domingo, 14 de dezembro de 2025

Especialistas debatem, na Alesp, avanços e lacunas do novo decreto brasileiro das migrações


O Decreto Federal 12.657, de 7 de outubro de 2025, que institui a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (PNMRA), foi tema de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, nesta quinta-feira (11). O encontro, promovido pelo deputado Eduardo Suplicy (PT), reuniu especialistas, organizações e instituições de imigrantes e refugiados para debater os avanços e as lacunas do novo decreto.

"Este encontro é fruto de um esforço coletivo e demonstra o quanto é fundamental que a política migratória de nosso país seja construída com participação, transparência e respeito", afirmou Suplicy. Para o deputado, é urgente garantir que as pessoas migrantes e refugiadas tenham seus direitos assegurados.

Contextualização

A professora de antropologia e fundadora do Centro de Estudos Sociais de Migrações (CEMI-IFCH) da Unicamp, Bela Feldman-Bianco, fez uma contextualização da política migratória brasileira desde a redemocratização até o atual governo. Para ela, nunca houve uma política de acolhimento para imigrantes e refugiados no Brasil.

"Continuamos a enfrentar políticas que favoreceram a externalização de fronteiras, a restrição de entrada no país de pessoas em trânsito e até mesmo o florescimento de uma indústria migratória no que concerne ao patrocínio humanitário", afirmou Feldman-Bianco.

Para a professora, o novo decreto legitima uma política de contenção da migração desde a era Temer. "É uma formulação de gabinete genérica realizada sem a participação social, inclusive sem discussões com órgãos governamentais com longa experiência em questões migratórias, como o Conselho Nacional de Imigração (Cnig) e o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare)", disse.

Análise

Para a coordenadora de Advocacy na Missão Paz, Letícia Carvalho, as principais lacunas no decreto são o abrigamento dessas pessoas e a disponibilidade de recursos financeiros para as organizações que atuam. "No Brasil, entende-se que pessoas que precisam de abrigo são somente as que estão em situação de rua. Só que a população imigrante tem características e perfis distintos da população de situação de rua", apontou.

O defensor público federal, João Chaves, com atuação na área de migração e refúgio da Defensoria Pública da União, apontou que tanto a Lei de Migração como a Lei de Refúgio Brasileira são muito progressistas e positivas para pessoas migrantes e refugiadas, por verem a migração como algo benéfico para o Brasil. No entanto, a nova política nacional para a migração, refúgio e apatridia ainda tem pontos omissos.

Para o defensor, entre os pontos omissos estão: as políticas específicas para crianças e adolescentes migrantes; migração de povos indígenas; política de vistos do Brasil; política de refúgio; e a política para a comunidade brasileira no exterior, que também é protegida pela Lei de Migração. Além da necessidade de ampliar a capacidade de assistência social e de qualificação dos serviços para pessoas migrantes, por ser uma população pequena numericamente e muitas vezes fica invisibilizada.

"No geral, a lei e a política é positiva, mas muito vaga e traz algumas ambiguidades que precisam de atenção pela sociedade civil e também pelo parlamento", afirmou Chaves. O defensor reforçou a importância de que todos os órgãos envolvidos - governo, organizações e a sociedade civil - possam se engajar no debate sobre a construção dessa política.

"O importante desse decreto é estabelecer marcos para que possamos cobrar a implementação de ações concretas. Então, ela dá mais um passo para que haja uma política pública implementada e principalmente com monitoramento público. É um êxito que essa política tenha dado esse caráter interfederativo", afirmou o defensor.

https://www.al.sp.gov.br/

www.miguelimigrante.blogspot.com

sábado, 13 de dezembro de 2025

Igreja do Brasil em defesa de políticas públicas migratórias pautada nos Direitos Humanos.

foto Acnur
 

Artigo de Dom João Aparecido Bergamasco

"O preconceito tem sido direcionado a migrantes de determinadas origens ou com base na cor da pele, influenciado pelo racismo estrutural. A imagem do Brasil como país acolhedor pode não corresponder à realidade enfrentada pelos migrantes no cotidiano. Embora a imagem pública do Brasil seja a de um país receptivo, a experiência dos migrantes revela uma realidade de preconceito e xenofobia, especialmente em relação a grupos mais vulneráveis e empobrecidos pelo deslocamento", escreve Dom João Aparecido Bergamasco, membro da Comissão Episcopal para Ação Sociotransformadora e presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes, em artigo publicado por SPM  Nacional, 10-12-2025.

Eis o artigo.

Em diversas partes do mundo, a Igreja Católica tem assumido um posicionamento público em defesa dos migrantes, refugiados e apátridas em um contexto global marcado pela xenofobia e pela degradação da opinião pública sobre os migrantes. 

Nos últimos anos, têm surgido diversos grupos ligados à extrema direita, que influenciam o posicionamento negativo das sociedades em relação aos migrantes. Isso é resultado da eficácia da comunicação de grupos extremistas, que enfatizam o medo do desconhecido e associam migrantes a problemas econômicos e sociais. A percepção negativa de setores da sociedade se manifesta em discriminação, preconceito e xenofobia, afetando o acesso dos migrantes a direitos básicos como moradia, educação, trabalho e saúde, e é observada tanto na esfera pública quanto em questões sociais cotidianas.

No Brasil, tem-se multiplicado a xenofobia institucional, alimentada por discursos antimigratórios proferidos por figuras políticas e líderes de opinião que promovem essa forma de rechaço, normalizando o preconceito e influenciando a criação de leis e procedimentos restritivos aos migrantes. A sociedade brasileira, entre outras, vem naturalizando a discriminação contra os migrantes.

O preconceito tem sido direcionado a migrantes de determinadas origens ou com base na cor da pele, influenciado pelo racismo estrutural. A imagem do Brasil como país acolhedor pode não corresponder à realidade enfrentada pelos migrantes no cotidiano. Embora a imagem pública do Brasil seja a de um país receptivo, a experiência dos migrantes revela uma realidade de preconceito e xenofobia, especialmente em relação a grupos mais vulneráveis e empobrecidos pelo deslocamento.

Papa Leão, insistentemente, tem encorajado a Igreja Católica, por meio de suas conferências episcopais e eclesiais, a se posicionar ativamente em defesa dos migrantes e refugiados, fazendo dessa causa uma prioridade de seu pontificado, assim como seu antecessor, o Papa Francisco, que se destacou na defesa dos migrantes e refugiados. Em sua mensagem no Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, o Papa os descreveu como “mensageiros de esperança”.

De forma corajosa e profética, o Papa Leão tem criticado as políticas antimigratórias, como as do presidente dos Estados UnidosDonald Trump, descrevendo o tratamento que ele tem dado aos migrantes como “extremamente desrespeitoso e desumano”, e classificou como um “gesto de ódio” as restrições migratórias, a perseguição e a expulsão sistemática dos migrantes.

Encorajados pelo Papa Leão, líderes da Igreja em várias partes do mundo têm se posicionado em defesa dos migrantes e refugiados. A Conferência dos Bispos Católicos dos EUA (USCCB) publicou uma nota na qual condena consistentemente as deportações em massa e a separação de famílias, defendendo a dignidade fundamental dos imigrantes. Os bispos pedem “soluções justas e misericordiosas” para as políticas migratórias e trabalham para defender os migrantes apanhados na repressão do governo.

Mais recentemente, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), por ocasião das conclusões do I Fórum das Migrações, ocorrido em Fátima, publicou uma nota de repúdio à “degradação da opinião pública em relação aos migrantes” em Portugal. A nota afirma que a Igreja “deve ser uma voz protetora dos migrantes”, ter “uma estratégia de comunicação integrada” capaz de reafirmar o direito de migrar com dignidade e o reconhecimento dos migrantes como sujeitos de direitos. E insiste que a sociedade não pode aceitar nem reproduzir os discursos difamatórios e as práticas orientadas pela xenofobia.

Várias denominações protestantes e líderes religiosos têm seguido o exemplo da Igreja Católica e assumido sua missão em defesa dos migrantes e refugiados, com firme posicionamento nas esferas públicas e privadas.

No Brasil, por ocasião da XXII Assembleia Nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes, realizada de 31 de outubro a 02 de novembro de 2025, que reuniu diversos segmentos da Igreja que atuam com migrantes e refugiados, foi acenada uma posição ampla da Igreja do Brasil em defesa de políticas públicas migratórias pautadas nos direitos humanos.

https://www.ihu.unisinos.br/

www. miguelimigrante.blogspot.com

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Trabalho e segurança são os principais motivos da migração interna no País


Os fluxos migratórios internos do País começaram a ganhar força na virada do século 19 para o século 20 – Foto: MJSP/www.gov.br

 Segundo dados do Censo de 2022 do IBGE, 29 milhões de brasileiros vivem fora do Estado em que nasceram. Além disso, 19,2 milhões de brasileiros vivem fora da sua região de nascimento, sendo que, desses, 10,4 milhões nasceram na região Nordeste. Os processos de mobilidade entre diferentes regiões do País e de um mesmo Estado são conhecidos como migrações internas e impactam diretamente a cultura e os modos de produção econômicos de um país.

Para além dos êxodos rurais e da imagem marcante dos retirantes, os processos migratórios internos são complexos e distribuídos ao longo do tempo. Embora no passado tenham se consolidado redes de fluxos migratórios rumo à região Sudeste do País, é importante considerar os fatores que levaram a essas redes migratórias e qual o cenário atual.

Destaques do Censo 2022

São Paulo se mantém como o Estado que concentra o maior contingente de migrantes, com 8,6 milhões de pessoas vindas de outras unidades federativas. Em contrapartida, 2,9 milhões de paulistas moram em outros Estados. Mesmo sendo o principal centro migratório do País, recebendo 736 mil imigrantes entre 2017 e 2022, o Estado perdeu 826 mil emigrantes e apresentou seu primeiro saldo negativo desde o início da coleta de migração por data fixa, com menos 90 mil pessoas, e com uma taxa líquida de imigração de -0,2%.

Santa Catarina apresentou o maior saldo e a maior taxa líquida em 2022. O Estado teve um ganho populacional de 354 mil pessoas, uma contribuição de 4,66% à sua população total, marcando uma mudança histórica nos Censos demográficos. Um outro destaque vai para a Paraíba que, pela primeira vez, registrou um saldo positivo e ganhou 31 mil habitantes.

Do lado das negativas, o Rio de Janeiro registrou o pior saldo migratório do Brasil, com os emigrantes tendo seus destinos principais dentro da própria região. Foi o primeiro saldo negativo do Estado, com menos 61 mil habitantes, desde que o indicador começou a ser pesquisado.

Carlos de Almeida Toledo – Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

Fundamento histórico

Segundo Carlos de Almeida Toledo, professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, os fluxos migratórios internos do País começaram a ganhar força na virada do século 19 para o século 20. “Mas eu diria que a migração rural-urbana significativa tem a ver com nacional desenvolvimentismo, com projeto de industrialização. Portanto, acho que estabelecer um marco de 1930 para essa virada é importante, porque o Estado é muito relevante para esse processo de industrialização”, complementa o professor. Ele ainda diz que a partir da década de 50 é possível observar uma intensificação desse processo, com seu período mais significativo até a década de 80.

Outro processo destacado pelo professor é a criação de redes migratórias. Por meio dessas redes, os migrantes encontram apoio e caminhos possíveis para se estabelecer numa nova região. Ao longo do tempo, algumas redes se consolidam, tornando certos destinos ou regiões mais atraentes dentro desses fluxos, seja pelo apoio de parentes, conterrâneos ou por outros setores da sociedade. “A gente sempre vai ver nesses processos essas redes migratórias que vão acolher, que vão sinalizar possibilidades.”

Destinos do passado

Dentro dos processos migratórios, a região Sudeste teve destaque como um dos principais destinos migratórios, especialmente o eixo Rio-São Paulo, devido ao processo de industrialização. Sobre a industrialização, o professor Paulo Feldmann, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) explica: “Começou com setores bem elementares, têxtil, calçados, brinquedos. Mas teve um impulso muito grande quando Juscelino Kubitschek virou presidente, em 1956. Porque o Juscelino conseguiu trazer para o Brasil as mais importantes fábricas de automóveis da época, a maioria para São Paulo. Foi um avanço que a indústria teve muito grande. Cresceu e se espalhou pelo Brasil todo, mas o início foi realmente no ABC, no Estado de São Paulo”.

Embora a maior parte das migrações do século passado tenha acompanhado o crescimento da indústria e consequentemente se dirigido à região Sudeste, é importante pensar em outros destinos que surgiram nesse momento. Brasília, por exemplo, passou por um processo de industrialização que não condiz necessariamente com a criação de indústrias na região, mas sim em torno dos serviços que se organizaram em torno da capital. Além disso, dentro de suas próprias regiões, Salvador, Recife e Fortaleza são exemplos de cidades que também tiveram crescimento significativo, sendo destinos migratórios e concentrando até hoje setores industriais importantes.

Paulo Feldmann – Foto: FEA-USP

Sobre os retirantes nordestinos, imagem marcante no imaginário nacional quando o assunto é migração, Toledo comenta: “A seca cria condições difíceis de reprodução, mas nós não estamos falando de um movimento que é só seca, porque seca houve em outros momentos históricos, e ele implicou, certamente, movimentos populacionais do semiárido. Eles não tinham ainda esse destino rural-urbano tão estabelecido, e acho que se ater à condição do retirante da seca, para explicar as migrações internas, soa um pouco caricato. Foi muito mais amplo do que isso. Acho que a existência do processo de urbanização, de industrialização é relevante para que não se restrinja a um momento de seca e as redes migratórias se estabeleçam e solidifiquem”.

Destinos do presente

Com as mudanças na divisão do trabalho e os processos de desindustrialização do País, o perfil das atividades econômicas mudou e hoje se concentra no setor de serviços. Segundo Feldmann, hoje os destinos econômicos estão mais descentralizados, “Mas, em geral, as capitais mais importantes estão, sem dúvida, no Sudeste ou no Sul. Setores mais avançados, que envolvem uso de alta tecnologia, inteligência artificial, continuam aqui, principalmente em São Paulo. Muita gente vem de fora, de outros Estados para cá por causa disso.”

Embora ainda seja o destino com maior número de migrantes, a região Sudeste teve seu primeiro saldo migratório negativo desde 1991, com as regiões Sul e Centro-Oeste sendo as únicas regiões com saldo migratório positivo (mais migrantes chegando do que emigrantes saindo). Desde 1991, o Centro-Oeste tem apresentado o segundo maior saldo migratório regional; essa tendência da região pode ser explicada por fatores estruturais como a expansão agrícola, investimentos em infraestrutura e o fortalecimento dos polos urbanos da região.

Saldos migratórios e principais fluxos migratórios

Fonte de dados : agenciadenoticias.ibge.gov.br

 

Sobre os motivos das imigrações, Feldmann completa: “Eu diria que trabalho, sem dúvida, é muito importante, qualidade de vida também. Mas tem um outro componente que deveria entrar agora, que é a segurança. Eu acho que as pessoas também migram, principalmente do Rio de Janeiro, saem do Rio de Janeiro, por medo dos assaltos, roubos e etc., da violência. Você tem pessoas que saem de algumas cidades, de algumas capitais, principalmente nordestinas e do Rio de Janeiro, por medo da violência. Eu diria que esse é um motivo importante”.

Censo 2022: 19,2 milhões de pessoas vivem fora de sua região de nascimento

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

https://jornal.usp.br/radio-usp

www.miguelimigrante.blogspot.com


quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Os obstáculos e a invisibilidade de mulheres migrantes na fronteira entre Brasil e Paraguai

 

Mulheres enxergam a fronteira como oportunidade para reconstruir a vida e obter renda; estudo mostra dificuldades para obter documentos (Foto: Arquivo Pessoal/Lina Magalhães)

Por 

Diariamente, Fátima, 60 anos, atravessa a fronteira de Ciudad del Este até Foz do Iguaçu. Ao chegar na principal rua comercial da cidade, a Avenida Brasil, abre sua mesita para vender frutas e verduras, ao lado de outras mulheres paraguaias que comercializam produtos diversos. Apesar de repetir essa rotina há mais de quarenta anos, Fátima nunca conseguiu um documento para comprovar o trabalho realizado no país.

“Políticas públicas ainda têm uma lógica muito masculina do migrante trabalhador que possui contrato formal”, afirma Lina Paula Machado Magalhães, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental (PPGPlan), do Centro de Ciências Humanas e da Educação (Faed), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). “Ficam de fora diversas subjetividades que trabalham na fronteira e a constroem cotidianamente, mas que são invisibilizadas porque não têm carteira de trabalho”.

Fátima é o pseudônimo de uma das mulheres paraguaias que Lina entrevistou para a sua tese de doutorado sobre migrações na Tríplice Fronteira do Paraná. O estudo, defendido em 2024 sob orientação da professora Gláucia de Oliveira Assis (Udesc) e co-orientação da professora Carmen Gregorio Gil (Universidade de Granada, Espanha), concentrou-se nos fluxos entre Ciudad del Este e Foz do Iguaçu. “É uma fronteira muito feminizada, de mulheres que estão ali atravessando com suas famílias”, ressalta a autora. Lina entrevistou migrantes residentes tanto no Brasil quanto no Paraguai.

Apesar do grande número de trabalhadoras na região, o estudo revela que as mulheres enfrentam mais barreiras para acessar políticas públicas de proteção social. A maioria encontra-se em situação de irregularidade documental e não possui carteira de trânsito fronteiriço ou comprovante de moradia. Para obtê-las, é preciso manter contratos formais de trabalho.

Vencedor do Prêmio Capes de Tese 2025 na área de planejamento urbano, o estudo inova ao propor uma revisão das políticas públicas sobre territórios fronteiriços. Dados da pesquisa indicam a necessidade de incorporar perspectivas de gênero transnacionais para facilitar a regularização cidadã de mulheres que atuam, majoritariamente, no mercado informal. Nesse sentido, Lina defende que gestores devem pensar as fronteiras para além da lógica de estado-nação, ultrapassando seus limites geográficos.

Foto colorida que mostra sacolas coloridas, fruto de trabalho artesanal de mulheres migrantes
Sacolas artesanais vendidas por migrantes; Informalidade impede mulheres paraguaias de obter de carteira de trânsito fronteiriço (Foto: Arquivo Pessoal/Lina Magalhães)

Abandono masculino sobrecarrega mulheres migrantes

A história de Fátima assemelha-se a de tantas outras mulheres paraguaias cuja sobrecarga de trabalho inicia desde a infância. Aos seis anos, ajudava a mãe tanto na lavoura quanto em casa, cuidando dos 12 irmãos. Após migrar para a cidade, passou a auxiliá-la no comércio de rua, em Foz do Iguaçu. Atualmente, sustenta sozinha a casa sem o apoio do pai dos filhos.

Para as mulheres migrantes, a fronteira representa uma oportunidade. É o modo que encontraram para acessar políticas públicas (ausentes ou pouco efetivas no país de origem), obter algum nível de autonomia financeira (já que algumas foram proibidas de trabalhar pelos próprios maridos) e até mesmo sair de situações de violência doméstica.

A ausência dos homens nas tarefas de cuidado da casa e na relação com as próprias parceiras carrega marcas históricas da Guerra do Paraguai. Além de arruinar a economia do país, o conflito dizimou cerca de 90% da população masculina paraguaia com mais de 20 anos, afirmam historiadores.

Coube às mulheres a responsabilidade de reconstruir o país. Lina explica que o estereótipo da kuña guapa (mulher trabalhadora, em guarani) sobrecarregou a vida delas no pós-guerra. “A divisão de tarefas do homem provedor e da mulher reprodutora não se aplica ao contexto paraguaio. Elas sempre acumularam trabalhos”.

Políticas migratórias não englobam trabalho de cuidado

Por trás da imagem romântica da mulher paraguaia guerreira, há também ausência de estado. Segundo a pesquisa de Lina, Ciudad del Este conta com poucas creches públicas para uma população de mais de 300 mil habitantes. Também são escassos os locais de acolhimento a vítimas de violência doméstica.

Neste contexto, a migração das mulheres para as fronteiras representa a construção de um novo lar, livre de abusos físicos e psicológicos.

“Elas foram muito valentes de romper com o abandono sintomático dos homens”, pontua Lina. “Os maridos não apoiavam financeiramente na casa. Após abandoná-las, voltavam bêbados ou com crise de ciúmes. A migração foi importante para cortar esse vínculo”.

Como principal descoberta, o estudo propõe que gestores públicos construam o planejamento urbano das fronteiras considerando uma política transnacional do cuidado. Afinal, mesmo que migrem sob a expectativa de acesso aos direitos básicos (como saúde e educação para os filhos), muitas das mulheres paraguaias ainda enfrentam barreiras para a regularização cidadã. Um dos principais entraves é o não reconhecimento de atividades do mercado informal, como o serviço doméstico.

“Lina constrói uma tese que questiona como o trabalho de cuidado, aparentemente feito no privado, envolve questões de política pública”, assinala a professora Gláucia, orientadora da tese. “Ganhar esse prêmio é o reconhecimento a um tema contemporâneo para o qual nós precisamos dar uma resposta. Não só no Brasil, mas em todos os países”.

Foto colorida de Lina Magalhães, uma mulher branca de cabelo preto e que usa um agasalho verde ao lado do banner do Observatório de Migrações de Santa Catarina
Lina Magalhães, autora de tese sobre mulheres migrantes; Observatório oferece cursos de português e capacitação (Foto: Dairan Paul/Udesc)

Observatório das Migrações

Lina também credita a premiação ao trabalho coletivo desenvolvido nos grupos de pesquisa da Udesc. “A universidade pública te proporciona muitos desses espaços de troca, discussão e aprendizagem. Eu me formei neles. Tudo o que trago na tese é fruto de diálogos constantes com vários colegas”.

Um desses espaços é o Observatório das Migrações de Santa Catarina, que funciona junto ao Laboratório de Gênero e Família (sala 310, 3º andar, Udesc Faed). Sob coordenação da professora Gláucia, o Observatório surge como projeto de pesquisa para entender os fluxos tantos dos catarinenses que vão para o exterior, quanto dos novos migrantes internacionais que chegaram no século XXI ao estado. O grupo é aberto a qualquer pessoa interessada no tema das migrações, com reunião mensal. Recentemente, lançou o e-book “Atlas temático das migrações internacionais em Santa Catarina no século XX”, disponível gratuitamente aqui.

Ao longo dos anos, o Observatório ampliou sua participação na comunidade através de projetos de extensão com impacto social. Em parceria com a Pastoral do Migrante – Missão Scalabrini e a Círculos de Hospitalidade, oferece curso gratuito de português online para migrantes, com foco na naturalização brasileira.

Entre outras frentes de trabalho, Gláucia destaca a oferta de cursos para capacitação de agentes públicos sobre imigração e diversidade. E a participação do Observatório junto ao Tribunal Regional do Trabalho no programa de enfrentamento ao trabalho escravo, tráfico de pessoas e proteção ao trabalho do migrante, representando a Udesc.

“O que fazemos não é filantropia ou caridade. É trabalho em defesa dos direitos”, ressalta Gláucia. “E acho que a gente faz a diferença na vida dos migrantes, seja com nossas pesquisas ou projetos de extensão que combatem o preconceito, a discriminação, e possibilitam acesso à regularização migratória”.

Lina segue agora no estágio de pós-doutorado, sob desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental da Udesc. O estudo é um desdobramento de sua tese de doutorado e discute como a expropriação territorial está associada à violência sobre os corpos das mulheres.

Este texto integra o projeto Udesc+Ciência, produzido pela Secretaria de Comunicação da Udesc com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).

https://projetocolabora.com.br/

www.mguelimigrante.blogspot.com

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Feira Imigração em Cena celebra cultura afegã em São Paulo

 Evento apoiado pelo ACNUR terá apresentações musicais, oficinas de pintura de henna e caligrafia persa, filmes e danças afegãs, gastronomia e rodas de conversa com cineastas que retratam aspectos da vida e da cultura do Afeganistão

Refugiadas afegãs são recepcionadas por equipe do ACNUR no Brasil


O Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), em parceria com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Fundação Nacional de Artes (Funarte), Organização de Resgate de Refugiados Afegãos (ARRO), Organização Internacional para as Migrações (OIM), Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS) e Rede Sem Fronteiras, realiza no domingo, 14 de dezembro, a 4ª edição da Feira Imigração em Cena, que desta vez vai apresentar ao público a cultura e os produtos da comunidade afegã que vive em São Paulo.

O evento será uma oportunidade para conhecer a gastronomia, o artesanato, a música e a dança, além de ter contato com empreendedores afegãos que estão construindo suas vidas no Brasil. Enquanto o público terá uma oportunidade única de ter contato com a cultura afegã, migrantes e refugiados também vão receber atendimento para esclarecer dúvidas e receber orientações sobre documentação durante todo o dia.

A iniciativa pretende criar um espaço de convivência, diversidade e fortalecimento das redes de acolhimento, ampliando a visibilidade de artistas, famílias, coletivos e trabalhadores migrantes, e promovendo trocas culturais e oportunidades de geração de renda.

PROGRAMAÇÃO

11h00 – 11h20
• Abertura oficial

11h00 – 12h00
• Conta um Conto: O Elefante na Escuridão, de Idris Shah – Be Generous

12h00 – 13h00
• Exibição da animação A Ganha-Pão

13h00 – 14h00
• Oficina de Henna

14h00 – 16h00• Documentário In the Name of My People + roda de conversa com o diretor Rodrigo Guim

15h00 – 16h00
• Oficina de Dança Afegã

16h00 – 17h00
• Oficina de Caligrafia Persa

17h00 – 18h00
• Orquestra do Mundo – músicas do mundo e músicas afegãs

17h50 – 18h00
• Encerramento oficial


SERVIÇO

Feira Imigração em Cena – Edição Comunidade Afegã
Data: 14 de dezembro
Horário: 11h às 18h
Local: Complexo Cultural Funarte SP – Alameda Nothmann, 1058 – Campos Elíseos, São Paulo – SP
Entrada: gratuita
Realização: CDHIC e Funarte, com apoio de ARRO, ACNUR, OIM, Cáritas, FAMBRAS e Rede Sem Fronteiras.

https://www.acnur.org/br

www.miguelimigrante.blogspot

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Projeto insere venezuelanos no mercado de trabalho em Manaus

Venezuelanas chegam ao Brasil: projeto da ONG Visão Mundial insere migrantes no mercado de trabalho (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Treze empresas nacionais e internacionais com atuação no Brasil – sendo três do Amazonas, duas de Roraima e oito de São Paulo –   foram certificadas pelo compromisso com a inserção de quase 4 mil migrantes e refugiados venezuelanos no mercado de trabalho entre outubro de 2024 e novembro de 2025.

Em Manaus, as três empresas empregaram 397 migrantes venezuelanos, segundo a ONG Visão Mundial que coordena o projeto ‘Ven, Tú Puedes!’ de empregabilidade de migrantes. A certificação ocorreu em evento em São Paulo.

“Orientamos as empresas e mostramos que não há qualquer problema em contratar um migrante. Pelo contrário: é promover diversidade, inclusão e contribuir para os compromissos do Pacto Global da ONU. Com isso, transformamos as vidas de muitas famílias, garantindo alimentação, moradia e novas oportunidades no mercado de trabalho”, afirma a gerente nacional do projeto, Angela Karinne Mota.

Os dados do projeto estão reunidos no livro ‘Vem, Tú Puedes! – 5 anos integrando migrantes e refugiados no Brasil – Histórias e Resultados Transformadores’ lançado no evento. Desde 2019, o projeto empregou 37 mil migrantes e refugiados nos três estados. O formato digital está disponível em: https://visaomundial.org.br/publicacoes/livro-de-5-anos-do-projeto-ven-tu-puedes.

Em seis anos do projeto foram registrados 9.568 atendimentos, 6.530 currículos foram elaborados e 1.392 certificados em cursos de empreendedorismo foram emitidos.

No Amazonas, foram certificadas a Direcional Engenharia (Ouro), o Hotel Mercure da rede Accor (Prata) e a Betel Serviços RH (RH/Diversidade). Em Roraima, receberam o Selo a GTFoods Group e a Marfrig Global Foods, ambas na categoria Destaque. Em São Paulo, foram reconhecidas a Coca-Cola FEMSA Brasil, a ADP, Noah Gastronomia, AkzoNobel (Prata); a Direcional Engenharia e a SPDM (Ouro); além do Instituto Guima e da FriGol S.A. (Destaque).

O ‘Ven, Tú Puedes!’ é uma iniciativa da Visão Mundial ao contexto migratório da Venezuela. Em operação nos estados de Roraima, Amazonas e São Paulo, o projeto tem como objetivo principal promover a integração segura e a inclusão produtiva de refugiados e migrantes venezuelanos no Brasil, com ações em três eixos: Empregabilidade, Empreendedorismo e Proteção.

https://amazonasatual.com.br/

www.miguelimigrante.blogspot.com

domingo, 7 de dezembro de 2025

EUA divulgam estratégia de segurança, que prioriza controle migratório

 

© Reuters/Proibida reprodução
Foto Wikepedea 

O governo dos Estados Unidos publicou, hoje, a nova estratégia de segurança nacional e de política externa. Entre os pontos principais estão o fim da migração em massa e a maior presença militar na América Latina. Veja esse e outros destaques no nosso giro pelo mundo.

Estados Unidos

Num documento de 33 páginas, o governo dos Estados Unidos reforça a doutrina "America First": América em primeiro lugar. O novo plano de Donald Trump fala de um reajuste da presença militar global para enfrentar ameaças urgentes no hemisfério ocidental.

Segundo o texto, a era da imigração em massa acabou e é preciso proteger as fronteiras. O governo americano também defende a paz através da força. A nova estratégia também quer reequilibrar o comércio com a China e manter a política em relação a Taiwan.

Venezuela

Durante um programa de TV, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, pediu que os brasileiros apoiem a soberania do país sul-americano. Em português, misturando palavras em espanhol, Maduro agradeceu ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pelo boné que recebeu. O líder venezuelano também enfatizou a parceria entre os dois países.

As declarações aconteceram enquanto as Forças Armadas dos Estados Unidos anunciavam um novo ataque contra um barco suspeito de transportar drogas no Pacífico Oriental. Quatro pessoas morreram na ação.

Estados Unidos

Os presidentes da República Democrática do Congo e de Ruanda assinaram, em Washington, um acordo de paz, mediado pelos Estados Unidos. O pacto tem como objetivo encerrar quase 30 anos de conflito na região. Além de um cessar-fogo permanente, o acordo prevê o desarmamento das forças não-estatais, o retorno dos refugiados e concede aos Estados Unidos acesso preferencial a minerais estratégicos da área.

Desde 1998, o Leste do Congo vive um conflito que envolve dezenas de grupos armados. O avanço do grupo rebelde M23, que, segundo a ONU, é apoiado por Ruanda, agravou ainda mais a crise. Em janeiro, o M23 assumiu o controle de Goma e forçou dezenas de milhares de pessoas a fugir.

Índia

Pelo quarta dia seguido, passageiros da maior companhia aérea da Índia enfrentam cancelamentos de voos e longas filas nos balcões de atendimento. A IndiGo tem tido problemas operacionais após novas regras limitarem as horas de trabalho dos tripulantes.

A companhia diz que não conseguiu ajustar as escalas a tempo. Mais de mil voos foram cancelados, incluindo todas as partidas da capital Nova Délhi. Hoje, autoridades da aviação civil concederam uma isenção temporária de algumas das novas medidas para que a empresa consiga sair da crise.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/

www.miguelimigrante.blogspot.com