sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Imigração: o Norte Global quer os cérebros do Sul

 Há cinismo nas políticas antiimigratórias da Europa e EUA. Atraem os muito escolarizados, e expulsam os empobrecidos – o que agrava a crise dos países periféricos. Em 15 anos, por exemplo, Síria perdeu metade de seus médicos



Por Otaviano Helene, no Jornal da USP

Recentemente, o governo dos EUA resolveu assumir uma postura bem mais agressiva, até mesmo violenta, contra a imigração para aquele país. Esse fato intensificou as discussões sobre a questão migratória, mas, como sempre, desconsiderando os problemas que a migração deixa nos países de origem para aqueles que lá permanecem.

Há casos em que a migração pode ter um papel positivo para os países dos migrantes, como, por exemplo, quando há remessas de recursos financeiros em quantidade significativa, quando está associada à formação de profissionais que retornam a seus países de origem, ou quando cria vínculos interessantes a ambos os países. Mas há muitas situações nas quais o efeito no país de origem dos migrantes é negativo, uma vez que este, frequentemente em crise, perde parte importante de seus trabalhadores mais bem escolarizados. Alguns casos marcantes na história recente ilustram isso.

Antes da guerra iniciada em 2011, a Síria tinha cerca de 40 mil médicos, o que correspondia a uma relação entre o número de médicos e de habitantes bastante aceitável; atualmente, as estimativas indicam valores inferiores a 20 mil médicos, o que coloca aquele país em uma posição crítica segundo os critérios da OMS. Esses profissionais perdidos pela Síria foram para o exterior, havendo, em 2018, cerca de 9 mil médicos formados na Síria nos países da OCDE. A fuga de cérebros é também ilustrada por outros indicadores: cerca de 27% dos migrantes sírios têm formação em nível superior, contra apenas 10% da população daquele país.

A componente educacional do IDH é calculada como uma média entre o nível escolar da população adulta e o nível educacional com que as pessoas deixam a escola. Esse indicador no caso da Síria caiu drástica e rapidamente nos primeiros anos após 2011, quando começou a guerra civil. Essa redução do IDH educacional ocorreu tanto por causa da emigração de pessoas bem escolarizadas como pela desestruturação do sistema educacional, inclusive por causa da migração de professores.

Embora a Síria seja um caso marcante e recente, o mesmo ocorreu com outros países. A Líbia é um exemplo. A intervenção internacional, comandada inicialmente pelos EUA e posteriormente pela Otan, aumentou o número de migrantes, sendo cerca de 30% deles com formação em nível superior. Essa mesma proporção de pessoas escolarizadas entre os migrantes ocorreu no caso do Iraque. O Afeganistão é outro país a sofrer com a perda de pessoas bem escolarizadas: cerca de 10% dos seus migrantes têm nível superior completo, proporção muito maior do que a observada na população daquele país.

O Haiti é mais um exemplo. Um em cada cinco adultos haitianos que migraram para os EUA tem ensino superior completo, 60% têm pelo menos o ensino médio e apenas 20% têm menos do que este último grau educacional. Esse padrão de escolarização é muito superior àquele dos adultos haitianos. Essas pessoas farão muita falta em seu país de origem.

O perfil educacional dos migrantes adultos que chegam ao Brasil também ilustra a perda de profissionais nos países de origem: cerca da terça parte deles tem ensino superior completo e um décimo destes, pós-graduação. Essas proporções são superiores à realidade dos adultos brasileiros e muito superiores àquelas dos países dos quais saíram.

Os migrantes acabam por criar vínculos nos países que escolheram e muitos não voltam, perenizando a perda. Se a migração tiver sido provocada por crises, menores ainda serão as chances de retorno. O novo governo sírio parece tentar, segundo notícias recentes, atrair de volta os profissionais que aquele país perdeu. Difícil imaginar que isso ocorrerá, pois esses e essas migrantes são pessoas que deixaram um país laico em crise e foram morar em outros países laicos; voltarão para um país governado por grupos de base teocrática e ainda em crise, embora uma crise de outra espécie?

O governo dos EUA, bem como de alguns países europeus, como o italiano, por exemplo, é muito duro com os migrantes, mas apenas com aqueles que não são altamente escolarizados. Nos mesmos EUA há leis que favorecem a migração de pessoas bem escolarizadas: migrantes com formação médica e que aceitem trabalhar por, no mínimo, cinco anos em regiões definidas pelo governo conseguem o documento definitivo de residência. O poder de atração de migrantes bem escolarizados faz com que cerca de um quinto dos médicos nos EUA tenham se graduado em países estrangeiros (estatística que não inclui os profissionais formados no Canadá).

Tal política migratória que atrai pessoas bem escolarizadas é aplicada não apenas pelos EUA, mas, também, por vários outros países ricos. Por exemplo, cerca de 10% a 15% dos médicos franceses são formados em países africanos, especialmente Marrocos, Argélia e Tunísia, situação não diferente da de outros países europeus.

Os EUA, ao mesmo tempo em que recebem bem e até atraem os migrantes bem escolarizados, também têm políticas voltadas à atração de pessoas ricas: investir cerca de US$ 1 milhão no país facilita enormemente a obtenção do título de permanência definitivo.

A fuga de cérebros é, nos países em crise, muitas vezes maior do que aquela com a qual estamos acostumados aqui no Brasil. E com os cérebros, vão também os recursos: estima-se que a migração de pessoas altamente escolarizadas de países africanos corresponda à transferência de US$ 2 bilhões por ano para Austrália, Reino Unido, EUA e Canadá.

Há muito cinismo e hipocrisia nas políticas de migração adotadas pelos países ricos. Essas políticas agravam as crises nos países de origem dos migrantes, crise essa provocada frequentemente por políticas de desestabilização fomentada ou praticada por aqueles países para os quais fogem suas vítimas. É cruel provocar crises, expulsar os migrantes mais pobres e receber bem e reter apenas os bem escolarizados ou os mais ricos. Tal política dificulta enormemente a recuperação dos países em crise e o desenvolvimento dos países mais pobres.

https://outraspalavras.net/

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Governo dos EUA intensifica aplicação das leis de imigração para forçar auto-deportação

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Secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, em campanha para reforçar a auto-deportação. Foto: DHS

O Departamento de Segurança Interna (DHS) anunciou, no dia 25, nova estratégia para garantir a saída voluntária de imigrantes ilegais do país, reforçando o cumprimento da Lei de Imigração e Nacionalidade. A medida, destacada pela secretária Kristi Noem, visa aplicar de forma rigorosa as penalidades previstas para quem não cumprir obrigações básicas, como deixar o país, registrar-se corretamente ou atualizar seu endereço junto ao governo federal.

Segundo o anúncio, os imigrantes que não se registrarem, não atualizarem suas informações ou não deixarem os EUA podem enfrentar multas, prisão ou ambas as penalidades. Essa lei, em vigor há décadas, nunca foi amplamente aplicada, mas a nova administração promete garantir que essas medidas sejam efetivas, a fim de evitar que imigrantes permaneçam ilegalmente no país. A estratégia, focada na auto-deportação em massa, é defendida como uma solução mais segura tanto para os imigrantes quanto para as forças de segurança, e visa reduzir os custos com detenções, além de liberar recursos da Alfândega e Patrulha de Fronteira (CBP) e do Serviço de Imigração e Controle de Alfândega (ICE). Isso permitiria que essas agências concentrem esforços em questões prioritárias de segurança.

A medida é parte de um esforço maior para garantir maior controle sobre a presença de imigrantes ilegais no país, com uma campanha publicitária nacional e internacional incentivando a auto-deportação.

https://www.acheiusa.com/

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sábado, 22 de fevereiro de 2025

Brasil reforça compromisso humanitário e acolherá 500 afegãos refugiados em 2025


 Foto: Jamile Ferraris/MJSP

 Acordo de cooperação entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a organização da sociedade civil Panahgah Associação de Apoio Humanitário Internacional possibilitará que o Brasil acolha 500 afegãos refugiados ao longo de 2025. O instrumento foi assinado pelo secretário Nacional de Justiça (Senajus), Jean Keiji Uema, e pela coordenadora da Panahgah, Sindy Santiago, nesta sexta-feira (21).

O acordo está inserido no Programa de Reassentamento, Admissão e Acolhida Humanitária por Via Complementar e Patrocínio Comunitário, que visa oferecer soluções de acolhimento humanitário para nacionais afegãos forçados a deixar seu país de origem. A partir de março, a associação poderá oferecer acolhida humanitária e integração social a famílias, a idosos, a crianças e a sobreviventes de violência do país asiático.

O secretário da Senajus afirmou que o sistema de migração e de refúgio brasileiro conta com diversos atos normativos, alguns deles serão editados em breve, inclusive a Política Nacional de Migração, Refúgio e Apatridia. “O patrocínio comunitário é uma nova modalidade, que já apresenta resultados positivos internacionalmente. No Brasil, estamos adaptando essa experiência às nossas particularidades e, com isso, vamos manter o compromisso de ser um País acolhedor”, explicou.

O modelo já é bem-sucedido em países como o Canadá, onde grupos da sociedade civil apadrinham refugiados e fornecem apoio financeiro e assistência à integração social. A iniciativa canadense tem demonstrado impacto positivo na inserção dessas pessoas na sociedade, com redes de apoio que facilitam a adaptação e a autonomia.

A coordenadora da Panahgah celebrou a assinatura do acordo e ressaltou a importância do engajamento da sociedade no processo de acolhimento. "Sempre digo que acolher não é apenas papel do governo, mas de toda a comunidade. Queremos construir um ambiente solidário, em que as pessoas tenham com quem contar nos momentos difíceis", destacou.

O coordenador-geral do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Pedro Cicero, explicou que o Governo Federal vai monitorar e apoiar a integração local dos afegãos. “Esse acordo é mais um passo no compromisso que o Brasil tem, nos últimos anos, de garantir a segurança e a dignidade daqueles que buscam refúgio em nosso País", disse.

Desde 2021, o Brasil tem adotado medidas específicas para facilitar a entrada e a permanência de afegãos no País, como as Portarias MJSP nº 24/2021, MJSP/MRE nº 42/2023 e nº MJSP/MRE 49/2024, que regulamentam a concessão de vistos humanitários. Com a assinatura do acordo, espera-se fortalecer a proteção e promover a inserção social e econômica dos refugiados afegãos no Brasil.

Participaram da solenidade representantes do Ministério das Relações Exteriores (MRE), do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), da Agência ONU para as Migrações (OIM) e do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH).

Outras organizações da sociedade civil estão em fase avançada de análise para participar do programa. Duas delas estão habilitadas: o Instituto Estou Refugiado e a Missão de Apoio à Igreja Sofredora (Mais). Juntas, elas poderão oferecer mais de 200 vagas para o acolhimento de afegãos.

As entidades interessadas em atuar no acolhimento de afegãos no Brasil ainda podem enviar propostas à Senajus. As regras estão no Edital de Chamamento Público nº 1/2024.

gov.br/mj/pt-br

www.radiomigrantes.net

Os imigrantes deportados pelos EUA que ficam isolados em hotel no Panamá e pedem ajuda pelas janelas

 Crianças mostram mensagem

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Duas crianças migrantes deportadas pelos Estados Unidos pedem ajuda na janela de um hotel na Cidade do Panamá
  • Author,Cecilia Barría, Santiago Vanegas e Ángel Bermúdez
  • Role,Da BBC News Mundo

"Por favor, nos ajudem", diz a mensagem escrita em um pedaço de papel mostrado por duas meninas através da janela de um dos apartamentos do luxuoso hotel Decápolis, na Cidade do Panamá.

O hotel oferece aos seus hóspedes apartamentos com vista para o mar, dois restaurantes exclusivos, piscina, spa e transporte particular. Mas ele passou a ser um centro de "custódia temporária", que abriga 299 migrantes de diferentes nacionalidades que foram deportados pelos Estados Unidos, segundo informado na última terça-feira (18/2) pelo governo panamenho.

Alguns dos imigrantes erguem os braços e os cruzam na altura dos pulsos, como que tentando dizer que estão privados da liberdade. Outros penduram pequenos cartazes com mensagens como "não estamos seguros no nosso país".

Em dias normais, os turistas podem entrar e sair do hotel, sem nenhum inconveniente. Mas, nas circunstâncias atuais, com membros fortemente armados do Serviço Nacional Aeronaval do Panamá fazendo a proteção do lado externo e rigorosas medidas de segurança no seu interior, o edifício parece mais um bunker improvisado do que um hotel de luxo.

Da rua, podem ser vistos cabides com roupa lavada pendurados nas janelas. Uma das peças é uma camiseta amarela de basquete do time do Los Angeles Lakers, com o número 24 — a mesma que vestia o lendário jogador Kobe Bryant (1978-2020)

Em outra janela, um grupo de adultos e três crianças levantam um dos braços com o dedo polegar fixado na palma, fazendo o gesto de auxílio internacional empregado por pessoas que se sentem ameaçadas. No vidro, está escrita a frase em inglês help us ("nos ajude"), com letras vermelhas.

Em uma janela mais para o outro lado, dois menores de idade com o rosto coberto sustentam contra o vidro folhas de papéis com a mensagem "por favor, salvem as meninas afegãs".

Pessoas em janela de hotel

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Migrantes pedem ajuda da janela do hotel fazendo sinais com as mãos

Estes migrantes foram despachados pelo governo de Donald Trump, como parte da sua política de deportação de pessoas sem documentos. Eles chegaram em três voos na semana passada, depois que o governo do presidente panamenho José Raúl Mulino aceitou transformar o país em uma "ponte" para os deportados em trânsito para outras nações.

Entre os 299 migrantes, há cidadãos provenientes da Índia, China, Uzbequistão, Irã, Vietnã, Turquia, Nepal, Paquistão, Afeganistão e Sri Lanka, que viajaram no primeiro dos três voos.

Destes, apenas 171 aceitaram retornar aos seus países de origem. Os outros 128 migrantes que não desejam ser enviados de volta enfrentam, pelo menos até agora, um destino incerto.

Segundo as autoridades panamenhas, este grupo será trasladado para um acampamento na província de Darién, que serviu, até o momento, para receber temporariamente os migrantes irregulares que cruzavam a floresta com destino aos Estados Unidos.

Pessoas e roupas em janela

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Dos 299 migrantes deportados pelos Estados Unidos para o Panamá, 128 não desejam ser enviados de volta para os seus países de origem

'Estamos aterrorizados'

Uma mulher iraniana que mora há anos no Panamá declarou à BBC News Mundo — o serviço em espanhol da BBC — que manteve contato com um dos migrantes dentro do hotel Decápolis. Ela descreveu que eles estão "aterrorizados" com a possibilidade de serem levados para o Irã.

Hotel no Panamá
Legenda da foto,Foto tirada por um dos migrantes deportados mostra vista do hotel onde eles permanecem isolados na Cidade do Panamá

O migrante contou em um celular escondido — já que eles não têm permissão para manter nenhum contato com o exterior do hotel — que existem "vários menores retidos" ali. Eles tiveram negada a presença de um advogado e não têm permissão para sair do quarto, nem mesmo para comer.

A mulher foi até o hotel e ofereceu sua ajuda como tradutora do idioma farsi, falado no Irã, para o espanhol. Mas foi informada que já havia um tradutor — o que, segundo sua conversa com o migrante dentro do hotel, não era verdade.

A BBC fez contato com o hotel Decápolis para perguntar sobre as condições em que se encontram os migrantes, mas não houve resposta aos nossos questionamentos.

Depois que a história dos deportados foi levada a público na terça-feira pela imprensa, foram reforçadas as medidas de segurança para a permanência dos migrantes e seu acesso à internet foi cortado, segundo a mulher iraniana.

Circula nas redes sociais desde o fim de semana um vídeo que mostra uma das migrantes contando, em farsi, que eles foram detidos depois de cruzar a fronteira para os Estados Unidos. Eles teriam sido informados que seriam trasladados para o Estado americano do Texas, mas acabaram no Panamá.

No vídeo, a mulher insistiu que suas vidas correm perigo caso regressem ao Irã, devido às possíveis represálias que eles poderiam sofrer do governo daquele país. Ela afirma que sua intenção é pedir asilo político.

É difícil obter asilo político sem ter acesso a um advogado. E, nesta situação, é ainda mais difícil, pois o governo panamenho anunciou que não ofereceu, nem irá oferecer esta proteção aos cidadãos deportados.

Soldados em frente a hotel

Crédito,Reuters

Legenda da foto,Membros do Serviço Nacional Aeronaval do Panamá vigiam o hotel onde permanecem os migrantes deportados

'Custódia temporária'

O ministro da Segurança Pública do Panamá, Frank Ábrego, informou na terça-feira (18/2) que os migrantes estão no país de forma transitória. Ele negou que os estrangeiros estejam em condições de detenção, destacando que eles se encontram sob a proteção das autoridades panamenhas.

"Nosso acordo com o governo dos Estados Unidos é que eles fiquem sob nossa custódia temporária para sua proteção", declarou Ábrego.

Questionado sobre a impossibilidade de sair do hotel, Ábrego respondeu que esta é uma medida preventiva e destacou que seu governo deve garantir a segurança e a paz dos panamenhos.

Frank Ábrego

Crédito,EPA

Legenda da foto,Os migrantes "estão sob nossa custódia temporária para sua proteção", declarou o ministro da Segurança Pública do Panamá, Frank Ábrego

O ministro alertou que os migrantes que não desejarem regressar aos seus países de origem deverão escolher um terceiro país. Neste caso, a Organização Internacional de Migrações (OIM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) serão os organismos responsáveis pela sua repatriação.

O Panamá, segundo Ábrego, "recebeu estes senhores migrantes, demos acolhida em um hotel da localidade, no hotel Decápolis, que é o que tem capacidade de recebê-los neste momento."

O chefe da Segurança Pública também informou que "não é esperada a chegada de novos migrantes" porque não houve acordo sobre outros voos deste tipo.

Meninas em janela de hotel

Crédito,EPA

Legenda da foto,Duas meninas deportadas mostram de um dos quartos do hotel a mensagem "por favor, salvem as meninas afegãs", em inglês

O Panamá aceitou ser um país "ponte" para as deportações após a visita do secretário de Estado norte-americano Marco Rubio ao país centro-americano, em meio às tensões causadas pelas ameaças de Trump de "recuperar" a soberania do Canal do Panamá.

Segundo informado pelas autoridades panamenhas, parte do acordo determina que o Panamá irá oferecer a pista de aterrissagem e os albergues das zonas urbanas da província de Darién para que os migrantes deportados façam o trânsito até o seu destino.

É na província de Darién que fica a perigosa floresta atravessada pelos migrantes vindos da América do Sul, em sua jornada rumo aos Estados Unidos.

Um porta-voz da OIM declarou à BBC News Mundo que a organização está encarregada de "oferecer apoio essencial" às pessoas deportadas pelos Estados Unidos.

"Estamos trabalhando com funcionários locais para ajudar as pessoas afetadas, apoiando o retorno voluntário daqueles que solicitarem e identificando alternativas seguras para os demais", destacou o porta-voz.

"Mesmo não tendo participação direta na detenção ou restrição de movimento das pessoas, temos o compromisso de garantir que todos os migrantes sejam tratados com dignidade e de acordo com as normas internacionais."

Mulher olha de janela de hotel

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,O Panamá aceitou ser um país "ponte" para os imigrantes deportados pelos Estados Unidos

O principal pesquisador do centro de estudos Instituto de Política Migratória nos Estados Unidos, Muzaffar Chishti, comentou que muitos dos migrantes deportados provêm de países conhecidos como "recalcitrantes" – ou seja, que não colaboram ou não estão abertos para aceitar o retorno de seus cidadãos deportados pelos Estados Unidos.

"Isso exige constantes negociações diplomáticas com aqueles governos", declarou Chishti à BBC.

"Enviando os migrantes para o Panamá, os Estados Unidos saem da fotografia", explica ele. "É uma dor de cabeça para o Panamá se encarregar dessas negociações e verificar como fazer para que esses países aceitem recebê-los novamente."

Uma das grandes questões no momento recai sobre o futuro dos 128 migrantes que não desejam voltar aos seus países de origem, por medo de represálias.

É esperada para os próximos dias a chegada de um voo com pessoas deportadas dos Estados Unidos para a Costa Rica, outro país centro-americano que fechou um acordo com a Casa Branca para se transformar em "ponte" para levar os migrantes ao seu destino incerto.

A BBC News Mundo tentou entrar em contato com o governo do Panamá, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

* Com colaboração de Sheida Hooshmandi, da BBC News Persa.

https://www.bbc.com/

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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Prefeitura de Curitiba garante aos migrantes acesso a serviços essenciais, mesmo sem CPF

Ação de Cidadania no CRAS Santa Rita - Na imagem, Elizabeth Silva. Foto: Sandra Lima 

Recomeçar a vida em um novo país é um grande desafio. Mas, em Curitiba, migrantes e refugiados têm oportunidades de inclusão. Eles podem acessar todos os serviços essenciais municipais, mesmo sem ter o Cadastro de Pessoa Física (CPF), o documento usado para registro no e-Cidadão, sistema que permite o ingresso a diferentes serviços eletrônicos ofertados pela Prefeitura. A medida garante atendimento imediato em áreas fundamentais, como saúde, educação, moradia e assistência social.

De acordo com a secretária municipal de Desenvolvimento Humano, Amália Tortato, a iniciativa facilita a integração dos migrantes até que consigam o Registro Nacional Migratório (RNM), documento emitido pela Polícia Federal necessário para a solicitação do CPF. 

“Com esse grande fluxo de pessoas migrantes na cidade, é importante termos alternativas que garantam o atendimento e a preservação dos direitos dessa população”, destacou a secretária. 

 Curitiba tem sido um dos principais destinos de migrantes internacionais no Brasil. Apenas em 2023, a capital recebeu 39,6 mil migrantes e refugiados, o que correspondeu a 30% das quase 130 mil pessoas que chegaram ao Estado naquele ano.

Assistência social

Os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) são a porta de entrada para quem precisa de orientação e apoio. Nos Cras, eles recebem cestas básicas e são orientados sobre a regularização da documentação para que possam fazer o Cadastro Único. A inclusão nesse sistema lhes dará o direito a pedir benefícios, como o Bolsa Família e tarifas sociais de água e luz, ou receber subsídio alimentar para compras nos Armazéns da Família.

Em junho de 2024, Curitiba contava com 10.824 famílias - compostas por quase 24 mil pessoas – inseridas no Cadastro Único. Destas, 4.894 recebiam Bolsa Família.  

Educação para todos

Os pais ou responsáveis podem matricular as crianças nas escolas municipais e Centros de Educação Infantil (CMEIs) sem a documentação civil ou escolar da criança emitida pelo país de origem. Em alguns casos, a escola poderá fazer a readequação do ano escolar.  A orientação é que a família procure inicialmente o Núcleo Regional da área onde mora para ser direcionada.

Em junho do ano passado, a rede municipal de ensino de Curitiba tinha 4.239 estudantes migrantes, a maior parte deles (3.436) no Ensino Fundamental, 790 nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) e 13 na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Saúde

Na área da saúde, os migrantes, independentemente de ter CPF, podem receber atendimento de urgência e emergência na UPAs. Já para receber acompanhamento nas unidades básicas de saúde, eles podem realizar um cadastro para a emissão do cartão nacional do Sistema Único de Saúde (SUS). Para isso, é preciso apresentar na unidade qualquer outro documento de identificação e um comprovante de residência. 

Braços abertos

O venezuelano Gregory Irasabal Materán, de 43 anos, chegou em Curitiba em novembro do ano passado, depois de uma longa viagem a pé e de carona. Sem dinheiro ou uma rede de contatos, foi acolhido pelo Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centro Pop) durante o dia e, à noite, pela Casa de Passagem Padre Pio, ambos localizados na Praça Solidariedade, no Jardim Botânico.

Além do acolhimento, ele recebeu orientações para solicitar o RNM. Com o documento em mãos, deixou o abrigo no início de fevereiro, com planos de buscar trabalho em Santa Catarina. “Dizem que em Chapecó há frigoríficos que ajudam os migrantes a trazerem as famílias após o período de experiência”, disse ele, que agradeceu o atendimento que recebeu. 


“Cheguei a Curitiba cansado de dormir na rua. Deus abençoe o Brasil e todos vocês, porque passei por momentos muito difíceis”, conta Materán.

“Nos sentimos protegidos”

A cubana Ariadni Reyes Teso, 30 anos, chegou na capital em agosto de 2024, com o marido e três filhos pequenos. Sem um local para ficar, a família dormiu durante uma semana na Rodoviária até descobrir os serviços da FAS. Eles foram acolhidos na República para a Família Migrante, onde iniciaram o processo de regularização. “Aqui a gente encontrou apoio, nos sentimos protegidos na casa e também pela equipe da FAS', contou. 

O casal solicitou o RNM, o certificado de refugiado e agora aguarda a documentação para que o marido possa conseguir um emprego formal. Mas, mesmo sem os documentos, a família tem acesso a cartão-transporte da Urbs, cesta básica e subsídio alimentar para compras no Armazém da Família. Ariadni também foi atendida em uma unidade de Saúde e os filhos foram matriculados nas escolas da rede municipal. “Quando meu marido tiver documentos, ele poderá ter um emprego e poderemos encontrar uma casa e seguir em frente", planeja.   

https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias

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