por sua natureza, não pode ser utilizado para restringir a liberdade de locomoção de quem sequer integrava o grupo inicial protegido pela decisão.
Ao concluir, Og Fernandes afirmou que abusos eventualmente identificados devem ser enfrentados caso a caso, e não pela medida excepcional de contracautela.
S. Exa. destacou a importância da análise, ressaltando que "a Corte Especial jamais viu uma decisão tão significativa no âmbito da violação de direitos humanos, de direito ao refúgio e ao asilo no país".
Operação dos coiotes
Em resposta à divergência, o relator explicou que o caso tem como base uma investigação da Polícia Federal, responsável pelo Sistema de Controle Migratório Brasileiro, e que o pedido da União foi apresentado pelo Ministério da Justiça.
Benjamin apresentou dados anexados aos autos pela Polícia Federal, destacando o crescimento exponencial de migrantes que chegam a Guarulhos como ponto de passagem. Segundo o ministro, em 2013, chegaram 69, número que foi aumentando até alcançar, em 2024, mais de 9 mil.
S. Exa. diferenciou esses casos de situações humanitárias como as vividas por venezuelanos, bolivianos e haitianos, afirmando: "Aqui o que ocorre é uma quadrilha organizada de coiotes operando no aeroporto de Guarulhos".
O relator explicou o esquema identificado: imigrantes emitem a sua passagem para um país na América do Sul que não exige deles visto, descem em Guarulhos e não continuam viagem, pelo menos para o seu destino no bilhete, e são transportados pelos coiotes para o Acre e, a partir daí, seguem pelo Estreito de Darien para a América do Norte.
De acordo com a investigação citada por ele, das 8.300 pessoas que chegaram em Guarulhos nessas circunstâncias, só 117 pediram o Registro Nacional Migratório. Segundo o ministro, quase todos não querem o registro nacional migratório, "porque o Brasil é ponto para a operação dos coiotes".
Ao final, reforçou que casos como o analisado não configuram situação clássica de refúgio e que a permanência dos migrantes no aeroporto agrava a crise operacional enfrentada pela PF. A
"A situação é gravíssima. A Polícia Federal não sabe o que fazer no aeroporto de São Paulo", concluiu.
Carta branca
Após manifestação do relator, ministro Og Fernandes voltou a se pronunciar e relembrou que, ao longo da história, o Brasil nunca aplicou expulsões em massa, sem distinção, apenas com base na nacionalidade.
Por isso, avaliou que a medida contestada viola compromissos jurídicos assumidos interna e externamente pelo país. Para S. Exa., o caminho correto seria promover diálogo e conciliação entre DPU, MPF e demais órgãos governamentais, buscando uma solução conjunta e que atendesse ao interesse público.
Ao comentar os números apresentados pelo relator, Og Fernandes afirmou que o fato de parte dos migrantes ter solicitado refúgio demonstra que a situação não pode ser tratada como se todos integrassem uma organização criminosa.
Disse também ter recebido informações de que alguns migrantes, especialmente africanos, correm risco de morte caso retornem ao país de origem, o que reforça a necessidade de avaliação individualizada.
O ministro criticou a possibilidade de que a decisão da Corte Especial seja interpretada como autorização geral para expulsar qualquer pessoa que chegue ao Brasil nessas circunstâncias, sem exame caso a caso, o que considera incompatível com o papel do Judiciário.
Conforme afirmou, uma decisão dessa natureza não pode dar carta branca à Polícia Federal para adotar medidas automáticas contra estrangeiros.
Encerrando sua manifestação, Og Fernandes afirmou que, se a Corte Especial decidir manter a suspensão da liminar, isso ocorrerá sem o seu apoio, pois considera que esse caminho não pode ser adotado.
Vista coletiva
Diante da divergência aberta e da complexidade do tema, ministro Benedito Gonçalves pediu vista, interrompendo a análise do caso.
Processo: SLS 3.522
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