Não há mais dúvidas sobre o fato de que a eleição de Donald Trump provocou uma inflexão de contornos ainda imprevisíveis no fenômeno migratório. A famigerada ideia de deter os imigrantes indocumentados em Guantánamo evidencia que migrantes, terroristas e traficantes, para os donos da riqueza e do poder, não passam de “farinha do mesmo saco”. Vindo da cabeça do novo presidente estadunidense, nada de novo! Mas quando a ideia se converte em programa objetivo, a coisa muda de figura. Reproduz-se, na verdade, a atmosfera que se seguiu aos atentados de 11 de setembro de 2001. As instalações de Guantánamo, depois dessa fatídica data, foram utilizadas para prender e torturar supostos terroristas caçados por todo planeta, especialmente Afeganistão, Iraque e Paquistão.
Se a
ascensão da extrema direita em distintas frentes do globo faz emergir uma nova
onda de preconceito e discriminação, a atitude de Trump transforma essa onda
num verdadeiro tsunami de proporções gigantescas. O rastro pernicioso dos
estragos causados por semelhante tempestade já começa a se fazer sentir não só
nos países de origem dos imigrantes indocumentados, mas também no interior dos
próprios Estados Unidos. A falta ao trabalho e à escola por parte,
respectivamente, dos trabalhadores e de seus filhos, afeta diretamente a
economia norte-americana. De outro lado, as deportações em massa e, por vezes,
em condições vexatórias, afeta a dignidade humana dos envolvidos, ao mesmo
tempo que cria atritos inevitáveis com as autoridades dos países de saída dos
imigrantes. Além disso, a retirada do apoio dos Estados Unidos à OIM, à OMS e
ao ACNUR debilitam o trabalho das ONGs no campo das migrações.
Hipocrisia
e ingratidão são as palavras que emergem desse cenário conturbado. Hipocrisia, porque o governo e
empresários estadunidenses nunca deixarão de necessitar da mão-de-obra dos
imigrantes. Abrem-lhes, por isso, a porta dos fundos em vista dos serviços mais
sujos, pesados, perigosos e mal remunerados; porém, por outro lado, fecham-lhes
a porta da frente, negando o direito de cidadania. Querem trabalhadores
braçais, não cidadãos com deveres e direitos iguais. Prevalece uma espécie de
supremacismo da raça branca e mais forte, muito próprio, aliás, dos regimes de
matiz nazifascista. O supremacismo, no fundo, parte do pressuposto que existe
uma raça superior, e esta, justamente por sê-lo, deve subjugar as raças, tidas
como inferiores, para o bem-estar daquela. O que significa, entre outras
coisas, garantir o “espaço vital” para viver e/ou sobreviver sobre outros
povos, e em detrimento destes. Concepção que justifica à exaustão o olho gordo
de Trump sobre o Canadá, a Groelândia, e o próprio México.
Ingratidão,
na medida em que, depois de chupar todo suco da laranja – lágrimas, suor e
sangue do imigrante e sua família – atiram o “bagaço” de volta à terra de
origem. Quantos imigrantes deram cinco, dez, vinte ou mais anos de seu trabalho
e energia para o engrandecimento dos Estados Unidos! E agora, em lugar de uma
merecida aposentadoria, recebem um pontapé no traseiro. Do ponto de vista
histórico e estrutural, são poucas as grandes culturas ou civilizações que se
ergueram sem o intercâmbio de outros povos e nações. A diferença e a
pluralidade de experiências e valores, em lugar de empobrecer, enriquecem novos
estilos de vida. Prova disso são os próprios Estados Unidos (para não falar da
trajetória pessoal de Trump). Abertura e cruzamento de tradições multiétnicas e
pluriculturais fecundaram suas terras de leste a oeste, dando origem não só a
um povo novo, mas também a uma economia robusta.
É notório
que nem todas as bravatas anunciadas durante a campanha eleitoral sairão do
discurso retórico ou do papel. A uma certa altura, falarão mais alto o
pragmatismo político e a governabilidade. Enquanto isso, no entanto, milhões de
trabalhadoras e trabalhadores têm seu sonho interrompido, convertido em
pesadelo, por vezes sem a menor possibilidade de recomeçar a vida no país em
que nasceram. Desnecessário acrescentar que boa parte do fluxo migratório que atualmente
se dirige rumo ao norte se deve a políticas colonialistas do passado sobre o
sul do planeta. Políticas em que estava na ordem do dia a dizimação dos povos
originários, o saque puro e simples das riquezas do solo e do subsolo, a
repressão escravidão como formas de comércio e trabalho forçado, a
deflorestação das matas nativas, entre tantas outras barbaridades. Aqui, ainda,
hipocrisia e ingratidão andam de braços dados com a exploração e expropriação históricas
dos países periféricos por obra dos países centrais. Duas faces da mesma moeda!
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